O professor critica severamente a metodologia do PIB. Segundo ele, “na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno”.
Eis a
entrevista.
A crise financeira internacional pode afetar a crença
nas leis de mercado e no próprio sistema capitalista na mesma proporção em que a
queda do muro de Berlim determinou os destinos do comunismo?
Há
tantas refutações de que o mercado não funciona que é duvidoso. Ele simplesmente
é necessário. Eu trabalhei na Polônia no âmbito da economia socialista. Havia
mecanismos de mercado amplamente utilizados. Não estou falando do mercado no
processo de concorrência entre uma série de produtores e pessoas que trocam
valores com outros, permitindo a divisão de trabalho na sociedade. Isso é
valioso e deve ser guardado. O que se confundiu foi o mecanismo de mercado com a
regulação geral da sociedade.
Como assim?
O
mecanismo de mercado protege para as trocas. Não protege o que produzimos, para
quem e sobre quais custos tanto para a natureza quanto para a sociedade.
Portanto, o que está acontecendo é que o mercado está perdendo sua capacidade
reguladora na sociedade. O sistema de bancos no Brasil é essencialmente
carteirizado. Na Inglaterra, o crédito pessoal no HSBC é de 6%, enquanto aqui
passa de 60%. Se houvesse mecanismos de mercado, as pessoas iriam buscar capital
lá ou aplicariam aqui. Ou seja, nas áreas carteirizadas, que pertencem às
grandes corporações, deixou de funcionar o mercado.
O que fazer
então?
É preciso ter sistemas de regulação equilibrados entre os
intermediários financeiros, bancos centrais, governos e as organizações de
usuários. O mercado não resolve tudo sozinho. Veja, por exemplo, o caso de
grupos como as Casas Bahia, que trabalham frequentemente com taxas de juros de
100%. Uma pessoa de baixa renda paga o dobro do valor de um produto. Isso é
extorsivo e se baseia na manutenção da desigualdade de renda, que força as
pessoas sem dinheiro vivo a pagar em pequenas prestações o dobro do que pagaria
uma pessoa com mais recursos. Existe um mecanismo financeiro de concentração de
renda. São áreas comerciais que passaram, ainda que de forma não declarada, a
ter uma atuação financeira. Assim, o acesso aos recursos e a distribuição
equilibrada na sociedade está cada vez menos regulada com mecanismos de mercado.
Além disso, o mercado é nocivo na exploração de bens
naturais.
Como?
Basta observar o caso da pesca
oceânica. Com o GPS e as novas tecnologias, se torna possível extrair o volume
de peixes desejado. Virou um matadouro. E quanto mais avança a tecnologia, mais
barato é capturar o peixe. No entanto, à medida que os peixes vão se esgotando,
os preços sobem. O problema da água também está se tornando crítico para a
humanidade. Com sistemas modernos se tornou viável bombear enormes quantidades
de lençóis freáticos subterrâneos que se acumulam durante séculos. O processo
funciona com extrema rapidez. Isso gera grandes fortunas para determinados
grupos, que não arcaram com custos da sua produção. Por outro lado, liquida, a
base de água e não gera emprego. Esse eixo é simplesmente destrutivo para as
áreas de recursos limitados. Então, o mercado não tem capacidade para regular
áreas que envolvem recursos naturais. Com a crise financeira internacional, há
muitos especuladores à procura desesperada de onde aplicar seus recursos. Eles
querem comprar imensas áreas de solo no Brasil de olho na pressão alimentar e na
oportunidade de lucros com os bicombustíveis.
O governo
brasileiro acertou então ao criar uma moratória de compra e venda de terras em
áreas onde a água deveria ser canalizada?
Sim. Caso contrário
você teria europeus, americanos e grupos de São Paulo comprando todas aquelas
terras para revender ou aproveitar os seus eventuais benefícios. A capacidade
reguladora do mercado se perdeu no momento em que cresce a pressão por recursos
naturais, aumenta a população mundial, o nível de consumo e na medida em que se
formam grandes conglomerados planetários. Isso já não é mercado. São sistemas de
poder de grupos privados que exercem poder político sem serem eleitos. Por isso
defendo que o mecanismo econômico tem de ser democratizado.
Qual
sua avaliação sobre a declaração final do encontro do G-20 realizado em Londres
no mês passado?
