Limitando-nos aos subúrbios indigentes dos principais
conglomerados urbanos da África, América Latina e Ásia, estima-se que neles mais
de um bilhão de seres humanos "vivem" em condições de pobreza duradoura,
violência física, social e moral coletiva, exclusões de todo tipo e negação das
normas mínimas de existência dignas da qualidade humana.
Na realidade,
estes assentamentos refletem o crescimento disfuncional das cidades e são os
elementos fracos e mais vulneráveis de nossa atual civilização urbana. Enquanto
Londres pode gastar 1,2 bilhão de euros anuais para se proteger contra os riscos
das inundações, tempestades e outras catástrofes naturais, recentemente os
subúrbios de Rangun e Bogolav, na Birmânia, foram assolados por um ciclone que
deixou mais de 50 mil mortos. Seus habitantes eram, simplesmente,
pobres.
Voltando a atenção para os últimos 30 anos, a partir do momento
em que os países do Norte impuseram as Políticas de Ajuste Estrutural ao resto
do mundo, não há dúvida alguma de que nem as classes governantes do Norte nem as
do Sul (submetidas às primeiras) têm alguma intenção de adotar medidas
necessárias para promover o desaparecimento dos subúrbios indigentes e
transformá-los em lugares civilizados para seres humanos. O cenário mais
provável para os próximos 30 anos é o crescimento "inevitável" dos milhares de
milhões que integram a enorme população dos subúrbios indigentes do
mundo.
Isso significa que o maior desafio político para os próximos 30
anos é o da erradicação total da pobreza do planeta; ou mais exatamente, a
supressão daquelas situações e daqueles processos que levaram ao crescente
empobrecimento maciço das populações mundiais. Significa, ainda, que a solução
para esse desafio implica uma redefinição completa e radical do futuro das
cidades, para devolver as cidades aos cidadãos.
Como? Através de uma
política que altere as prioridades quanto a investimento e uso dos recursos
locais e globais disponíveis para a geração de riqueza coletiva nos subúrbios
indigentes, isto é, para a produção de bens comuns: água, educação, moradia,
agricultura para as necessidades locais, energias renováveis, economia de
energia, etc. isso exigirá uma batalha nova/adicional em favor da reestruturação
global do atual sistema financeiro, que é absolutamente verossímil e
urgente.
Por onde começamos? Pelos bens comuns e concretamente por uma
estratégia mundial de "água para os subúrbios indigentes" centrada em uma oferta
de água potável em pequenos distritos de cooperativas de habitação, dotadas de
oportunos serviços de higiene. Os projetos concretos poderiam ser chamados
"Fontes para viver juntos". O financiamento deveria ter como procedência novos
sistemas locais/ regionais para arrecadar impostos locais sobre a poupança e a
renda, reforçados por uma redução de 10% nos gastos militares, dentro do
contexto de uma política de desarmamento gradual e geral. Evidentemente, este
último é algo difícil de ser conseguido no curto prazo. Porém, não significa que
não seja urgente continuar trabalhando nesse sentido.
Quem deveria dar o
primeiro passo? Os ativistas dos distintos Nortes e Suis do mundo. É preciso
insuflar vida nova à luta, em nível continental e global, por parte das
comunidades locais em favor de um mundo diferente, com especial atenção à água,
comida, saúde e moradia, tendo em conta que existe uma grande diferença entre os
finais da década de 90 e os primeiros anos deste século: as pessoas têm
atualmente muito maior consciência dos problemas da vida neste planeta do que há
alguns anos, inclusive a população "rica" do mundo. A grande onda de revolução
oligárquica conservadora que arrasou todos os continentes ao longo dos últimos
30 anos ainda não terminou, mas o dano também está tendo um efeito adverso sobre
as vidas dos que detêm o poder.
Isso não significa que as classes
governantes farão mudanças profundas no sistema. Tentarão por em prática
soluções moderadas, paliativas (pensemos, por exemplo, no crescimento do
neocapitalismo verde e nas fórmulas que a União Européia está propondo para
combater o aquecimento global) ou soluções que são piores do que o problema (por
exemplo, tolerância zero em relação aos imigrantes "ilegais" e a luta contra os
"pobres" e não contra a pobreza). Creio, entretanto, que não serão capazes de
prosseguir, que fracassarão em sua tentativa de bloquear a luta pela vida.
(IPS/Envolverde)
* Ricardo Petrella, fundador do Comitê
Internacional para o Contrato Mundial da Água e professor emérito da Faculdade
Católica de Lovaina.
(Envolverde/IPS)
- Por Riccardo Petrella*