As tentativas de pequenos agricultores mexicanos, de colocar sem intermediários seus produtos em supermercados, fracassaram devido às duras regras do jogo dessas empresas, afirmam camponeses.
MÉXICO, 28 de abril (Terramérica).- Um cafeicultor mexicano recebe cerca de US$ 3 por quilo de café não processado, e o consumidor paga por ele US$ 11. A diferença é determinada, em boa parte, pelo crescente poder de um punhado de supermercados. As lojas de auto-serviço, como são conhecidos no México, concentram 52% das vendas de alimentos e produtos perecíveis do país, embora na capital essa proporção seja superior a 70%. Estes centros comerciais ocuparam o lugar de velhos mercados e também das lojas de bairro que, segundo a Procuradoria Federal do Consumidor, podem desaparecer em dez anos.
O pequeno camponês enfrenta
o "poder voraz e quase absoluto" dos supermercados e dos intermediários, disse
ao Terramérica Pedro Cervantes, coordenador da Agromercados, empresa de comércio
que tem como sócios os produtores de café de escassos recursos. "Não é fácil
atender os requisitos de abastecimento impostos pelos supermercados e por sua
política de pagar ao fornecedor somente três meses depois de entregue o produto,
o que a maioria dos camponeses não pode esperar", explicou Cervantes. Muitos
cafeicultores preferem, então, entregar seu produto ao intermediário e receber
um pagamento baixo, mas imediato, acrescentou. "Há ocasiões em que o café ou
qualquer outro produto passa por sete ou oito mãos antes de chegar ao
supermercado na forma e freqüência exigida", disse.
A multinacional
norte-americana Wal-Mart e as nacionais Soriana e Comercial Mexicana possuem
cerca de 1.800 supermercados em todo o país, dos quais 1.033 pertencem à
primeira. Em conjunto, essas empresas venderam, em 2007, cerca de US$ 27,744
bilhões. Seus fornecedores originais estão nos campos, onde vivem e trabalham
5,6 milhões de agricultores e se concentra 75% da pobreza do país. O poder
crescente dos supermercados não é um fenômeno mexicano. Visível desde os anos
90, está presente em toda a América Latina e no Caribe, diz a Avaliação
Internacional do Conhecimento, da Ciência e da Tecnologia no Desenvolvimento
Agrícola (IAASTD), publicada no dia 15 deste mês.
As redes de
supermercados concentram entre 50% e 60% de todas as vendas de alimentos na
região. "É um aumento extraordinário, tendo em conta que há apenas dez anos
controlavam de 10% a 20%", diz o estudo, feito por aproximadamente 400
cientistas de todo o mundo. A expansão dos supermercados acontece "a passos de
gigante" nas cidades e até nas zonas rurais, afirma a pesquisa. Segundo a
IAASTD, a consolidação dos supermercados aumentou a diferença entre os preços
dos alimentos pagos ao produtor e o cobrado dos consumidores.
Isto tem
impacto em toda a sociedade, gerando deslocamento de pequenos produtores, perda
de emprego e até modificações nos padrões culturais de camponeses e
consumidores, diz o estudo, patrocinado pelo Banco Mundial e por cinco agências
das Nações Unidas. A Confederação Camponesa do México assinou, em 2005 e 2006,
acordos com os supermercados para que seus três milhões de filiados vendessem
diretamente seus produtos a essas firmas, evitando intermediários e perdas.
Porém, os acordos fracassaram, informaram em janeiro porta-vozes dessa
organização, pois os camponeses não podem cumprir as exigências de volume e
periodicidade de entregas impostas pelas redes. Além disso, os pagamentos são
feitos com muito atraso, em certas ocasiões até oito meses após a venda,
queixaram-se.
A maioria dos agricultores prefere se relacionar com
intermediários, que conseguem grandes volumes de produtos na central de leilões
localizada em uma região periférica da capital. Ali, ao maior mercado da América
Latina (304 hectares com quase 1.489 estabelecimentos comerciais e 1.881
armazéns) vão diariamente funcionários dos supermercados para adquirir seus
produtos. Um pequeno agricultor não pode suportar sozinho as condições de um
supermercado, com entrega de grandes volumes, abastecimento periódico,
empacotado e com pagamento adiado, disse ao Terramérica Rita Schwentesius, do
Centro de Pesquisas Econômicas, Sociais e Tecnológicas da Agroindústria e
Agricultura Mundial da estatal Universidade Autônoma de Chapingo.
Os
supermercados preferem comprar nos centros de leilão da capital e de outras
cidades, embora também recebam produtos em seus próprios armazéns, desde que as
entregas atendam às condições e aos volumes que exigem, disse Schwentesius. Para
evitar o intermediário, o governo e algumas autoridades locais incentivam e
financiam a integração dos agricultores. Porém, essas iniciativas funcionam para
poucos, disseram Schwentesius e Cervantes. "A maioria não pode enfrentar as
exigências dos supermercados", disse o coordenador da Agromercados, que
conseguiu estabelecer cadeias produtivas entre seus sócios e oferecer nos
supermercados café empacotado em grão e solúvel.
No caso dos produtos
acabados, a maioria dos supermercados exige sua colocação nas gôndolas pelo
próprio produtor, que também pode promovê-los nos corredores. Se em três meses a
venda for baixa, segundo os parâmetros definidos pelo supermercado, o produto é
devolvido e muito dificilmente voltará a ter um lugar nas prateleiras, disseram
ao Terramérica executivos de várias lojas. A exigência de que os fornecedores
coloquem seus produtos nas gôndolas, bem como o emprego de crianças ou idosos
para empacotar as compras dos clientes em troca de gorjeta, são práticas
voltadas a reduzir custos.
A IAASTD recorda que um dos argumentos para
justificar a presença dos supermercados é que o consumidor se beneficia com
melhores produtos e preços. Porém, o estudo observa que a posição dominante dos
supermercados reduz a possibilidade de competição e diminui esses supostos
benefícios. Contudo , no México, a situação pode ser diferente. Até o final da
década de 80, quando este país começou a aplicar agressivas políticas de
abertura comercial, o giro dos supermercados esteve dominado por umas poucas
empresas nacionais associadas, sem competição aberta entre elas, afirmam vários
estudos.
A Wal-Mart entrou de cheio no mercado mexicano em 1991
convidando os consumidores a comparar quem oferecia preços mais baixos e
melhores serviços. Essa estratégia golpeou a competição nacional e deu lugar a
choques com a multinacional que, em 2002, derivaram em sua expulsão da
Associação Nacional de Lojas de Auto-Serviço e de Departamentos. Segundo alguns
observadores, a presença da Wal-Mart, que hoje domina o mercado mexicano,
obrigou seus competidores a baixarem preços e melhorar serviços. A IAASTD sugere
enfrentar o amplo poder dos supermercados, realizar trabalhos de vigilância e
analisar suas estratégias de auto-regulamentação, exortando os consumidores a
incentivarem um comércio mais justo.
*O autor é correspondente da
IPS.
(Envolverde/IPS)