Tivemos um encontro do G-20 em novembro e, outro
mais recente, em Londres. Não há uma diferença substantiva entre os dois. São
declarações de intenções que se destinam basicamente a apaziguar a tensão, uma
vez que centenas ou milhões de aposentados perderam sua aposentadoria e há um
número crescente de desempregados. A tensão em torno destes problemas se tornou
imensa. A declaração do G-20 de Londres é positiva em algum sentido. Primeiro
porque se expandiu o número de países que participam do processo político. Tem
um lado um pouco sem vergonha nisso porque quando as potências prosperavam era
G-7. Quando estourou a crise, eles foram buscar sócios. De qualquer maneira, os
29 pontos da declaração são grandes princípios, além de positivos, sobretudo no
que se refere ao meio ambiente, maior controle sobre o sistema financeiro, fim
do protecionismo, mais poder ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um aumento
na participação de diversos países nas várias instituições
internacionais.
O que poderia ter sido
aprimorado?
Quase ninguém reparou que há um anexo de medidas
financeiras na declaração de Londres, que foi feito rigorosamente por gente do
chamado mercado financeiro. Por exemplo, as compensações para diretores e
acionistas será responsabilidade deles próprios. Ou seja, não haverá nenhuma
instituição para fiscalizá-los.
O senhor acredita que as
propostas serão implementadas?
As propostas de arquitetura
financeira mundial contidas nos acordos de Bretton Woods foram trabalhadas
durante dois anos até a sua implementação. Eu, particularmente, estou cético e
realista neste aspecto. Estamos começando um processo. Você não faz isso em três
ou seis meses. Além disso, tudo vai depender da profundidade da crise, que ainda
é completamente incerta. Ninguém sabe, nem mesmo o pessoal que criou esta crise.
Mudanças mais profundas no sistema dependem da intensidade da crise. Se amanhã
tudo voltar à normalidade, os especuladores, que criaram o problema, vão tentar
manter as coisas como estão, esperando pela próxima crise. Isso já ocorreu antes
com as crises na década de 1990. Estamos num limbo de regulação que é
extremamente perigoso.
A dívida pública dos Estados Unidos
ultrapassou o teto dos US$ 10 trilhões. As injeções de recursos no sistema
financeiro pelo governo do presidente Barack Obama surtiram
efeito?
Injetar dinheiro nos intermediários financeiros foi a
primeira reação. Os bancos estão quebrando. Portanto, você coloca dinheiro para
não quebrar. Contudo, a economia real começa a quebrar por falta de crédito. O
que eles fizeram então? Injetaram mais dinheiro nos bancos, pensando que com
mais liquidez eles passariam a oferecer crédito. Isso não aconteceu. No caso dos
Estados Unidos, os bancos maiores estão comprando os pequenos para reforçar
oligopólios. Há uma dimensão profundamente golpista neste sentido. Afinal, eles
não querem mercado. No caso brasileiro, os cerca de R$ 100 bilhões que foram
transferidos para os bancos via redução do compulsório e outros mecanismos, em
vez de se transformarem em crédito para dinamizar a economia, estão sendo
utilizados na compra de títulos do governo para depois serem remunerados pela
taxa Selic. Ou seja, o sistema financeiro não está fazendo o seu papel de
financiar a economia. Um papel, aliás, que está na
Constituição.
O papel do Estado na economia deve ser
rediscutido?
Estamos constatando a necessidade de fazer
funcionar a economia com o interesse de uma sociedade socialmente equilibrada e
com políticas ambientais que não destruam o planeta. Uma mudança de paradigma
energético produtivo. Acho que o eixo é este. Em função destes objetivos, você
tem que ter outro tipo de orientação da economia, com mudanças no papel do
Estado. Não significa maior tamanho do Estado na economia. Significa que a
regulação política dos processos econômicos tem que avançar. É importante
resgatar a capacidade reguladora do Estado sobre o sistema empresarial e
articular políticas públicas com organizações da sociedade civil. É um processo
mais horizontal, democrático, e descentralizado, onde os interesses da população
estejam em primeiro lugar.
E como fazer isso?
