"Cochilo saudades na noite abanando. Teu leque de estrelas, Belém do Pará!"
Parece que foi ontem mas já se passaram trinta e nove anos que aqui cheguei.
Desembarquei e tudo me pareceu muito "familiar", a cidade me acolheu como a um filho que retorna.
As pessoas com as quais me relacionei foram muito simpáticas, me apresentaram o Tacacá e a Maniçoba no primeiro dia.
O Açaí ficou para uma semana mais tarde.
Conheci a Presidente Vargas, o Ver-O-Peso e a Cidade Velha. Não houve tempo para mais nada pois a chuva chegou e me batizou. O calor já conhecia mas o suor abundou como o carinho das pessoas. Me convidaram para entrar, entrei. Me convidaram para um suco de cupuaçu, tomei. Me convidaram para um "Pato no Tucupi", parei. Levei alguns anos para vencer a regra: "não como ave". Até que depois de tanto ser convidado, mudei: "não como ave, só como pato no tucupi!".
Depois de conhecer a parte alta da cidade fui apresentado as suas baixadas. Bairro do Guamá, Travessa Paulo Cícero. A simpatia das pessoas era a mesma mas as dificuldades eram e são maiores. Os canais entulhados de lixo obriga que as casas de madeira sejam construídas em sistema de palafitas; aos poucos vão sendo reconstruídas em alvenaria pois as ruas vão sendo aterradas com entulhos, resto de obras e caroço de açaí. Tratamento de esgoto não existia mas as pessoas continuam sendo muito receptivas.
Convidado para entrar entrei. Convidado a rezar rezei. Convidado a deitar na rede deitei enquanto chovia. A cesta numa rede tornou-se um hábito.
Nas baixadas conheci um sistema avançado de assistência social que inspirado no axioma: "fora da caridade não há salvação" ensinava a pescar e oferecer a isca. Ensinava a fazer e vender redes marajoara, enquanto isso se conversava. Orientações básicas sobre saúde, mudanças de comportamento, desmistificação dos milagres, esclarecimento sobre processo de comunicação com os "mortos", vida após a vida...quem disse que a periferia não tem nada a ensinar. Eu aprendi muito.
O primeiro Círio foi marcante: acordei cedo e fui para a avenida; gente, gente, gente...era muita gente; evitei o fluxo normal da procissão e desci a Rua Santo Antônio, até a Travessa Primeiro de Março; na ladeira próxima as oficinas de "O Liberal" tomei um susto com o som de búzio; olhei para a Praça e Ela estava lá..., parada... palmas... muitas palmas; uma pequena imagem sendo saudada; dentro de uma caixa de vidro, cercada de flores... tudo que sabia sobre a Mãe de Jesus, ali estava resumida... a entrega da Virgem, o encaminhamento do Filho, o sofrimento na cruz, o lírio formoso, o consolo..., arrepiei...e arrepio sempre que se repete a cena... e chorei... chorei...e me emociono... orei, louvei e agradeci; era uma entrega, entreguei. Tudo isso é Belém do Pará.
Tudo isso nos os versos de Adalcinda Camarão: "Cochilo saudades na noite abanando. Teu leque de estrelas, Belém do Pará!"
Hoje comemora-se o aniversário de 399 anos dessa querida metrópole.
Eu comemoro trinta e nove anos de reencontro.
Se alguma coisa eu posso recomendar para melhorar a cidade eu sugiro: Belemenses valorizem suas tradições, mantenham sua cultura, conheçam mais a sua cidade ela é magnifica.
Viva Belém!
Obrigado Belém.