Operação da PF revela esquema de desvio de verba da saúde indígena em Roraima
A prisão de Ramiro Teixeira, ex-coordenador da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Roraima, e o esquema de desvio de recursos públicos descoberto pela Polícia Federal, mostram que lideranças indígenas estavam certas quando denunciavam que a piora no atendimento médico e sanitário nas aldeias estava diretamente relacionada ao loteamento político da Funasa e à corrupção no órgão.
O câncer que se instalou na gestão da saúde indígena
de Roraima parece estar com os dias contados. Por meio da Operação Metástase,
deflagrada pela Polícia Federal na última quinta-feira, 25 de outubro, 35
mandados de prisão estão sendo cumpridos, tendo como alvo funcionários do alto
escalão da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no estado. Entre os servidores já
detidos está o coordenador da Funasa em Roraima, Ramiro Teixeira, indicado ao
cargo pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e apontado como o chefe da quadrilha.
No dia seguinte ao início da operação da PF, Teixeira foi exonerado do cargo
pela presidência da Funasa.
O médico Ramiro Teixeira, candidato derrotado
a deputado estadual nas eleições de 2002, fora conduzido ao cargo por indicação
do senador Romero Jucá, atual líder do governo no Senado, ex-governador de
Roraima e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), durante o Governo
Sarney. Na época de sua indicação (2003-2004), Ramiro Teixeira já estava sob
investigação do Ministério Público e do Tribunal Regional Eleitoral por abuso de
poder econômico, político e de comunicação, ao lado do senador Romero Jucá e
outros políticos de Roraima.
Além das prisões, a ação da PF visa
apreender computadores, documentos e notas fiscais que possam comprovar o desvio
de recursos públicos destinados ao atendimento sanitário das comunidades
indígenas por meio da utilização de notas frias e licitações fraudulentas. Os
principais alvos de desvio são os serviços de transporte aéreo, a compra de
medicamentos e as obras de engenharia. Estima-se que o esquema de corrupção e
irregularidades com a gestão da verba da saúde indígena em Roraima tenha
desviado um total de 34 milhões de reais. No primeiro dia da operação, a PF
havia apreendido 1,35 milhões de reais em espécie (500 mil na casa de Ramiro
Teixeira), além de dezenas de veículos supostamente comprados com dinheiro
desviado. Até uma rinha de galos com 87 animais foi encontrada pela
operação.
Segundo o Jornal Folha de Boa Vista, as investigações sobre o
esquema começaram a cerca de um ano e meio, durante as ações contra o tráfico de
drogas no Paraná. Um dos envolvidos preso na semana passada, o empresário Hissan
Hussein Dehaini, teria ligações com o narcotráfico e participava de um esquema
de licitações fraudulentas para a operação de helicópteros em Roraima por meio
da empresa Icaraí Táxi Aéreo. Além deles, donos de empresas do mesmo ramo, Meta
e Amazonave (esta última do Amazonas) também foram presos, confirmando denúncias
de organizações de apoio aos Yanomami. Saiba mais sobre a TI Yanomami: www.socioambiental.org
De acordo com as investigações da Polícia Federal, a maior parte do
dinheiro desviado tinha origem em emendas coletivas da bancada de Roraima no
Congresso Federal ao orçamento da União, assinadas pelos três senadores e oito
deputados do estado. Ainda segundo a PF, por essa razão a segunda etapa das
investigações deve, inevitavelmente, chegar ao Congresso. De todo modo, o
loteamento de cargos na Funasa – tantas vezes denunciado por lideranças
indígenas nos últimos anos – finalmente vem à tona e revela sua dimensão e
influência na piora no atendimento médico nas aldeias indígenas do País. Clique
em: www.socioambiental.org para
ver os desdobramentos da crise na saúde indígena em 2007. Saiba mais sobre a
crise na saúde indígena: www.socioambiental.org
Diante
das descobertas da Polícia Federal, também vale relembrar a entrevista do ISA
com o ex-presidente da Funasa, Paulo Lustosa*, feita em abril de 2006, quando
ele nega por duas vezes que o órgão tenha sido loteado pelo PMDB. À época,
apesar das inúmeras evidências e denúncias sobre o loteamento político dos
cargos da Funasa nos estados e irregularidades no trato com a verba pública, o
então presidente da Funasa avaliava como positiva a gestão da saúde
indígena.
