Farsa Histórica?

Indignados e perplexos, tomamos conhecimento da participação do Sr. Carlos Hugo Studart Corrêa como Observador Independente do Comitê Interinstitucional de Supervisão das atividades do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Defesa, que busca localizar e identificar os corpos dos guerrilheiros na região do Araguaia. Surpreendentemente, seu nome foi indicado como pesquisador pela Universidade de Brasília - UNB, por decreto do Ministro da Defesa publicado no Diário Oficial da União, nº 131, de 13 de julho de 2009.
Neste mesmo decreto, consta como Comandante da Equipe de Apoio Logístico, o General de Brigada, Mário Lúcio Alves de Araújo, comandante do 23º Batalhão de Infantaria de Selva que, como já assinalado em nota anterior, em entrevista ao jornal 'O Norte de Minas', publicada em 31 de março de 2008, declarou '(...) há exatos 44 anos o Exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista'.

No que se refere ao Sr. Hugo Studart, nossa surpresa se prende ao fato de que em seu livro "A Lei da Selva" (Geração Editorial, 2006) - produto de sua dissertação de mestrado defendida em 2005, na UNB - deixa claro o acordo que fez para manter o anonimato dos militares que participaram diretamente dos crimes cometidos na região do Araguaia contra os guerrilheiros e a população local. Afirma ele: "A condição exigida, respeitada, implicou citar os militares colaboradores por codinomes" (p. 23, nota de rodapé 43). Além disso, informa que teve acesso a "documentos oficiais das Forças Armadas" como "mapas, relatórios de ações, ordens de batalha" (p.23), assim como o que chamou de Dossiê Araguaia "elaborado por militares entre 1998 e 2001" (p.23). Este Dossiê teve como coordenador geral um coronel "hoje na reserva, que doravante conheceremos pela identidade fictícia de George Costa, o Dr. George, codinome que de fato usava durante a Guerrilha do Araguaia" (p.31).

É importante assinalar que os familiares e as entidades de direitos humanos jamais tiveram acesso a esses documentos, apesar da luta de mais de 20 anos pela abertura ampla, geral e irrestrita dos arquivos da ditadura.

Indagamos se esse tipo de pesquisa histórica contribui para a sociedade brasileira conhecer criticamente parte de sua história recente. A nosso ver, tal trabalho continua mantendo na obscuridade e nas sombras os responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidos em nome da segurança nacional. Fortalece, também, a idéia de que "o ponto essencial é desvendar o destino dos mortos e desaparecidos" (p.19), o que vai de encontro com a atual proposta governamental através da formação do Grupo de Trabalho e do Comitê de Supervisão.

Entendemos que a história não pode se resumir apenas à entrega dos restos mortais de todos os opositores políticos da ditadura civil-militar. É fundamental que possamos conhecer o que aconteceu, como aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu e quais os responsáveis pelas atrocidades cometidas pelo Estado terrorista implantado, em nosso país, em 1964.

Outra questão refere-se ao fato de que o Sr. Studart ao afirmar ter conhecimento de documentos e informações ainda hoje secretos, relata acontecimentos que nunca estiveram presentes nos depoimentos colhidos pelas várias caravanas de familiares e pelo Ministério Público Federal, em 2001, na região do Araguaia, assim como por diferentes pesquisadores do tema. Em seu artigo "A Guerra Acabou", publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 06/07/09, (p. A2) afirma que "(...) três guerrilheiros que se entregaram, foram poupados e receberam novas identidades: Hélio Navarro de Magalhães, Antônio de Pádua Costa e Luiz René Silva" Em nenhum momento revela as fontes e documentos comprovando tais afirmações.

Essa prática de informar sem apresentar as fontes e os documentos ditos secretos está presente em várias reportagens, publicações e depoimentos de militares e colaboradores do aparato de repressão. Em realidade, tem servido para confundir e desinformar, desqualificando a memória e a luta dos opositores políticos. Além disso, submete os familiares e amigos a um "crime continuado", torturando-os, provocando mais dor e sofrimento. É, ainda, uma tentativa perversa de enfraquecer a militância dos familiares e das entidades de direitos humanos em busca da justiça e da afirmação de outras memórias.

Por tudo isto, continuamos reafirmando nossa posição de repúdio ao Grupo de Trabalho e ao Comitê de Supervisão cuja composição e funcionamento não merecem a nossa confiança e o nosso apoio.

Exigimos, portanto, a formação de um novo Grupo de Trabalho sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, como já proposto em nota anterior.

Pela Vida, Pela Paz!
Tortura, Nunca Mais!

Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2009
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