É isso mesmo. O dado alarmante foi revelado por Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) e convidado a compor a mesa de debate de audiência pública da Comissão de Reforma Agrária do Senado na últimia quinta-feira (24).
O tema da audiência era contrabando e falsificação de agrotóxicos e seus impactos na economia. Possíveis embargos internacionais às exportações brasileiras e perdas de arrecadação tributárias avaliadas em um milhão de dólares no último ano preocupam. Mas nada se compara ao risco que a sociedade corre ao estar sujeita a esses agrotóxicos ilegais.
Questionada se existe uma análise capaz de dizer os riscos à saúde causados por essas substâncias piratas, Sílvia Fagnani, diretora-executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG), respondeu: “Não é possível afirmar os riscos ou o que tem dentro desses produtos contrabandeados”. E afirmou que se fossem feitos por uma empresa, ela seria a terceira ou quarta maior do mercado nacional.
Resumindo: além de representar um grande risco econômico, trata-se de um grave problema de saúde pública. Brasileiros e brasileiras estão consumindo alimentos com substâncias químicas que nem especialistas no tema sabem o que é ou o que pode ser.
A questão do risco alimentar vem forte dentro dessa discussão. Durante debate na quarta-feira (23) da Comissão Especial do Projeto de Lei 6299/2002, que visa enfraquecer a legislação de agrotóxicos com o objetivo de facilitar seu uso e liberação, Eloísa Dutra Caldas, coordenadora do Laboratório de Toxicologia da Universidade de Brasília, lembrou que o Brasil não tem um órgão público voltado à avaliação de riscos de substâncias químicas legais usadas nas lavouras. “Meu sonho é que o Brasil tenha uma agência avaliadora de riscos”, disse ela.
Para os agrotóxicos regulamentados existe o Limite Máximo de Resíduos (LMR), que estipula por lei a quantidade permitida de resíduo de um pesticida específico no alimento. No entanto, não é um indicador de saúde, e sim puramente agronômico, não levando em conta o uso cruzado de diferentes substâncias. Por sua vez, o índice de Ingestão Diária Máxima (IDM), além de obter seus resultados por meio de testes em ratos e não em seres humanos, não considera o consumo cumulativo de pesticidas ao longo da vida de uma pessoa.
Se o uso legal e licenciado de agrotóxicos já apresenta brechas em suas análises, imagine então produtos contrabandeados ou até falsificados, que são produzidos pelos próprios traficantes em fazendas ilegais. E pensar que estes compõem mais de 20% de todos os insumos químicos aplicados nas lavouras brasileiras é assustador.
Segundo pesquisa IBOPE encomendada pelo Greenpeace, 81% da população brasileira considera que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”. As pessoas não querem mais comer comida com pesticidas – ainda mais sabendo que parte significativa deles é ilegal e sem qualquer controle. Ao invés de tentar flexibilizar, é preciso endurecer a legislação de agrotóxicos e caminhar para a redução gradual de seu uso até se ver livre da aplicação de químicos nos campos. Por isso, o Greenpeace e outras organizações da sociedade civil apresentaram no início de novembro ao Congresso o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (PNARA) em forma de sugestão de Projeto de Lei.
Agricultura da conciliação?
Os últimos dias no Congresso Nacional mostram que o debate sobre o modelo de produção de alimentos do país está se tornando questão cada vez mais relevante para a sociedade civil, que quer consumir comida sem agrotóxicos. Com o espaço que sistemas alternativos de produção vêm tomando e as críticas crescentes da sociedade sobre o uso de pesticidas, o agronegócio se coloca na defensiva e passa a adotar um discurso mais brando no lugar da radicalização de costume.
Durante audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (22), Rodrigo Justus, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em tom conciliador, sugeriu que o Fundo Amazônia, além de servir para “caçar desmatador”, também deveria investir em pesquisas de diferentes modelos de produção sem uso de agrotóxicos, como o sistema agroflorestal ou agroecológico. “Estamos abertos a novos modelos”, afirmou.
Audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, dia 22 de novembro. Foto: © Alan Azevedo / Greenpeace
Fernando Rebelo, do IBAMA, defendeu que a intenção de quem incentiva a produção ecológica não é de acabar com o modelo convencional. “Não queremos quebrar o agronegócio. Se um executivo da Coca-Cola, há 30 anos, dissesse que a empresa precisaria produzir suco, ele ia ser mandado embora. Hoje, o suco e a água mineral vão salvar a Coca-Cola”.
A analogia cai como uma luva sobre o agronegócio. Em alguns anos, quando a vontade da maioria for contra consumir produtos químicos em seus alimentos, o setor que movimenta cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) pode de fato quebrar caso não se adapte à demanda nacional e internacional. Vale lembrar que o Brasil utiliza muitos agrotóxicos proibidos na União Europeia e em diferentes países como China, Estados Unidos e Índia, o que limitará cada vez mais as exportações de grãos e também de carne, uma vez que a alimentação animal se dá por meio da soja e do milho quimicamente tratados.
“Ver o setor do agronegócio tomando a defensiva frente a uma disputa que está perdendo é um bom sinal para nós. Se quiserem conciliar interesses por uma agricultura responsável, sustentável e que não ofereça riscos à saúde humana, muito que bem. Mas no fundo as ideias são inconciliáveis. O que queremos mesmo é o fim do uso dos agrotóxicos”, defende Rafael Cruz, da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil. (Greenpeace Brasil/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Greenpeace Brasil.