Organizações lamentam interrupção das ações do governo e desqualificam lobby de senadores em favor da Pagrisa, de onde foram libertados 1.064 trabalhadores. Senador José Nery (PSol-PA) critica a postura dos colegas.
Entidades do poder público e da sociedade civil envolvidas no
combate ao trabalho escravo no Brasil reprovaram a manobra de um grupo de
senadores que tenta deslegitimar a atuação do grupo móvel de fiscalização do
trabalho do governo federal. Nesta segunda-feira (24), o Instituto Ethos, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do
Trabalho (Sinait) se posicionaram publicamente contra o pedido de integrantes do
Senado solicitando a abertura de um inquérito para investigar a ação
fiscalizatória do grupo móvel, realizada em junho, que libertou 1.064
trabalhadores da fazenda Pagrisa, em Ulianópolis (PA).
Na última
quinta-feira (20), cinco senadores - Jarbas Vasconcelos (PSDB-PE), Flexa Ribeiro
(PSDB-PA), Kátia Abreu (DEM-TO), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Romeu Tuma (DEM-SP),
que fazem parte de comissão externa formada especialmente para tratar da questão
da Pagrisa - visitaram as instalações da fazenda, que cultiva cana-de-açúcar e
mantém usinas de produção de álcool e de açúcar. Ao final da visita, porta-vozes
do grupo declararam que as condições de trabalho na fazenda eram adequadas e
colocaram em xeque o trabalho do grupo móvel. Em resposta à pressão sofrida
pelos congressistas, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) suspendeu as
operações do grupo móvel, que tinha inclusive operações marcadas para esta
semana.
Em comentário à Rádio CBN, na tarde desta segunda-feira (24), o
presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Ricardo
Young, definiu a atitude da comissão externa do Senado como um grande
retrocesso. "Quando o Estado está justamente zelando pelas regras internacionais
de trabalho decente, que foram estabelecidas inclusive pela OIT [Organização
Internacional do Trabalho], o Senado, por causa de lobby empresarial, interfere
nessa ação", critica. "A sociedade brasileira tem que estar bastante atenta aos
desdobramentos dessa ação, porque não aceitamos mais o trabalho escravo e não
podemos mais ser coniventes com a impunidade."
A coordenação nacional da
CPT afirmou, em nota pública, que "o caso Pagrisa se tornou a bola da vez para
os detratores do combate ao trabalho escravo, empenhados há tempo numa queda de
braços com o governo federal visando acabar de vez com o poder de fogo da
fiscalização do trabalho escravo nas terras do agronegócio". A entidade condenou
ainda "a opção enganosa imaginada pelos detratores do combate ao trabalho
escravo entre produzir a contento e garantir a dignidade do trabalho". "O auge
do enfrentamento ocorre exatamente no momento em que vários estados, tambem
interessados em se livrar da mancha vergonhosa da escravidão moderna associada à
sua principal pauta de exportação têm anunciado planos para se juntarem à
política federal de combate ao trabalho escravo e, com ela, somar forças
(Maranhão, Tocantins, Bahia, Pará, Piauí e até Mato Grosso)", completou a nota
da CPT.
"A Anamatra repudia qualquer forma de interferência do poder
político na atuação de fiscalização do grupo móvel no Brasil, importante
instrumento de efetivação dos direitos humanos", sustentou o presidente da
entidade, Cláudio José Montesso. De acordo com o magistrado, com o anúncio de
suspensão das atividades do MTE, "o Brasil e a Justiça do Trabalho perdem seus
maiores aliados no combate à grande chaga social, o trabalho escravo". Cláudio
lembrou ainda que todos os acusados da exploração criminosa do trabalho alheio
têm ampla oportunidade de defesa perante a Justiça.
Rosa Campos Jorge,
presidente do Sinait, também se declarou indignada com o tratamento dado aos
auditores do trabalho "justamente quando eles cumprem sua missão". Para ela, a
suspensão das ações do grupo móvel mostra o importante papel dos auditores
fiscais e desmascara a intervenção "indevida, ilegal e injusta" do Senado sobre
as atribuições de outro Poder.
"Aqueles que se arriscam para verificar o
cumprimento da lei é que se transformaram em algozes? Fazer uma visita ao local
já totalmente maquiado, meses depois de uma ação que flagrou trabalho escravo, e
ainda acusar a fiscalização de falsidade ideológica é no mínimo um absurdo". Os
auditores fiscais do trabalho estão reunidos no encontro anual da categoria, o
Enafit, em Belo Horizente (MG). Uma nota oficial com o posicionamento do
conjunto dos auditores deve ser divulgada nos próximos dias. Rosa Jorge disse
ainda que a categoria vai cobrar de parceiros na Comissão Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e de outras entidades sindicais que
se juntem ao Sinait "pela defesa do trabalhador".
No próprio Senado
A
postura do grupo de senadores recebeu críticas dentro da própria Casa
Legislativa. Em comunicado oficial, o senador José Nery (PSol-PA), presidente da
Subcomissão Temporária do Trabalho Escravo, foi incisivo: "Na contramão do
esforço nacional contra o trabalho escravo, infelizmente, a Comissão Externa do
Senado optou por uma postura de alinhamento incondicional aos interesses da
empresa denunciada, sem que houvesse o menor senso de equilíbrio e pluralidade
que um caso desta complexidade exigia".
Segundo José Nery, a recusa da
maioria dos integrantes da comissão externa temporária em aceitar a presença de
representantes do próprio grupo móvel, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e
da Conatrae na visita à Pagrisa causou-lhe "consternação". "Recusada essa
preliminar básica, julguei que não estavam dadas as mínimas condições para que
pudesse me integrar aos trabalhos da Comissão, posto que se orquestrava um palco
para a desqualificação e enfraquecimento das ações desenvolvidas no âmbito da
Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho, tão
competentemente coordenada pela secretária Ruth Vilela", prosseguiu.
O
senador se comprometeu ainda a convocar, para esta semana, uma reunião em
caráter de emergência da subcomissão que preside para debater e deliberar um
conjunto de medidas que contribua para o imediato restabelecimento das ações de
combate ao trabalho escravo. Anunciou também que entrará em contato com o
ministro-chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo
Vannuchi, para solicitar a convocação, no prazo mais curto possível, de uma
reunião da Conatrae, a fim de adotar providências para garantir as condições de
segurança e de respaldo institucional ao grupo móvel de fiscalização.
(Envolverde/Repórter Brasil)