Embora o juiz afirme que o faturamento do Jornal
Pessoal é suficiente para pagar a indenização, essa quantia representa um ano e
meio de faturamento bruto, que é seu único recurso, já que não aceitamos
publicidade e equivaleria a US$ 15 milhões se a pena fosse aplicada ao jornal O
Liberal, dos Maiorana. O objetivo deste último julgamento e dos 32 que o
precederam é acabar com meu meio de expressão. Apelei da sentença.
Em
1992, Haroldo Maranhão, talvez o mais importante escritor da Amazônia do século
XX, escreveu um artigo em um jornal de Belém lançando minha candidatura a
deputado federal. Afirmava que eu deveria deixar o jornalismo e transmitir minha
mensagem a uma audiência maior e mais qualificada. Em 1970, quando completei 21
anos, meu pai me fez a mesma proposta. Queria que eu fosse seu sucessor na
política, herdando seu imenso caudal eleitoral no Baixo Amazonas do Pará, onde
foi eleito prefeito de Santarém e deputado estadual. O regime militar o
proscreveu e pretendia transferir-me seu patrimônio de votos.
Pensei
bastante, mas, finalmente, decidi continuar com o jornalismo. Isso apesar da
tentação e da consciência sobre o que significaria a mudança de profissão: em
lugar de retratar a realidade e explicá-la, tentar modificá-la. Entretanto, me
deparava com a pergunta principal: poderia ser melhor como político do que como
jornalista? Creio que não. Esta certeza entra em contradição com a sensação que
frequentemente me assalta: o jornalismo impediu que eu tivesse um maior nível
intelectual. A conjuntura e o cotidiano de quem vive na Amazônia e se ocupa em
seguir a história imediata da região absorvem todo o tempo e toda a energia, não
deixa espaço para projetos de maior envergadura. O dia a dia é incrivelmente
dinâmico e mutável.
Em 1976, por exemplo, quando o satélite
norte-americano Skylab fotografou o maior incêndio até então documentado na
história, na fazenda Volkswagen, localizada no sul do Pará, o desmatamento
plurimilenar da Amazônia não passava de 0,8% de sua superfície. Hoje, chega a
20%. Nunca antes o Homo Sapiens derrubou tanta floresta em tão pouco
tempo.
Por coincidência, entrei no jornalismo profissional em 1966, aos
16 anos, quando foram aprovados os incentivos fiscais federais que fizeram
multiplicar o ritmo de ocupação da Amazônia – a um custo exorbitante para o
tesouro nacional – e cientistas de diversos países se reuniram em Belém para
comemorar o centenário da mais antiga instituição regional de pesquisa, o Museu
Emilio Goeldi. Ainda adolescente, descobri que a ciência e o desenvolvimento
devem transitar por caminhos paralelos. A ciência poderia ter orientado o
processo de desenvolvimento se tivesse sido colocada na dianteira. Mas, relegada
à retaguarda, apenas pode registrar no solo amazônico devastado os sinais da
irracionalidade e da destruição.
Coloquei todo meu empenho para tentar
evitar que essa trajetória esquizofrênica levasse à deterioração desta região
que é a maior fronteira de recursos naturais do planeta. Persegui a verdade com
o método do jornalismo investigativo: submeter as informações obtidas a exame
antes de apresentá-las aos cidadãos. E nunca me preocupei em saber a quem
agradava esta atividade ou – o que é mais perigoso – a quem desagradava. Apenas
me importava saber se as informações eram corretas e relevantes. Compreendi, na
prática, o que todos sabemos na teoria: que a verdade é incômoda, subverte,
ameaça.
Por ironia, em 1992, os incomodados – todos eles instalados em
diferentes graus de poder – decidiram que a melhor técnica não era discutir com
o autor das revelações, mas persegui-lo, intimidá-lo e condená-lo. E assim
começou a série das, até agora, 33 ações judiciais contra minha pessoa nos
tribunais de Belém, sem que os demandantes aceitassem, uma única vez, discutir
os temas de minhas denúncias públicas. Sabem que a verdade está do meu lado. Mas
também sabem que têm o poder. Em plena vigência da democracia no Brasil, estão
conseguindo o que nem mesmo durante a ditadura militar parecia possível:
instaurar processos políticos por via judicial, semelhantes aos da era comunista
na Europa Oriental.
Condenado uma vez mais no mês passado, tenho a
impressão cada vez mais nítida de estar em um Gulag tropical. Mas também sinto
mais forte a determinação de continuar enfrentando-o. É uma forma de luta tão
especial que, para poder travá-la, tive de criar uma arma original: um jornal
que escrevo na íntegra. É microscópico, mas é um mosquito “com pegada”, como se
diz na linguagem do boxe.
A partir de sua base quase artesanal, se
converteu em uma das vozes amazônicas, uma voz distoante em um concerto mundial
que a ataca, mas não a quer admitir como protagonista. Precisamente, que a
Amazônia seja a protagonista de sua própria história é o que desejamos. E por
isso continuaremos a luta, sempre.
(*) Lúcio Flávio Pinto é diretor do Jornal Pessoal, que denuncia a corrupção, a impunidade e as consequências econômicas e ecológicas da exploração da Amazônia, e enfrenta 33 processos judiciais e numerosas agressões físicas e ameaças de morte.
(IPS/Envolverde)