Rio de Janeiro, 28/04/2004 – As velhas leis de mercado já não funcionam. Os preços dos alimentos sobem há seis anos devido à demanda em auge, sem que o aumento da produção restabeleça o equilíbrio, como ocorri ano passado. Pelo contrário, a tendência à alta se acentuou a partir de 2007. A chamada "finaceirização" do mercado agrícola, isto é a invasão do setor por fundos de investimento em busca de ativos mais seguros e lucrativos, intensificou a tendência e "neste momento influi mais do que a lei de oferta e procura", disse o analista Fernando Muraro Júnior, da consultoria AgRural. Não há como medir o peso da especulação na "agflação" (neologismo para indicar a inflação provocada pelo setor agrícola), admitiu.
Porém, seu papel é
inegável se considerarmos que os fundos de commodities (produtos básicos)
dominam 40% dos contratos na Bolsa de Valores de Chicago, uma proporção sem
precedentes, e a compra de soja nesse âmbito passou de 10 milhões de toneladas
em março de 2007 para 21 milhões em março último, destacou Muraro Júnior à IPS.
Há um excesso de dólares no mundo e seus donos transferem suas aplicações nos
mercados e produtos onde vêem boas perspectivas de lucro com preços em alta
sustentada, explicou.
O representante para a América Latina e o Caribe da
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), José
Graziano da Silva, concordou com Muraro Júnior em feitas às vésperas da
conferência regional dessa agencia da ONU. O encarecimento dos alimentos, que
agrava a fome no mundo, é resultado de "um ataque especulativo", afirmou. A alta
dos preços de 2002 até 2006 se deveu ao maior consumo de alimentos em países em
desenvolvimento e a paralelas perdas de colheitas, mas, a partir do ano passado
a especulação financeira responde em maior parte por este aumento, segundo
Graziano.
Por outro lado, para Sérgio Vale, consultor da MB Associados,
"não é verdade que haja uma bolha financeira no mercado de commodities
agrícolas. A alta de preços tem "base concreta" no sustentado crescimento da
demanda de China, Índia e outros países da Ásia bem como da América Latina,
disse à IPS. É uma tendência "estrutural, que vem de longe, provocada por um
consumo maior devido ao aumento da renda de numerosas populações pobres, pela
redução da oferta em razão de problemas climáticos e porque muitos cultivos são
destinados à produção bioenergética, como o milho e a soja,
acrescentou.
As aplicações financeiras imprimem "maio volatilidade" ao
processo, tornando mais rápidas as altas e quedas de preços, mas "não são o
fator decisivo do aumento", disse Vale. O especialista mencionou como exemplo a
queda momentânea das cotações de produtos básicos em meados de março pela fuga
de fundos de investimento devido à crise bancaria nos Estados Unidos, sem que
isso afetasse a tendência altista do ano. Atribuir o aumento dos valores dos
alimentos a especulações "é bobagem, não corresponde à realidade", pois
apresenta "fundamentos claros que sustentam os preços elevados", concordou
Ricardo Cota, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA), associação dos grandes produtores.
Além da demanda em
expansão, Cota acrescentou o petróleo caro, os biocombustíveis e os preços de
insumos também em alta como fundamentos dos "novos níveis de preços agrícolas
com os quais devemos nos acostumar", por dificuldades em ampliar a oferta. O
Brasil é uma exceção ao dispor de muitas terras para expandir sua agricultura,
mas, sua precária infra-estrutura logística, especialmente os portos de
capacidade limitada, impede um rápido incremento da produção e da exportação,
explicou.
Outras limitações são o encarecimento dos fertilizantes, que
acompanha o preço dos hidrocarbonos, e a burocracia estatal. Também as pressões
"ideológicas" que travam avanços na biotecnologia tendentes a aumentar a
produtividade com sementes geneticamente modificadas, acrescentou Cota. O custo
dos fertilizantes duplicou desde o começo de 2007 e pode subir mais esta ano,
mas, mesmo assim os preços altos dos grãos, especialmente soja e milho, que
respondem por 70% do total produzido no Brasil, ainda garantem bons lucros aos
agricultores, disse Muraro Júnior.
Em sua opinião, a "finaceirização"
acentuou a elevação dos preços agrícolas a "níveis nunca vistos", beneficiando,
dessa forma, o agricultor, mas, também, o preocupando pela dificuldade em fixar
preços para seus produtos. "A formação de preços já não é feita com oferta,
demanda e clima", pois foi alterada pela forte presença dos fundos de
investimento, afirmou Muraro Júnior. O análise do mercado ficou mais complexa.
Exige "ferramentas mais técnicas, profissionais e modernas" para avaliar fatores
macoreconomicos, como taxas de câmbio, juros e fluxos financeiros, disse o
analista. As restrições ambientais são os principais obstáculos a um rápido
aumento da produção para reequilibrar a oferta à demanda mundial,
ressaltou.
Flávio Turra, gerente técnico da Organização das Cooperativas
do Estado do Paraná (OCepar), atribui um "peso relativamente pequeno" à
especulação financeira nos preços, embora "quem acompanha o mercado tenha a
obrigação de sempre avaliar a participação dos fundos de investimentos". Esse
capital "andorinha" pode acelerar tendências, mas a alta se deve basicamente à
"escassez de existências", ao desequilíbrio gerado pelo forte aumento do consumo
em países como China e ultimamente Índia, acrescentou. Essa aceleração da alta
de preços também ocorre nestes dias porque alguns países, para controlar sua
inflação e garantir o abastecimento interno, vedam ou gravam exportações, como
ocorre na Argentina com o trigo, ressaltou.
O Brasil também acaba de
suspender exportações de arroz, medida já adotada por vários países asiáticos. O
Brasil suspendeu exportações desse grão que está em mãos do governo (cerca de
1,5 milhão de toneladas) sem impor restrições ao setor privado que poderá
exportar, mas em uma quantidade que pouco minimizaria a escassez mundial. A
recuperação das existências pode demorar cinco ou seis anos, mesmo contando com
preços muito superiores às medias históricas, concluiu.
Uma exceção à
tendência altista é o açúcar, cujos excedentes garante preços em baixa. Nesse
caso, o aumento da produção de etanol no Brasil não encareceu o alimento, embora
disputem a mesma matéria-prima, a cana-de-açúcar, contrariando a onde de
acusações aos biocombustíveis com estopim da crise alimentar.
IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)