Uma história amazônica

Belém, agosto/2009 – Um juiz civil de Belém, Raimundo das Chagas Filho, me condenou, no mês passado, a pagar indenização e custas de aproximadamente US$ 20 mil por dano moral causado à memória de Rômulo Maiorana e sua família, proprietária do maior grupo de comunicações do Norte do Brasil, associado à Rede Globo de Televisão. O motivo da sentença é um artigo publicado no Jornal Pessoal, que escrevo integralmente e que circula quinzenalmente em Belém há quase 22 anos, no qual mencionava a relação de Maiorana com o contrabando na origem de sua fortuna.

Embora o juiz afirme que o faturamento do Jornal Pessoal é suficiente para pagar a indenização, essa quantia representa um ano e meio de faturamento bruto, que é seu único recurso, já que não aceitamos publicidade e equivaleria a US$ 15 milhões se a pena fosse aplicada ao jornal O Liberal, dos Maiorana. O objetivo deste último julgamento e dos 32 que o precederam é acabar com meu meio de expressão. Apelei da sentença.

Em 1992, Haroldo Maranhão, talvez o mais importante escritor da Amazônia do século XX, escreveu um artigo em um jornal de Belém lançando minha candidatura a deputado federal. Afirmava que eu deveria deixar o jornalismo e transmitir minha mensagem a uma audiência maior e mais qualificada. Em 1970, quando completei 21 anos, meu pai me fez a mesma proposta. Queria que eu fosse seu sucessor na política, herdando seu imenso caudal eleitoral no Baixo Amazonas do Pará, onde foi eleito prefeito de Santarém e deputado estadual. O regime militar o proscreveu e pretendia transferir-me seu patrimônio de votos.

Pensei bastante, mas, finalmente, decidi continuar com o jornalismo. Isso apesar da tentação e da consciência sobre o que significaria a mudança de profissão: em lugar de retratar a realidade e explicá-la, tentar modificá-la. Entretanto, me deparava com a pergunta principal: poderia ser melhor como político do que como jornalista? Creio que não. Esta certeza entra em contradição com a sensação que frequentemente me assalta: o jornalismo impediu que eu tivesse um maior nível intelectual. A conjuntura e o cotidiano de quem vive na Amazônia e se ocupa em seguir a história imediata da região absorvem todo o tempo e toda a energia, não deixa espaço para projetos de maior envergadura. O dia a dia é incrivelmente dinâmico e mutável.

Em 1976, por exemplo, quando o satélite norte-americano Skylab fotografou o maior incêndio até então documentado na história, na fazenda Volkswagen, localizada no sul do Pará, o desmatamento plurimilenar da Amazônia não passava de 0,8% de sua superfície. Hoje, chega a 20%. Nunca antes o Homo Sapiens derrubou tanta floresta em tão pouco tempo.

Por coincidência, entrei no jornalismo profissional em 1966, aos 16 anos, quando foram aprovados os incentivos fiscais federais que fizeram multiplicar o ritmo de ocupação da Amazônia – a um custo exorbitante para o tesouro nacional – e cientistas de diversos países se reuniram em Belém para comemorar o centenário da mais antiga instituição regional de pesquisa, o Museu Emilio Goeldi. Ainda adolescente, descobri que a ciência e o desenvolvimento devem transitar por caminhos paralelos. A ciência poderia ter orientado o processo de desenvolvimento se tivesse sido colocada na dianteira. Mas, relegada à retaguarda, apenas pode registrar no solo amazônico devastado os sinais da irracionalidade e da destruição.

Coloquei todo meu empenho para tentar evitar que essa trajetória esquizofrênica levasse à deterioração desta região que é a maior fronteira de recursos naturais do planeta. Persegui a verdade com o método do jornalismo investigativo: submeter as informações obtidas a exame antes de apresentá-las aos cidadãos. E nunca me preocupei em saber a quem agradava esta atividade ou – o que é mais perigoso – a quem desagradava. Apenas me importava saber se as informações eram corretas e relevantes. Compreendi, na prática, o que todos sabemos na teoria: que a verdade é incômoda, subverte, ameaça.

Por ironia, em 1992, os incomodados – todos eles instalados em diferentes graus de poder – decidiram que a melhor técnica não era discutir com o autor das revelações, mas persegui-lo, intimidá-lo e condená-lo. E assim começou a série das, até agora, 33 ações judiciais contra minha pessoa nos tribunais de Belém, sem que os demandantes aceitassem, uma única vez, discutir os temas de minhas denúncias públicas. Sabem que a verdade está do meu lado. Mas também sabem que têm o poder. Em plena vigência da democracia no Brasil, estão conseguindo o que nem mesmo durante a ditadura militar parecia possível: instaurar processos políticos por via judicial, semelhantes aos da era comunista na Europa Oriental.

Condenado uma vez mais no mês passado, tenho a impressão cada vez mais nítida de estar em um Gulag tropical. Mas também sinto mais forte a determinação de continuar enfrentando-o. É uma forma de luta tão especial que, para poder travá-la, tive de criar uma arma original: um jornal que escrevo na íntegra. É microscópico, mas é um mosquito “com pegada”, como se diz na linguagem do boxe.

A partir de sua base quase artesanal, se converteu em uma das vozes amazônicas, uma voz distoante em um concerto mundial que a ataca, mas não a quer admitir como protagonista. Precisamente, que a Amazônia seja a protagonista de sua própria história é o que desejamos. E por isso continuaremos a luta, sempre.


(*) Lúcio Flávio Pinto é diretor do Jornal Pessoal, que denuncia a corrupção, a impunidade e as consequências econômicas e ecológicas da exploração da Amazônia, e enfrenta 33 processos judiciais e numerosas agressões físicas e ameaças de morte.


(IPS/Envolverde)
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