Eu
sempre uso o exemplo do programa de expansão da Coréia do Sul. São investimentos
de US$ 36 bilhões em energia limpa. A expectativa é de que, com o programa,
serão criados 960 mil empregos. O emprego tira as pessoas do desespero e gera
mais recursos na base da sociedade. Ocorre um impacto social de igualdade. Por
outro lado, com esse dinheiro, a população consome e não aplica na bolsa. Isso é
um processo anticíclico. O dinheiro que vem por parte do governo, em vez de ir
para a especulação, como fazem os bancos privados, está aplicado em
investimentos necessários para o país. Ao mesmo tempo em que melhora a situação
do meio ambiente e oferece um equilíbrio social, o programa protege a Coréia do
Sul da crise ao gerar emprego, demanda de consumo e de equipamentos para esses
investimentos.
Como o senhor vê a questão da redução dos juros e
do spread bancário no Brasil?
Repare que nos jornais só aparece
a discussão sobre a taxa Selic. Agora, e as taxas de juros cobradas pelo sistema
ao tomador final? A média para pessoa jurídica é de 68%, para pessoa física
110%, cheque especial 166%, no cartão 220%. Estamos falando de um assalto. Eu
acho que o papel dos bancos oficiais é introduzir mecanismos de mercado neste
processo para oferecer crédito a custos decentes. Temos que lembrar que o banco
tem uma função social, de acordo com a Constituição. Mesmo o banco privado é uma
carta patente que o autoriza a trabalhar com o dinheiro do público. Não é
dinheiro do banco. Então, ele tem que responder a certas exigências. Como ele
tem forte controle sobre o próprio Banco Central, então, aqui o sistema
financeiro ficou sem regulação efetiva. Instituições como o Banco do Brasil,
Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, BNDES, que já fazem isso há bastante
tempo, devem buscar novas formas de democratização de acesso ao crédito. O
Brasil tem um volume de crédito da ordem de 37% do PIB. Isso é muito baixo. O
crédito é bom, o sujeito quer abrir uma marcenaria, então precisa do crédito,
mas não pode ser com essa taxa de juros. O papel do banco é isso. Estimular o
empreendedorismo.
Muitos analistas apostam que o mercado interno
será o motor da economia nacional neste ano. O senhor
concorda?
É como se o governo Lula estivesse se protegendo de
antemão. Houve uma convergência do aumento da capacidade de compra do salário
mínimo na faixa de 51% a 53%. Isso é gigantesco. Atinge 26 milhões de
assalariados e 18 milhões de aposentados. Você teve também nos últimos anos uma
expansão no emprego na ordem de 11 milhões de pessoas. Isso gerou demanda na
base da sociedade. Vale ressaltar ainda o crescimento do crédito rural. O Pronaf
[Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5
bilhões para R$ 12,5 bilhões. Injeção de recursos no pequeno produtor rural, que
representa 70% dos alimentos produzidos pelo País. Isso sem mencionar o Bolsa
Família, responsável por tirar da miséria negra 50 milhões de pessoas. Este
governo trabalha com cerca de 150 programas interministeriais. Isso gerou uma
ampliação da demanda interna que casa com a crise da demanda externa. Veja o
exemplo da carne. Com a crise no mercado externo, o setor está sendo obrigado a
vender no mercado interno. Percebemos que tem muito mais carne nos açougues e os
preços estão cada vez mais baixos. Houve uma reconversão. Parte do que era
exportado, agora, está se voltando para o mercado interno.
O
senhor disse em artigo recente que a crise é uma oportunidade para o Brasil. Por
quê?
O grande problema do Brasil é a desigualdade social. Somos
o segundo ou o terceiro pior país do mundo em termos de distribuição de renda.
Quando o mercado externo está em crise, você é obrigado a se voltar para o
mercado interno. Então, de repente, todas aquelas pessoas que falavam mal do
Bolsa Família, agora acham o programa bom, pois ele gera mercado interno para os
produtos que não estão sendo vendidos lá fora por causa da recessão. Ocorre uma
convergência política de interesses na necessidade de fortalecer o mercado
interno. Isso não é novo no Brasil. Nos anos 1930, com a crise de 1929, não dava
para exportar café. E como não se exportava café, não havia divisas para
importar todos os produtos. No mercado interno, ninguém sabia produzir esses
bens. Então, os capitais, que estavam no café, vendo que o produto só dava
perdas, fecharam as fazendas e saíram à procura de outras coisas para produzir.
