Quando este texto estiver sendo lido, provavelmente já vai ter se iniciado o fascismo olímpico — encerrando um ciclo de megaeventos inaugurado com o Pan-americano (2007), passando pela Copa das Confederações (2013) e a Copa da Fifa (2014) —, que deixa para o povo um rastro de remoções e mortes, além da criminalização da pobreza e dos movimentos populares combativos e seus ativistas.
Camelô é agredido covardemente pelos cães de guarda da prefeitura do Rio
REMOÇÕES
Conforme o relatório Olimpíada Rio 2016: os jogos da exclusão, produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio, de 2009 a julho de 2015, 22.059 famílias foram removidas, totalizando 77.206 pessoas, podendo o número ser muito maior, pois a fonte dos dados era a prefeitura municipal.
Lucas Faulhaber e Lena Azevedo, no livro SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico, afirmam que a gerência municipal de Eduardo Paes (2009-2016) foi o período com o maior número de remoções da história do Rio de Janeiro, ultrapassando Carlos Lacerda (1961-1965; 30.000 remoções) e Pereira Passos (1902-1906; 20.000 remoções).
Nesse cenário, verifica-se que os megaeventos esportivos no Rio deixam como “legado” uma grande quantidade de pessoas sem moradia. As remoções expressam uma política de limpeza social de áreas valorizadas da cidade, transformadas em frentes lucrativas para empreendimentos imobiliários. As remoções resultam na expulsão dos pobres para as áreas periféricas da cidade, marcadas por uma baixa ou inexistente cobertura dos serviços públicos e precária ou ausência de infraestrutura urbana (saneamento básico, transporte, asfaltamento, iluminação etc.).
Tal política foi e é levada a cabo por um conluio entre as gerências municipal, estadual e federal, representados nas figuras de seus respectivos gerentes, Eduardo Paes (PMDB), Cabral/Pezão (PMDB), Lula/Dilma (PT) e Temer (PMDB), somada aos interesses de grandes empreiteiras.
Se “remoção da população” fosse uma modalidade olímpica, a gerência de Eduardo Paes deveria levar uma medalha de ouro, visto que a prefeitura mostrou ser uma máquina de destruição de casas populares.
APROFUNDA-SE O ESTADO POLICIAL
A estrutura policial — herdeira de procedimentos e normas do regime militar fascista — tem servido cada vez mais ao aprofundamento de uma política de Estado — que, embora permanente, se aprofundou nos últimos anos — de genocídio do povo pobre e, fundamentalmente, negro em favelas e bairros proletários, nas áreas centrais ou nas periferias, política implementada também e principalmente no campo. Além de intensificar a criminalização e repressão aos movimentos populares combativos e seus ativistas.
Para garantir a “segurança” dos megaeventos esportivos, nos últimos anos têm se delineado um conjunto de medidas por partes das forças policiais, representada principalmente pelas genocidas “Unidades de Policia Pacificadora” (UPPs).
Outra medida, muito empregada ultimamente, são as grandes operações de cerco e ocupação de favelas, incluindo a participação do exército exercendo função de policiamento, podendo ser exemplificada com a ocupação dos Complexos do Alemão, em 2007, que resultou na morte de 43 pessoas e 85 feridos, ou da Maré, em abril de 2014, que ceifou um número de vidas desconhecido, além da prática de arbitrariedades cotidianas. E, durante as Olimpíadas dos monopólios, não será diferente. Com o objetivo de defender e garantir os lucros desses monopólios, a ocupação militar será intensificada com a ocupação de 6 favelas pelas forças armadas e “ações de segurança” em comunidades próximas por onde transitarão turistas, “autoridades” e delegações de atletas.
O auto de resistência, uma forma do velho Estado maquiar as execuções de moradores de favelas e bairros proletários, também tem se elevado nos últimos três anos: 307 mortes em 2015, 247 em 2014 e 224 em 2013.
Segundo o “Instituto de Segurança Pública” (ISP), órgão estatal, entre 2005 e 2015, foram 9.118 mortes decorrentes de intervenção policial no estado e 5.442 homicídios só na capital, o que denota a letalidade da PM.
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E DOS POBRES
Na esteira da política de genocídio do povo pobre, desenvolve-se a criminalização da pobreza e dos pobres, podendo ser exemplificada na repressão aos trabalhadores informais, a retirada de crianças abandonadas e moradores de ruas, a internação compulsória de usuários de crack e as remoções das ocupações urbanas, por parte da gerência municipal, objetivando “limpar” o centro e outras áreas da cidade.
Em relação ao trabalho informal, a gerência de Paes criou o cadastramento do comércio ambulante, sob a responsabilidade da “Secretaria Especial de Ordem Pública” (SEOP), que define o ambulante autorizado e o não autorizado a comercializar os produtos, os locais permitidos e proibidos para o comércio e a quantidade de ambulantes que irão atuar em certa área, além de intensificar a repressão aos ambulantes não autorizados, especialmente com a criação da operação “Choque de Ordem”, em setembro de 2009.
Cabe registrar que, em 2009, a Câmara dos Vereadores aprovou uma legislação que proíbe que os camelôs trabalhem em um raio de 2 km de eventos oficiais, onde apenas certas empresas podem comercializar suas mercadorias, restrição fortalecida durante a Copa e que valerá para as Olimpíadas.
QUE LEGADO?
Muito se falou e se fala em “legado” que deixará esse massacre olímpico, mas peguemos alguns exemplos que destroem essa falácia.
O Estádio de Atletismo Célio de Barros, considerado um dos melhores locais de treinamento do país, foi desmantelado em janeiro de 2013 para servir de canteiro de obras para as reforças do Maracanã, deixando centenas de atletas sem local para treino. Nos últimos anos tem sido utilizado como estacionamento e local de eventos musicais.
O parque aquático Júlio Delamare, local de competição, treino e de uso do povo, foi fechado em maio de 2014, permanecendo assim até hoje.
A Vila dos Atletas (na Barra da Tijuca) e 75% da área do Parque Olímpico (em Jacarepaguá), após os jogos, serão comercializadas pelas empreiteiras “parceiras” das gerências municipal e estadual — Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken.
No que se refere à mobilidade urbana, existe um orçamento de R$ 18 bilhões para as obras, sendo que até o momento apenas foram inaugurados o BRT Transoeste e a Transcarioca. Mas o que se percebe é o gasto em um transporte que não é de massas, privilegiando o rodoviarismo e consequentemente as indústrias automotivas multinacionais, e que reforçam assim a dependência dos ônibus, cada vez mais caros, mas ainda superlotados e sucateados.
Ademais, as obras estão concentradas em certos setores da cidade e não estão voltadas para a melhoria dos deslocamentos dos trabalhadores na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
ONDE HÁ EXPLORAÇÃO E OPRESSÃO, HÁ RESISTÊNCIA
Cabe destacar a resistência das comunidades, seja através dos protestos diários que exigem os direitos mais básicos como educação, saúde, habitação, saneamento básico etc., que se revoltam com um evento, que gastou bilhões de reais em proveito dos monopólios em detrimento do povo brasileiro, ou na resistência espontânea e criativa daqueles que tentaram apagar a tocha, símbolo deste megaevento. Mas principalmente ressaltar a resistência daqueles que irão as ruas, enfrentando o fascismo olímpico e todo o seu aparato de guerra, denunciando a farra dos monopólios.