Não se deve combater os pobres, mas a pobreza

Lovaina, junho/2008 – A ingente (e justificada) aparição de problemas relacionados com as mudanças climáticas, sobretudo o aquecimento global, na vida cotidiana dos habitantes do planeta atrai a atenção da opinião pública para termos que são de enorme importância para o presente e o futuro da humanidade. Trata-se de questões herdadas, ligadas diretamente aos requisitos prévios fundamentais da vida: água, energia, solo, ar. Sem eles não há vida. Com esses antecedentes, não é nenhuma surpresa que voltem a ser feitas inquietantes perguntas sobre o futuro das cidades, especialmente a respeito do futuro dos que vivem nos subúrbios indigentes do mundo, chamem favelas, vilas miséria ou chabolas. Basta ver o último Informe sobre Desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento sobre as mudanças climáticas. Há um número preocupante que ronda a cabeça das pessoas: em menos de 20 anos, 2,4 bilhões de seres humanos viverão em subúrbios indigentes, lugares onde os ocidentais ricos não colocariam para viver nem seus gatos.

Limitando-nos aos subúrbios indigentes dos principais conglomerados urbanos da África, América Latina e Ásia, estima-se que neles mais de um bilhão de seres humanos "vivem" em condições de pobreza duradoura, violência física, social e moral coletiva, exclusões de todo tipo e negação das normas mínimas de existência dignas da qualidade humana.

Na realidade, estes assentamentos refletem o crescimento disfuncional das cidades e são os elementos fracos e mais vulneráveis de nossa atual civilização urbana. Enquanto Londres pode gastar 1,2 bilhão de euros anuais para se proteger contra os riscos das inundações, tempestades e outras catástrofes naturais, recentemente os subúrbios de Rangun e Bogolav, na Birmânia, foram assolados por um ciclone que deixou mais de 50 mil mortos. Seus habitantes eram, simplesmente, pobres.

Voltando a atenção para os últimos 30 anos, a partir do momento em que os países do Norte impuseram as Políticas de Ajuste Estrutural ao resto do mundo, não há dúvida alguma de que nem as classes governantes do Norte nem as do Sul (submetidas às primeiras) têm alguma intenção de adotar medidas necessárias para promover o desaparecimento dos subúrbios indigentes e transformá-los em lugares civilizados para seres humanos. O cenário mais provável para os próximos 30 anos é o crescimento "inevitável" dos milhares de milhões que integram a enorme população dos subúrbios indigentes do mundo.

Isso significa que o maior desafio político para os próximos 30 anos é o da erradicação total da pobreza do planeta; ou mais exatamente, a supressão daquelas situações e daqueles processos que levaram ao crescente empobrecimento maciço das populações mundiais. Significa, ainda, que a solução para esse desafio implica uma redefinição completa e radical do futuro das cidades, para devolver as cidades aos cidadãos.

Como? Através de uma política que altere as prioridades quanto a investimento e uso dos recursos locais e globais disponíveis para a geração de riqueza coletiva nos subúrbios indigentes, isto é, para a produção de bens comuns: água, educação, moradia, agricultura para as necessidades locais, energias renováveis, economia de energia, etc. isso exigirá uma batalha nova/adicional em favor da reestruturação global do atual sistema financeiro, que é absolutamente verossímil e urgente.

Por onde começamos? Pelos bens comuns e concretamente por uma estratégia mundial de "água para os subúrbios indigentes" centrada em uma oferta de água potável em pequenos distritos de cooperativas de habitação, dotadas de oportunos serviços de higiene. Os projetos concretos poderiam ser chamados "Fontes para viver juntos". O financiamento deveria ter como procedência novos sistemas locais/ regionais para arrecadar impostos locais sobre a poupança e a renda, reforçados por uma redução de 10% nos gastos militares, dentro do contexto de uma política de desarmamento gradual e geral. Evidentemente, este último é algo difícil de ser conseguido no curto prazo. Porém, não significa que não seja urgente continuar trabalhando nesse sentido.

Quem deveria dar o primeiro passo? Os ativistas dos distintos Nortes e Suis do mundo. É preciso insuflar vida nova à luta, em nível continental e global, por parte das comunidades locais em favor de um mundo diferente, com especial atenção à água, comida, saúde e moradia, tendo em conta que existe uma grande diferença entre os finais da década de 90 e os primeiros anos deste século: as pessoas têm atualmente muito maior consciência dos problemas da vida neste planeta do que há alguns anos, inclusive a população "rica" do mundo. A grande onda de revolução oligárquica conservadora que arrasou todos os continentes ao longo dos últimos 30 anos ainda não terminou, mas o dano também está tendo um efeito adverso sobre as vidas dos que detêm o poder.

Isso não significa que as classes governantes farão mudanças profundas no sistema. Tentarão por em prática soluções moderadas, paliativas (pensemos, por exemplo, no crescimento do neocapitalismo verde e nas fórmulas que a União Européia está propondo para combater o aquecimento global) ou soluções que são piores do que o problema (por exemplo, tolerância zero em relação aos imigrantes "ilegais" e a luta contra os "pobres" e não contra a pobreza). Creio, entretanto, que não serão capazes de prosseguir, que fracassarão em sua tentativa de bloquear a luta pela vida. (IPS/Envolverde)


* Ricardo Petrella, fundador do Comitê Internacional para o Contrato Mundial da Água e professor emérito da Faculdade Católica de Lovaina.

(Envolverde/IPS)

publicidade
publicidade
Crochelandia

Blogs dos Colunistas

-
Ana
Kaye
Rio de Janeiro
-
Andrei
Bastos
Rio de Janeiro - RJ
-
Carolina
Faria
São Paulo - SP
-
Celso
Lungaretti
São Paulo - SP
-
Cristiane
Visentin

Nova Iorque - USA
-
Daniele
Rodrigues

Macaé - RJ
-
Denise
Dalmacchio
Vila Velha - ES
-
Doroty
Dimolitsas
Sena Madureira - AC
-
Eduardo
Ritter

Porto Alegre - RS
.
Elisio
Peixoto

São Caetano do Sul - SP
.
Francisco
Castro

Barueri - SP
.
Jaqueline
Serávia

Rio das Ostras - RJ
.
Jorge
Hori
São Paulo - SP
.
Jorge
Hessen
Brasília - DF
.
José
Milbs
Macaé - RJ
.
Lourdes
Limeira

João Pessoa - PB
.
Luiz Zatar
Tabajara

Niterói - RJ
.
Marcelo
Sguassabia

Campinas - SP
.
Marta
Peres

Minas Gerais
.
Miriam
Zelikowski

São Paulo - SP
.
Monica
Braga

Macaé - RJ
roney
Roney
Moraes

Cachoeiro - ES
roney
Sandra
Almeida

Cacoal - RO
roney
Soninha
Porto

Cruz Alta - RS