Esses capitais perceberam que já havia uma demanda preexistente de produtos que
não estavam mais sendo importados. Por essa razão que os anos 1930 foram uma
época de imensos avanços do aparelho produtivo brasileiro. O mecanismo é muito
interessante e se for bem aproveitado, matamos três coelhos de uma
vez.
De que maneira?
De um lado puxamos para cima
nosso quarto mundo, que é a miséria do andar de baixo da economia. Depois
reconvertemos os agroexportadores, que desmatam a Amazônia e contaminam os
lençóis freáticos com agrotóxicos, com uma agricultura alimentar diversificada
em um sistema de equilíbrio de longo prazo. Ao gerar esta dinâmica, estamos nos
protegendo da crise. São políticas anticíclicas. Essa convergência que é o nó da
oportunidade. Nas exposições que assisti do presidente Lula, dos ministros Guido
Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), e até do Henrique Meirelles
(presidente do Banco Central), a compreensão deste processo está clara. Este é
um governo que tem uma linha de enfrentamento da crise.
Mesmo
assim o setor exportador continuará em crise. Isso não é
prejudicial?
O Brasil está numa situação particular. Temos,
hoje, 13% da economia para a exportação. Isto é, o País não depende tanto assim
da exportação. Além disso, diversificamos nossa pauta para diversos lugares do
planeta. Atualmente, os Estados Unidos representam apenas 25% do nosso comércio
exterior. Outro ponto extremamente importante é o crescimento das reservas
internacionais do Brasil, que passaram de US$ 30 bilhões, em 2002, para cerca de
US$ 200 bilhões. Isso equilibrou as relações externas. Agora, o setor
exportador, é claro que está em crise. Primeiro, porque houve uma redução de
demanda no nível internacional por conta da recessão. Segundo, porque com a
crise financeira há muito menos acesso à credito de exportação. Exportação exige
crédito. Essa dificuldade de comércio exterior vai se manter durante algum
tempo, o que deve reforçar a idéia de reconversão em função do mercado
interno.
Os emergentes não estão imunes à crise. Para o senhor,
estes países podem ser transformar na locomotiva para a retomada do
crescimento?
Eles podem constituir uma estratégia. Numa situação
crítica de uns 30 anos atrás, o primeiro ministro da Alemanha Willy Brandt
elaborou, na ocasião, um relatório chamado Norte-Sul. O documento dizia que a
prosperidade no grupo dos países ricos da América do Norte, Europa Ocidental,
Japão, Austrália e Nova Zelândia não se sustenta sem a abertura de uma nova
fronteira de atividade de mercado. Ou seja, o conjunto de terceiro mundo, essas
4 bilhões de pessoas que não têm acesso ao consumo diversificado representam uma
imensa fronteira anticíclica de dinamização da atividade. Por este motivo que um
dos últimos documentos do Banco Mundial se chama os próximos 4 bilhões. Eles
estão estudando como atingir os quatro bilhões, dois terços do planeta, que
estão fora do sistema. Isso, na verdade, já era proposto pelo Willy Brandt há
uns 30 anos.O caminho é o mesmo trilhado pelos países desenvolvidos. No
pós-guerra, eles entraram em fortes processos de redistribuição de renda. O
amplo mercado interno viabilizou um conjunto de atividades que gerou a
prosperidade. A idéia é reproduzir isso em nível mundial. Neste sentido, acho
coerente que o conjunto do terceiro mundo se forme como um elemento dinamizador
da economia mundial.
Qual sua opinião sobre a proposta da China
de trocar o dólar por uma nova moeda de circulação mundial?
Faz
parte de um conjunto de medidas que estavam em discussão na reunião do G-20 de
Londres. Você não pode continuar a dar a uma única nação, os Estados Unidos, a
possibilidade de ser a moeda mundial, que eles emitem quando querem. Isso
explica porque os norteamericanos se endividaram de maneira tão prodigiosa nos
níveis público, privado e externo. Eles estão à vontade, emitindo dólares. Este
tipo de irresponsabilidade financeira da direita norteamericana em definir o
poder não pode continuar. A crise expôs os riscos de fazer o uso de apenas uma
moeda. No encontro G-20, os chefes de Estado decidiram triplicar o caixa do
Fundo Monetário Internacional ao repassar US$ 750 bilhões para a instituição.