Fim anunciado
O fim da "farra na saúde indígena" em
Roraima já vinha sendo anunciado por uma série de acontecimentos divulgados nos
últimos dias. Em 13 de outubro, em visita a um pelotão de fronteira instalado na
aldeia de Maturaca, na Terra Indígena Yanomami, acompanhando a comitiva do
ministro da Defesa, Nelson Jobim, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef,
criticara duramente a Funasa, dando a entender que as ações do recém-lançado
"PAC Saúde" só seriam efetivas se envolvessem o Exército.
Cerca de uma
semana depois, a revista Época publicou matéria intitulada "Esta festa pode
acabar: governo faz intervenção branca na Funasa, órgão do ministério da Saúde
em que Renan Calheiros e sua turma do PMDB mandam e desmandam". A matéria lista
uma série de irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União (CGU)
na liberação de recursos e na gestão de contratos que envolvem, entre outros,
Paulo Lustosa, e Danilo Forte, o atual presidente da Funasa.
Além deles,
Paulo Roberto Coelho, que até abril era o coordenador de logística do órgão, e
seu tio, Carlos Garcia Coelho - acusado de montar um esquema de arrecadação de
dinheiro para o senador Renan Calheiros (PMDB) em ministérios comandados pelo
partido -, são apontados como responsáveis por inúmeras irregularidades. Segundo
a revista, os problemas com a Funasa são tantos que o governo federal já cogita
inclusive extinguir o órgão.
Uma parte destas irregularidades repousa, de
acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), no convênio firmado em 2004
entre a Funasa e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para a assistência
aos Yanomami. Entre os indícios de gestão falha destacam-se o pagamento a
pessoas não contratadas para prestar serviços no Distrito Sanitário Yanomami
(Dsei-Y), deficiências na elaboração das prestações de contas, despesas sem
correlação com as metas, etapas ou fases programadas, pagamento de pessoas sem
especificação da função desempenhada e a ausência de licitações na compra de
produtos e serviços. O jornal O Estado de São Paulo, de 26 de junho, relata:
"Segundo o TCU, o valor original do convênio era de R$ 10,9 milhões, mas, depois
de receber 12 aditivos, passou a valer R$ 25,9 milhões. Além disso, não houve
licitação pública para a contratação do órgão responsável pela assistência
médica aos ianomâmis e parte dos recursos repassados pela Funasa à FUB [Fundação
Universidade de Brasília] acabou sendo utilizada para o pagamento de
funcionários terceirizados".
As irregularidades nos convênios da Funasa
vinham sendo denunciadas pelos Yanomami e organizações de apoio desde pelo menos
2004, quando os indicadores de saúde desta população indígena começaram a
piorar. Segundo um boletim recentemente divulgado pela ONG Urihi-Saúde Yanomami
(conveniada da Funasa para o atendimento dos Yanomami de 2000 a 2003), a
incidência da malária na TI Yanomami desde 2006 retornou aos níveis epidêmicos
da década de 1990 e a doença voltou a ser causa de morte. Elevou-se a
mortalidade infantil e a cobertura vacinal em crianças menores de 1 ano - em
torno de 20 % - é uma das mais baixas do Brasil e do mundo.
Até mesmo a
cobertura do tratamento em massa da oncocercose, doença que pode causar cegueira
e envelhecimento precoce da pele e, no Brasil, é restrita à área Yanomami,
apresenta hoje índices preocupantes. Além disso, a falta de remédios e insumos,
o atraso constante no pagamento de salários dos servidores e o aumento
injustificado no preço das horas de vôo denunciavam a má gestão dos recursos
públicos. Mesmo com a condenação do TCU, as reclamações dos Yanomami e diante de
resultados insatisfatórios, o convênio com a FUB foi renovado duas vezes sob o
argumento de não haver alternativas para a manutenção do atendimento ao
Dsei-Y.
A Operação Metástase teve início na mesma semana em que Davi
Kopenawa e seu filho Dario Vitório estavam em campanha pela Europa, com o apoio
da ONG Survival International, para denunciar às autoridades inglesas e alemãs a
situação caótica que seu povo enfrenta na saúde, agravada por nova invasão de
suas terras por garimpeiros. Na semana passada, na Alemanha, Davi declarou:
"Eles tem que pegar os peixes grandes em Brasília. Em Roraima eles são apenas
peixes pequenos mas ajudam a roubar. Eles tem que prender os presidentes da
Funasa e da Fundação Universidade de Brasília. Essas pessoas têm olho grande,
barriga cheia e estão roubando o dinheiro dos povos indígenas do Brasil".
* www.socioambiental.org/
(Envolverde/Instituto
SocioAmbiental)