Do Keltico ao Galaico-português, a língua dos brasileiros

A Língua Portuguesa merecia melhor tratamento e maior glória do que a que lhe é conferida na atualidade. Diferente do Castelhano e do “Alemão”, que são línguas artificiais, o Português é uma língua histórica, de constituição orgânica que carrega em sua formação marcas “genéticas” de sua origem. A guisa de comparação, o Islandês tido como a mais conservadora dentre todas as línguas escandinavas e mesmo da família germânica não vai além de 1540. O Português tal como o conhecemos retrocede a 1175! 

O Francês antigo, bem como o Provençal antigo comparados com o Francês e o Provençal falados hoje são outras línguas. Isso não ocorre com o Português arcaico. Este representa uma fase envelhecida do idioma, sem contudo ser outro. 

Velho nalgumas formas, arcaico no emprego de muitas palavras, obsoleto na preferência de certas expressões (e disperso na pronúncia provavelmente), o Português dos primeiros tempos é sempre inteligível, porque a gramática é a mesma. 

A língua portuguesa, que melhor seria chamar Galaico-portuguesa, nasce no noroeste peninsular. Foi essa a língua falada na guerra de Reconquista contra os infiéis muçulmanos e fator de distinção entre galaicos e sarracenos, que somados aos seus respectivos credos, os vinculavam à sua nação. Os galaicos, de fé cristã e língua Galaica dos infiéis sarracenos, hereges e de língua árabe.

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Inscrição Lusitana talhada quando da transição da antiga Língua Celta para o Latim: “OILAM TREBOPALA/INDO PORCOM LAEBO COMAIA ICCONA LOIMINNA/OILAM USSEAM/TREBARUNE INDI TAVRON /FADEM REVE” 

Em 61 A.C. o Latim já era a língua corrente no sul da península. Estrabão, historiador e geógrafo grego radicado em Roma, observou que os turdetanos na Bética (atual Andaluzia), haviam esquecido sua língua materna (Céltica) e se expressavam em Latim. Nesse interregno, até o século V, ocorre o processo de transição da antiga língua céltica para o Latim, à medida que a romantização avança para o Norte. No século X, na Cordilheira Cantábrica, ainda se registram vestígios da antiga língua. 

O Latim se espraiou por toda a Península com a invasão romana e no século V com as invasões bárbaras (suevos, visigodos, alanos, vândalos) se intensificou a corrupção da língua. Com a invasão árabe no século VIII, a decadência do Latim se acentuou, o Latim reduziu-se a uns falares vernáculos e quase desapareceu das Espanhas, como havia de suceder no norte da África. ‘Aljamia’ chegou a chamar-se o linguajar latino e era como se dissesse o ‘bárbaro’, o estrangeiro em oposição à ‘Aravia’, a língua árabe. 

Mas, no fim do século XI (1097), criou-se o Condado Portucalense, logo depois elevado a reino por Afonso Henriques. Os sucessos estimularam as oposições religiosas e os portugueses não quiseram mais falar em árabe. Não podendo mais volver ao esquecido Latim, aceitaram a fala barbarizada da gente mais humilde. 

No que pese ser, indubitavelmente, uma língua latina com forte contribuição do Romance, o que a torna aparentada às demais línguas neolatinas. O Galaico-português manteve substratos de sua origem céltica. De modo que alguns filólogos a classificam como uma língua celto-latina. 

Dentre esses substratos estaria o uso do verbo ‘ser’ ao invés de ‘ter’ em frases possessivas, como em ‘a chave é minha’. A marcante presença de ditongos decrescentes. São exemplos e não só, dentre outros de características presentes nas línguas célticas. 

O Galaico-português desde então se conservará, quase que por um milagre, sem transformação. 

É esse o idioma que se traslada para o Brasil. No que pese haver à época o que se designou como Português quinhentista, que é um Português mais padronizado e gramaticado. O Português que aqui se estabelece nos primeiros séculos da colonização é o Português nortenho, falado por aldeões e aristocratas rurais, em geral gente iletrada. Somente a camada letrada da sociedade que basicamente se restringia aos burocratas do Estado e padres tinha acesso ao Português gramaticado (quinhentista). Embora, com o perpassar do tempo, é ele que se estabelece nos dias atuais. Na população humilde, o Português arcaico resiste. 

O emprego do infinito variável, ainda hoje usado com frequência na língua popular atesta sua proximidade com o Português arcaico. Se não houvesse empregado o infinito variável, Camões teria escrito uma frase ambígua naquele célebre passo: “Ó Netuno, lhe disse, não te espantes de Baco nos teus reinos receberes” (Lusíadas, VI, 15). 

Repare como o segundo infinito variável torna a frase mais leve e o pensamento mais evidente na seguinte passagem de Alencar: “Nem por isso os outros deixam de continuar o seu giro e as estações de seguirem seu curso regular”. 

O uso do infinito variável foi muito mais extenso no Português antigo e é mesmo mais notável na língua popular do no Português literário moderno. É um maravilhoso recurso de clareza ou de ênfase a que é lícito recorrer quando a gramática postula o contrário. 

Em 1980, o filólogo Ataliba Castillo que quando se passou a debruçar sobre as diferenças entre o Português falado no Brasil do de Portugal, ao contrário do que inicialmente se pensava...que o Português no Brasil se distanciava do de Portugal. A verdade era que o Português de Portugal é que se afastara do Português do século XV e que se manteve no Brasil. 

Existem depoimentos de gramáticos do século XVI, dentre os quais Fernão de Oliveira, que ao tentar descrever o modo de falar dos portugueses, dizia que “os portugueses falam como pessoas de muito ciso, falam lentamente”. O que destoa do modo atual dos portugueses falarem, que se notabilizam pela contração das palavras, “engolindo” sílabas. 

Esse distanciamento do Português de Portugal teria se processado no século XVIII, por influência francesa. Daí não só a tendência de engolir sílabas no meio das palavras, como o omitir as sílabas finais. Bem como, o abandono, pelos portugueses atuais, do gerúndio, tão empregado no Português arcaico e ainda usual no Português do Brasil. 

A língua que se fala no Brasil, ainda que transpareçam diferenças da de Portugal, é, em essência, a mesma, pois que se compendia na mesma gramática. Essas diferenças são classificadas como “linguajar” que se alteram mesmo entre estrados sociais de uma mesma localidade e que, de modo algum, distingue como outra língua. 

De modo que se pode afirmar que o Português do Brasil é mais arcaico e melhor conservado do que o falado em Portugal. E que urge uma melhor preservação do nosso idioma, a exemplo do Islandês em que vige uma política linguística desde o século XVIII que proíbe a entrada de palavras estrangeiras e que no lugar de adotar estrangeirismos cria neologismos a partir de palavras próprias; além disso, reativa palavras antigas e cria outras baseada em raízes bem conservadas na tradição linguística nacional. 

https://ressurreicaonacionalista.blogspot.com/

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