São Luís, 26/01/2009 – O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da silva, "traiu" as rádios comunitárias, acusou o titular da Rádio Conquista, Magno Cruz, ao falar em uma mesa-redonda do Laboratório Internacional de Meios de Comunicação Livres, realizada em São Luís, no Maranhão. A luta destas rádios alternativas, chamadas originalmente de "piratas" por transmitirem sem autorização, foi um dos temas do encontro desenvolvido entre quinta-feira e sábado cujo objetivo era lançar um processo de articulação, incentivo e capacitação dos chamados "meios de comunicação livres".
Blogs, vídeos, grafitagem, teatro e outras formas de expressão, além do rádio, foram alvo de discussão nas dezenas de painéis que reuniram ativistas de várias partes do Brasil, especialmente do Maranhão, onde a família do ex-presidente José Sarney (1985-1990) domina os meios de comunicação praticamente como um monopólio.
Cruz se mostrou descontente com Lula por deixar o Ministério
das Comunicações nas mãos de "gente que está contra nós, apesar de o apoiarmos
na campanha eleitoral de 2002", quando o ex-metalúrgico chegou pela primeira vez
à Presidência do Brasil. Invasões de policiais armados com metralhadoras,
confisco de equipamentos, ameaças de tiroteios e detenções interromperam as
transmissões da Rádio Conquista várias vezes desde 2004, denunciou. Esta rádio
comunitária criada em 2001 em Coroadinho, um bairro pobre de São Luís onde
impera a violência, foi reativada após cada fechamento, mas à custa de esforços
e com apoio da população para comprar novas equipamentos.
"Não pensávamos
que o governo Lula fecharia a rádio", apesar dos alertas de amigos, disse Cruz.
Trata-se de uma "truculência imoral e espantosa", quando se sabe que muitas
outras rádios que se dizem comunitárias são concedidas a prefeitos,
parlamentares e outros políticos, e nunca são fechadas, denunciou. A Rádio
Conquista emprega mais de 60 jovens pobres do bairro, evitando que caiam no
tráfico de drogas e na criminalidade. Sempre que funciona "se reduz a violência"
nos bairros onde sua transmissão chega, disse Cruz, que foi condenado a um ano
de prisão por presidir a associação que mantém a emissora.
A condenação
foi convertida em prestação de serviços em uma comunidade pobre, onde Cruz dá
aula de matemática, mas também de rádio comunitária, fazendo o "feitiço virar
contra o feiticeiro", afirmou. A história da Rádio Conquista é semelhante à de
numerosas emissoras comunitárias do Brasil, que subsistem apesar da forte
pressão dos órgãos de comunicação do Ministério das Comunicações. Foram fechadas
13 em São Luís em dezembro de 2004 e apenas a Conquista sobreviveu, lamentou
Cruz, afirmando que sua rádio "continuará no ar".
A luta por regras mais
adequadas e por manter rádios comunitárias no ar faz parte do movimento
"midialivre" que começou em um fórum nacional realizado em junho de 2008 na
Universidade Federal do Rio de Janeiro e que agora teve seu laboratório em São
Luís. Hoje e amanhã acontecerá em Belém, no Pará, o fórum Internacional de Meios
de Comunicação Livres, antecedendo o Fórum Social Mundial que começará amanhã e
irá até domingo.
Em Belém, o Ministério da Cultura vai anunciar um
programa que concederá prêmios a iniciativas que desenvolverem uma comunicação
alternativa, prestando serviços relevantes à população nessa área. O prêmio, que
será para 40 projetos locais ou regionais e 10 de projeção nacional, será de R$
50 mil e R$ 120 mil, anunciou Taciana Portela, representante do ministério no
nordeste do País.
Políticas para democratizar as comunicações também
foram temas no Laboratório. O peruano Azril Bacal, doutor em sociologia da
comunicação e membro do Grupo de Trabalho de Comunicação do Fórum Social
Mundial, criticou a fusão entre os interesses do capital e da mídia na atual
globalização neoliberal. Antonio Martins, editor do Le Monde Diplomatique
Brasil, um dos criadores do laboratório, defendeu para a comunicação
"horizontal" e livre os mesmos incentivos oferecidos pelo Estado às grandes
empresas, com isenções de impostos, recursos da publicidade pública e concessões
de canais de televisão e rádio.
Levar adiante meios de expressão não pode
continuar sendo um privilegio de poucos empresários com muito dinheiro, em um
momento em que o contexto tecnológico e as mudanças sociais favorecem novas e
variadas formas de comunicação, destacou Ivana Bentes, diretora da Escola de
Comunicação de Universidade Federal do Rio de Janeiro e promotora do Fórum de
Meios de Comunicação Livres. Experiências comunitárias, como a TV Roc, da
Rocinha, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro; as Casas Brasil, um programa
experimental do governo que criou 76 telecentros acompanhados de teatro,
multimídia e outras atividades, foram apresentados no encontro que teve 450
inscrições, principalmente de estudantes.
O laboratório "estimulou à
várias linguagens" de expressão, em um Estado onde o monopólio dos meios de
comunicação e dos recursos publicitários públicos restringe o acesso à
comunicação, disse à IPS o chefe do Departamento de Comunicação da Universidade
Federal do Maranhão, Francisco Gonçalvez, um dos organizadores do encontro. Os
participantes do painel sobre blogs decidiram criar um para o diálogo e a
colaboração mútua. "Foi importante para a melhor estética do meu blog", disse
Marcos Cartagenes, blogueiro de São Luís há três anos. "Teria sido melhor se
contássemos com um laboratório de informática", disse Juliane Oliveira,
estudante de jornalismo de Santarém, interior do Pará.
Outros jovens
montaram uma emissora de rádio durante o encontro e a puseram em operação no
sábado, chamando-a de "Na Marra". "Aprendi muito com essa experiência e poderei
ensinar meus colegas", disse Douglas Ferreira, da "Baixada Maranhense", uma
região pobre do Estado. Sua vizinha Lozángela dos Santos, que faz
vídeos-documentários, "esperava mais" em aprendizagem na sua área, que também
inclui telecentros, mas o laboratório representou "mais conhecimento sobre
comunicação, domínio da mídia pelo capital e as alternativas", afirmou.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)