Educação: Liberdade, ciberigualdade, humanidade

Bento Gonçalves, 03/08/2009 – Esta cidade de cem mil habitantes, no Estado do Rio Grande do Sul, em seu nome homenageia o líder da separatista Revolução dos Farrapos, travada entre 1835 e 1845 sob o lema “liberdade, igualdade, humanidade”. Em uma reunião de delegados de todo o mundo realizada na semana passada em Bento Gonçalves, outros revolucionários, desta vez desarmados, proclamaram ideais semelhantes. A Nona Conferência Mundial sobre Computadores na Educação, que terminou na sexta-feira, teve como tema principal “Educação e tecnologia para um mundo melhor”. O encontro reuniu 650 especialistas em educação e tecnologias da informação e da comunicação (TIC) de 44 países. Também havia cerca de 500 participantes de diferentes partes do Brasil.

Organizada pela Federação Internacional de Processamento da Informação (IFIP), a conferência teve apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da Rede de Informação Tecnológica Latino-americana, dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, e de várias universidades e empresas do País. A reunião buscou “unir a computação com as pessoas que se dedicam à educação, o que gera uma faísca” de criatividade, disse Franco Simini, professor de engenharia biomédica na Universidade de la República, do Uruguai.

Sendo bem, utilizada, a tecnologia pode potencializar uma nova tendência de aprendizagem colaborativa. No futuro, toda educação será uma combinação de aprendizado à distancia e ensino presencial”, afirmou Simini. O objetivo é que haja “educação terciária para todos”, assim como no último século se apontou para uma educação primaria para todos, acrescentou. As experiências e os resultados da conferência serão divulgados através da publicação de um manual com pautas sobre o uso das TIC na educação, bem como de artigos em revistas profissionais e de pesquisa. As sessões também foram transmitidas ao vivo pela Internet, permitindo a participação de pessoas de todo o mundo.

“Algumas pessoas atuam, outras observam”, disse Maximira André, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “As pessoas ativas vieram à conferência para aprender, compartilhar, fazer novos contatos e descobertas”, acrescentou. Sobre o tema do encontro, perguntou: “Um mundo melhor sim. Mas, para quem?”. Segundo o professor Simini, na declaração final “fala-se muito sobre solidariedade digital, mas isto simplesmente não pode significar caridade. Com nossa historia de egoísmo e competição, agora a humanidade tem a possibilidade de usar as TIC para a inclusão e para um mundo mais igual”.

A professora Gleice Moreira, do Núcleo de Tecnologia Educativa do Estado do Acre, afirmou que a conferência é “uma maravilhosa oportunidade de descobrir experiências positivas em outras universidades e em diferentes países. Também é uma ocasião para organizar intercâmbios e esforços no sentido de uma colaboração”. Ela ficou surpresa “pela apresentação da agência espacial dos Estados Unidos (Nasa)”, detalhando as opções de ações cooperativas. “Não sabia que é possível participar de atividades com eles. Quero fazer algo no Acre e já fiz o primeiro contato para isso”, disse entusiasmada.

O software livre (programas de computador que podem ser usados, copiados, distribuídos e modificados livremente) é uma tendência valiosa para a educação, pois amplia o acesso às aplicações das TIC, disse a Moreira. “O software livre realmente chega às pessoas” excluídas, ressaltou. Contou que em junho, o governo brasileiro distribuiu computadores em escolas rurais. Seus alunos veem e utilizam computadores pela primeira vez. “Quando um pai foi até à escola buscar sua filha e ela lhe mostrou o que estava fazendo, sua primeira reação foi dizer que não podia pagar por um computador. A professora explicou que era grátis e, então, ele ficou surpreso”, disse a professora.

Uma das inovações apresentadas na conferência foi a tecnologia “háptica”, o estudo da interação humana com o ambiente exterior através do tato. Um projeto do King’s College de Londres, dirigido por Margaret Cox, desenvolve luvas especiais que produzem informação sensorial a partir de ambientes virtuais tridimensionais para treinar estudantes de odontologia, enfermagem, medicina e veterinária nas delicadas habilidades motoras que exigem certas técnicas específicas.

A IFIP, criada pela Unesco em 1960, organiza estas conferências a cada quatro anos desde 1972. Os participantes costumam ser ativistas apaixonados pelo uso educativo das TIC. Este ano, como sua edição anterior, o encontro foi um âmbito para redigir a Declaração de Bento Gonçalves, que será colocada na Internet para somar comentários, debates e modificações por parte de todos os atores envolvidos nesta temática. “Queremos que seja um documento vivo”, disse o presidente da conferência, Sindre Roesvik, diretor de educação do município norueguês de Giske.

“Mais de 200 delegados, assistentes e coordenadores contribuíram com este texto, dedicado a explicar como conseguir que as coisas sejam feitas, em lugar de dizer o que é preciso fazer”, explicou Roesvik. No uso da tecnologia na educação para melhorar o mundo “esta declaração talvez seja a mais completa. Sua prioridade é seu uso político. Todos podem utilizá-la gestões junto às autoridades”, acrescentou. O documento estará disponível online no endereço www.ifip-tc3.net “em algumas semanas”, ressaltou Roesvik.

O rascunho distribuído no encontro cobre oito grandes questões, focadas em ações concretas no ambiente do aprendizado, pesquisa, conteúdos curriculares e iniciativas, a fim de servir a estudantes, professores e comunidades cooperativas. De uma perspectiva global, apresentou-se uma atualização da iniciativa “Um laptop por criança”, exibindo o Plano CEibal do Uruguai, que entregou gratuitamente 200 mil computadores portáteis a meninos e meninas, e um plano do governo australiano para distribuir computadores em escolas indígenas do Território do Norte. Esta revolução silenciosa que coloca as TIC a serviço da democracia digital pode chegar mais longe do que a Revolução dos Farrapos. IPS/Envolverde


(Envolverde/IPS)
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