Economia solidária contra o desemprego

Rio de janeiro, 15/01/2008 – A Companhia Agrícola Harmonia se converteu na maior empresa solidária de autogestão no Brasil. Oferece emprego a 4.300 famílias que exploram 26 mil hectares, tendo como centro a produção açucareira em 48 usinas. Quando a empresa entrou em crise, em 1993, a reação inicial foi a usual: defender as indenizações e outros direitos dos 2.300 trabalhadoras demitidos. Dois anos depois, os sindicatos optaram por outro caminho.

 


O objetivo foi recuperar os empregos perdidos e manter os demais em uma atividade vital para a economia de Catende, no interior de Pernambuco. Pediram a falência dos proprietários e assumiram sua gestão, sob controle judicial, para recuperar a produção de açúcar e diversificar a atividade agrícola e industrial. A área de canaviais e uma diversificada agricultura familiar se estendem a cinco municípios.

Produzir açúcar nesta região "custa um pouco mais do que em São Paulo", Estado que concentra mais da metade da produção nacional, mas "nosso modelo torna viável o projeto", disse à IPS Lenivaldo Lima, assessor técnico da Catende-harmonia. O comentário de Lima se refere ao modelo de economia solidária, cooperativo e de autogestão, com boa parte dos trabalhadores da cana e das usinas também dedicados ao cultivo de mandioca, frutas, milho, batatas e, inclusive, á pecuária, "em um regime familiar articulado com cooperativas".

A topografia local não permite a colheita mecanizada como em São Paulo, mas garante um número maior de empregos, "cumprindo o objetivo de inclusão social" e de melhor distribuição da renda, que fica nos municípios e dinamiza a economia, destacou Lima. Catende-Harmonia representa um excelente exemplo de empresas privadas quebradas e recuperadas por seus trabalhadores, que já somam cerca de 200 no Brasil, segundo Fábio Sanches, secretário-adjunto de Economia Solidária do Ministério do Trabalho.

Este setor compreende aproximadamente 22 mil empreendimentos de economia solidária (EES), que dão trabalho a quase dois milhões de pessoas, segundo dados oficiais. É pouco em um pais com mais de 188 milhões de habitantes, metade deles em idade economicamente ativa, mas se trata de algo novo e em rápida expansão, disse Sanches á IPS. Os EES, núcleos de gestão coletiva em atividades produtivas, de serviços ou crédito popular, surgiram no Brasil nos anos 80, diante da "crise do trabalho assalariado, com grande aumento do desemprego e das ocupações precárias", acrescentou.

A pequena agricultura é a atividade fundamental. Mas, a pesca, o artesanato, a exploração florestal, a mineração, as pequenas indústrias, a reciclagem de lixo, o comércio e outros serviços, como as cooperativas de crédito, também têm seu espaço no setor. Incentivados por sindicatos e organizações não-governamentais, os EES receberam um forte impulso em 2003 com a criação da Secretaria de Economia Solidária e do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, em um processo favorecido pelo Fórum Social Mundial, que teve seus primeiros encontros (2001 e 2003) em Porto alegre.

A secretaria busca ampliar o acesso dos EES ao conhecimento, ao mercado e aos capitais. Ocupa-se da capacitação em gestão, de tecnologias apropriadas e assistência técnica, férias e regulamentação do comércio justo, facilidades para compra de equipamentos e outros meios necessários para desenvolver o trabalho. A principal conquista foi a "institucionalização de uma política pública para o setor", afirmou Sanches. A "utopia" dos ativistas é que a economia solidária tenha no futuro uma participação hegemônica na vida econômica e social, acrescentou.

Um dos principais objetivos é colocar "o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em lugar do acúmulo privado de riqueza", segundo o Fórum, criado por ONGs, universidades, gestores públicos e movimentos sociais. "É uma alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais", destacou Sanches. Para Lima, as iniciativas solidárias no Brasil começaram "pela luta contra o desemprego". Porém, elas "mudam a visão de mundo dos trabalhadores que antes apenas queriam um salário", e agora valorizam uma melhor qualidade de vida, com mais segurança e controle de seu destino, acrescentou.

Entretanto, trata-se de um setor limitado, que deve ser visto como uma alternativa entre muitas, com uma visão ampla de "inclusão produtiva' em um pais onde aproximadamente metade da população "está excluída" do sistema, disse á IPS o economista Ladislau Dowbor, professor da Universidade Católica de São Paulo, especialista em planejamento e gestão descentralizada. E esses excluídos "não são pessoas desinformadas", mas gente consciente da situação, "que exerce pressões", ressaltou.

O gigantesco desafio de incluir no processo de desenvolvimento quase cem milhões de pessoas exige considerar subsistemas que se articulam, como o terceiro setor (a sociedade civil organizada), as políticas de apoio ao desenvolvimento local, economias não monetárias e o voluntariado, disse Dowbor. O economista afirmou que devem ser adotados indicadores da riqueza que não se limitem ao cálculo do produto interno bruto (PIB), porque há atividades de resultados "espetaculares" e pouco valor monetário.

É o caso da Pastoral da Infância, que mobiliza mais de 300 mil assistentes no País e reduziu consideravelmente a mortalidade infantil, com custo de US$ 0,78 mensal por criança, ressaltou o especialista. Nos últimos anos, alem do aumento do PIB, a melhora na "qualidade do crescimento econômico brasileiro" se deveu á presença do microcrédito, ao aumento do salário mínimo que favoreceu dezenas de milhões de trabalhadores e aposentados, aos programas sociais maciços e á expansão do emprego formal, que dinamizou as economias locais, disse o professor da PUC. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/ IPS)

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