Em 5 de novembro de 2015, a onda criminosa de lama de rejeitos de minério de ferro da Samarco/Vale/BHP Billiton invadiu as casas de centenas de famílias em Bento Rodrigues e Paracatu, Minas Gerais, aterrorizando e matando pessoas, bichos, florestas, avançando por três rios e chegando até o oceano Atlântico, em Regência, no Espírito Santo.
Rua de Mariana devastada pela lama criminosa da Samrco/Vale/BHP Billiton
Povoados inteiros foram devastados pela lama criminosa e pessoas ficaram desaparecidas. As vítimas têm nomes e rostos: Ailton Martins, Samuel Vieira Albino, Sileno Narkievicios de Lima, Marcos Roberto Xavier, Mateus Márcio Fernandes, Pedro Paulino Lopes, Ednaldo Oliveira de Assis, Daniel Altamiro de Carvalho, Claudemir Santos, Vando Maurílio dos Santos, Marcos Aurélio Pereira Moura, Waldemir Aparecido Leandro, Cláudio Fiuza e Edimilson José Pessoa; todos trabalhadores das mineradoras. Somam-se a eles os moradores de Bento Rodrigues: Emanuely Vitória, Thiago Damasceno Santos, Maria Elisa Lucas, Maria das Graças Celestino e Antônio Prisco de Souza, uma jovem mãe que sofreu aborto ao ser arremessada pela lama.
No dia 5 de maio de 2016, o Comitê de Apoio ao A Nova Democracia de Belo Horizonte esteve no município de Mariana para divulgar o jornal e acompanhar a abertura de um seminário — organizado pela Fundação Oswaldo Cruz, UNISDR, Rede de Pesquisadores em Redução do Risco de Desastres no Brasil (RP-RRD-BR), PoEMAS/UFJF, GEPSA/UFOP, GESTA/UFMG e UDESC — que buscou fazer uma avaliação dos impactos causados pelo criminoso “desastre ambiental”.
A abertura do seminário contou com a presença do prefeito de Mariana e também de David Stevens, representante internacional junto a ONU. Já a segunda Mesa foi formada por membros de centros de pesquisas e contou com a participação de Maria do Carmo, vítima da Samarco-Vale e BHP.
Após as intervenções de abertura do evento, foi aberta a palavra aos convidados que não pouparam duras críticas às falas do prefeito de Mariana, Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior, e de David Stevens.
Stevens minimizou e tentou naturalizar o crime das mineradoras ao afirmar que“a responsabilidade pelo risco é de todos, então toda sociedade tem de fazer sua parte para diminuir esse risco”. Questionado se a responsabilidade da empresa não seria maior, ele respondeu: “Não, a empresa, na verdade, cumpre a sua função como todos da sociedade cumprimos a nossa”.
A intervenção de Gerson Lima, da Liga Operária, rompeu com a aura de formalidade institucional que reinava até então e revelou a ferida aberta, camuflada pelos monopólios de imprensa, indo ao cerne da questão, ao afirmar que“o que há é a tentativa de vitimizar a empresa e descaracterizar o crime cometido pela Samarco/Vale/BHP Billinton”.
Em sua fala, Gerson Lima se dirigiu à representante das vítimas de Paracatu de Baixo, Maria do Carmo, e, estendendo à todos intelectuais honestos e movimentos, conclamou-os a não deixarem que esse crime passe impunemente:
“Acho que foi muito importante para mostrar que as vítimas têm rostos, têm nomes, têm sobrenomes, têm um sonho e clamam por justiça! Por que o que vimos nesses seis meses foi a impunidade com esse crime deliberado que a Samarco cometeu, e por trás da Samarco está a Vale e a BHP, e por trás da Vale e da BHP, está o Bradesco, estão os conglomerados financeiros que mandam e desmandam nesse país. As mineradoras também elegem e reelegem essa cambada de políticos corruptos que estão aí, seja de qual partido for. Eu também me somo ao repúdio das pessoas que aqui falaram na primeira mesa, essa mesa que pretendeu naturalizar esse crime que foi cometido. O que ocorre aqui é a impunidade, o conluio e a cumplicidade.
Os governos federal, estadual e municipal, pactuaram com a Samarco, com a Vale e a BHP, que vão administrar as supostas ações de reparação. Como a raposa tomando conta do galinheiro. Eles tratam o nosso país dessa forma, colocam o nosso país como colônia e vêm pessoas aqui falar que isso é normal, como o representante da ONU. Isso é um absurdo! Falar que toda a atividade humana tem risco é para justificar esse crime deliberado da Samarco”.
LAMA, CAOS E IMPUNIDADE
Seis meses se passaram e os responsáveis por esse crime sem precedente em nosso país ainda continuam impunes e as famílias aguardando soluções e justiça.
A dependência do município para com os recursos oriundos da exploração mineral é tamanha que o prefeito de Mariana, Duarte Júnior, afirmou ao ANDque “90% da arrecadação do município advém da mineração”.
Sandoval de Sousa Pinto Filho, que trabalhou durante 30 anos nas indústrias de mineração Ferteco e Vale, assinalou durante o evento que as comunidades atingidas estão sofrendo com os efeitos do pó do rejeito, desenvolvendo problemas respiratórios e com a contaminação da água. Populações inteiras estão sem acesso à água potável e as criações dependem agora de ração, devido a destruição e contaminação das pastagens.
Seminário sobre o desastre em Mariana
No dia 6 de maio, a equipe de A Nova Democracia foi até o município de Barra Longa e no distrito de Gesteira, fortemente atingidos pelo rompimento das barragens e alvo do completo descaso das mineradoras.
Todos esses meses após o criminoso desastre socioambiental, as casas continuam com lama e o povo sem poder retornar aos seus lares. Ao longo de todo o Rio Doce, até chegar ao mar em Regência, no Espirito Santo, há um percurso de morte e destruição. A vida do rio e do litoral nas áreas atingidas pelos rejeitos está comprometida por várias décadas.
Em Gesteira, encontramos máquinas revirando a lama e misturando-a com argila, onde segundo um tratorista: “É pra recuperar, e a vegetação voltar a ser o que era...”.
Na margem do rio do Carmo, em Barra Longa, pudemos ver de perto o pó do minério que ainda se concentra nas areias e no fundo dos rios. Segundo estudos, é esse rejeito, misturado à poeira, a causa das doenças respiratórias da população.
O pior foi constatar que a situação das famílias se agrava, pois fora de suas casas e sem previsões seguras para saber quando retornarão, são apresentadas a maquetes e projetos futuros que não saem das mesas de discussão, feitas em gabinetes, sem a presença ou direito de decisão ao povo atingido. As mineradoras gastam milhões com propaganda enganosa na TV, escarnecem a população e ignoram as multas bilionárias.
Concluindo nossa reportagem, vemos com ainda maior importância as palavras do dirigente da Liga Operária, quando afirma que “cabe aos intelectuais honestos e todos que queiram resolver realmente o problema, que não caiam nessa armadilha das grandes corporações transnacionais, que nos tratam como meros exportadores de matéria prima — ou seja, uma semicolônia. Temos que fazer uma profunda transformação em nosso país!”.