Isso não entra somente como dólar. Entra como direitos especiais de saque que
são baseados numa cesta de moedas. O momento delicado é o seguinte: a China
maneja cerca de US$ 2 trilhões em reservas. Os americanos estão emitindo
dinheiro adoidado para alimentar bancos. Quando você emite muito dinheiro, a
tendência é o papel perder valor. A China não vai querer perder dinheiro. Houve
uma saída de papéis podres para o dólar, que é melhor. Mas na medida em que os
Estados Unidos aprofundam seu déficit, sustentando a General Motors e os bancos,
você tem cada vez mais papéis, e quando você emite muito mais papéis do que a
riqueza que você tem, esse papel apodrece.
Por que não se tentou
essa substituição antes?
Porque a China estava preocupada em não
perder suas reservas com a desvalorização do dólar se de fato ocorresse uma
troca da moeda norteamericana. A proposta é estrutural de que o dólar entre como
uma das moedas da cesta. Ninguém está interessado em quebrar o dólar, os Estados
Unidos ou qualquer coisa do gênero. O que não se pode é deixar só com os Estados
Unidos o uso irresponsável da capacidade de emitir dinheiro para o seu uso. A
economia se globalizou, virou planetária, mas não temos um governo planetário. O
resultado é essas reuniões de chefe de Estado a toda hora para procurar um
caminho.
É possível imaginar como será o póscrise em termos de
regulamentação de mercado?
As pessoas pensam que a economia é
como o mar, que sobe e desce. Não é o mar. Nossa cabeça trabalha naturalmente
por analogia. Ninguém disse que quando se desce vai subir. A saída da crise de
1929 foi uma guerra catastrófica para todo o planeta. Por isso que eu digo desde
o começo: como ninguém sabe a profundidade da crise, quanto mais se aprofunda,
mais os impactos são estruturais. Não podemos continuar a viver neste planeta
com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir
as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a
última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar
a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto
(PIB).
Essa seria a principal lição desta
crise?
Acho que sim. Estamos como que acordando de uma farra
tecnológica financeira. Temos 4 bilhões pessoas que estão fora do sistema e
sabem disso. Não é à toa que em toda América Latina estão se elegendo governos
vinculados às propostas sociais e de distribuição de renda. Mas, ao mesmo tempo,
esse novo sistema tem que ser economicamente viável. Não acho que é uma
estatização que vai ajudar, mas articulações entre empresas, sociedade civil e
Estado, de maneira muito equilibrada. Os últimos 30 anos foram dominados por
grandes corporações. Além disso, o PIB não constitui um instrumento adequado de
contabilidade.
Por quê?
O PIB é um cálculo
incorreto e não constitui uma bússola adequada. Você tem que colocar como
objetivo não o aumento do PIB ou o lucro dos bancos, mas a qualidade de vida da
população. O comportamento econômico não pode ser levado em conta sem interesses
da população e a sustentabilidade ambiental. Como dizer que a economia vai bem
se o povo vai mal? Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Justamente
porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se elas são
nocivas para o meio ambiente. As limitações do PIB aparecem através de vários
exemplos. Tanto assim que, quando você exporta petróleo, você diz que aumentou o
PIB. Na verdade, o país está reduzindo seu capital. A expressão “produtores de
petróleo” é interessante, já que nunca ninguém conseguiu produzir petróleo. Este
é um estoque de bens naturais. Sua extração é positiva, mas temos que lembrar
que estamos reduzindo cada vez mais o estoque de bens naturais que iremos
entregar aos nossos filhos.
Atualmente, São Paulo anda em primeira e
segunda. Isso provoca gastos com o carro, gasolina, seguro, doenças
respiratórias e o tempo perdido. Se você observar atentamente, os quatro
primeiros itens aumentam o PIB. O último, contudo, não é contabilizado. Ou seja,
aumenta o PIB, mas reduz-se a mobilidade. Na metodologia atual, a poluição
aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o
vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno. Desta forma, quem
joga lixo nos rios contribui para a produtividade do País, pois o Estado é
obrigado a contratar empresas para fazer o desassoreamento da
calha.
Há alternativas?
Sem dúvida. O PIB merece
ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A
economia é apenas um meio. O nosso avanço para uma vida melhor é que deve ser
medido.
Fonte:IHU On-Line/Revista Desafios
(Envolverde/Mercado Ético)