A violência é atraente aos jovens em condições de vida sentidas como humilhantes, principalmente como meio de adquirir respeito e admiração – e não pelo retorno financeiro que as atividades ilegais podem trazer. Esta foi a relação da violência – como comportamento e como valor – com as más condições de vida nos bairros pobres da periferia de São Paulo revelada numa pesquisa realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP.
Durante dez anos de convivência com a população de um bairro de baixa
renda da periferia, em seu trabalho como psicóloga, Thaïs Cardinale
Branco pôde notar a valorização de símbolos ligados à violência entre
os jovens da comunidade. Decidiu empreender então uma pesquisa
acadêmica para conhecer as representações sobre violência, verificando
se elas são afetadas pelas condições de vida local, e de que forma
acontece essa influência.
Para tanto, a pesquisadora entrevistou dois grupos: primeiramente
conversou com habitantes da comunidade e educadores, colhendo
informações e opiniões sobre a região, sua história, sua inserção na
sociedade e as condições de vida que esta oferece – traduzidas por
estilos de vida presentes no bairro – buscando saber principalmente a
percepção deles sobre os fatores que contribuem para a adoção de
estilos legais ou ilegais. Boa parte destes entrevistados revelou
entender as ações violentas como uma saída para situações de vida
destes jovens, possibilitando admiração dos demais, além de, em alguns
casos, serem financeiramente gratificantes.
Em seguida, a psicóloga entrevistou jovens e adolescentes da
comunidade, buscando especialmente aqueles que mudaram sua escolha de
estilo de vida (de atividades legais para ilegais e vice-versa), pois
“tais mudanças revelam transformações de valores, permitindo reflexões
mais aprofundadas sobre o que leva a uma ou a outra opção”, como
explica.
As entrevistas não seguiam um roteiro prévio, e chegavam a durar duas
horas, resultando num trabalho eminentemente qualitativo. Para que os
diálogos se viabilizassem, tanto na primeira como na segunda pesquisa,
era preciso que os entrevistados confiassem na pesquisadora e, nesse
aspecto, seu convívio por uma década com aquela comunidade foi
fundamental.
Inferiorizados
Entre os fatores associados pelos jovens pesquisados à valorização da
violência, os principais foram: defesa da honra (resposta a humilhações
ou mesmo a pequenas situações sentidas como ofensivas); identidade
masculina (sendo que grande parte deles foi criada sem a figura
paterna, em situação de abandono); obter respeito e admiração alheios;
fidelidade (defesa do grupo a que pertence); demonstrar competência de
agressão (“eu sou mais forte e sei lutar”); proteção de entes queridos;
e ocultamento ou compensação de déficits sentidos como vergonhosos.
Sobre o último fator, Thaïs explica que “as condições materiais e a
baixa escolaridade (analfabetismo, inclusive) produzem críticas
injustas aos habitantes da periferia, que acabam sendo ligados a
estigmas sociais (‘morador de favela’), o que faz com que se sintam
inferiorizados”.
Assim, tais valores em conjunto justificariam e validariam o recurso à
violência na visão de parte destes jovens. A pesquisadora também pôde
observar que o convívio com o mundo violento (brigas, tiroteios,
cadáveres expostos) muitas vezes dessensibiliza-os para o afeto,
repercutindo na formação de seus valores.
O comportamento e “máscara” agressivos também estão associados a uma
forma de defesa. Mesmo que a pessoa não pratique de fato a violência,
recorre à postura e a expressões agressivas, roupas escuras e imagens
ameaçadoras – como os adesivos de pitbulls com dentes à mostra, que a
pesquisadora relata serem muito comuns no local à época.
Por outro lado, mesmo nestas condições desfavoráveis, “é bem mais
provável que jovens que valorizam coisas que servem como barreiras à
violência, como ética, moral e respeito ao outro não pratiquem a
violência e sejam contrários ao seu uso”, completa a psicóloga.
Crédito de imagen: Agência USP (cedidas pela pesquisadora)
(Envolverde/Agência USP)