Uma jovem mulata vende acarajé, comida típica baiana, em Salvador, Bahia. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 21/10/2013 – Carla Vilas Boas é mulata, com raízes africanas, indígenas e europeias, como a maioria da população do Brasil. Mas dedica muito tempo a alisar seu cabelo, forçada a olhar-se no espelho da televisão, onde as loiras de olhos claros são o modelo da mulher brasileira. Carla, trabalhadora doméstica de 32 anos, reconhece que as populares telenovelas estão começando a apresentar alguns personagens como ela, que trabalham muitas horas por dia e vivem em favelas. Ainda assim, sente que isso não é o que ela vê em seu espelho diariamente.
Na publicidade “são umas poucas morenas entre muitas loiras de olhos azuis. E alguma pode se perguntar: será que se comprar o mesmo xampu teria cabelo igual?”, disse Carla à IPS. Contudo, nem com o novo xampu nem indo ao cabeleireiro “fica igual”, e Carla concorda que isso a faz “sentir-se mal”. Mais da metade das mulheres desse país não se identifica com a imagem que lhes devolve o suposto espelho da televisão. E assim, por preconceitos que prevalecem sobre a visão comercial, as empresas anunciantes perdem um importante setor de consumidoras.
As opiniões da população feminina foram sistematizadas em um estudo do instituto de pesquisa Data Popular e do feminista Instituto Patrícia Galvão (IPG), para o qual foram ouvidos 1.501 mulheres e homens maiores de 18 anos em cem municípios de todas as regiões desse país com quase 200 milhões de habitantes. O informe Representações das Mulheres na Publicidade de TV revelou que 56% das pessoas entrevistadas consideram que os anúncios não mostram as brasileiras reais. Para 65%, o modelo de beleza da publicidade na televisão está muito longe da realidade das brasileiras, e 60% consideram que as mulheres se frustram quando não se veem refletidas.
A maioria dessas peças publicitárias segue o protótipo europeu de mulheres “jovens, brancas, magras, loiras, com cabelo liso e de classe alta”, afirma a pesquisa. Aos 17 anos, Karina Lopes se sente insegura como mulher. Seu corpo está mudando, mas não para as formas que se vê na publicidade que lhe oferece roupa, maquiagem e iogurtes dietéticos. “Por mais que coma esse iogurte todos os dias, nunca serei magra com essa mulher que o vende. Uma mulher pode se sentir mal porque essa imagem é muito diferente da real. As mulheres normais não estão na televisão”, afirmou a adolescente à IPS.
Para Mara Vidal, vice-diretora do IPG, “somos uma pluralidade de diferentes tonalidades e formas. Não somos estereótipos. É o que está dizendo a população, não é coisa de organizações feministas nem de estudos acadêmicos”. Mara também sofreu no passado. Mulata e de cabelo ruivo, quando menina não queria ir à escola porque a chamavam de “negra cabelo de escova”, contou à IPS. “Só comecei a gostar do meu cabelo na universidade, e deixei de alisá-lo. Minha geração não tinha a consciência de hoje. A imagem de ‘boa aparência’ não correspondia à de nosso cabelo e cor”, acrescentou.
No estudo, 51% dos entrevistados disseram que gostariam de ver mais mulheres negras na publicidade, e 64% mais mulheres de classes populares. A televisão brasileira e suas telenovelas foram aos poucos superando esses preconceitos, e hoje seus personagens negros ou mulatos estão menos limitados aos tradicionais papéis discriminatórios de empregada doméstica, motorista da família ou bandido. Algumas, inclusive, tiveram negras e mulatas como protagonistas.
Entretanto, a publicidade, a menos que esteja dirigida especificamente a esse grupo étnico, ainda não representa a população negra. “Em uma propaganda de margarina não vemos mulheres negras ou famílias negras felizes. Já no setor de cosméticos começa a haver uma reação”, observou Mara. Por exemplo, aparecem produtos concebidos para as características da pele das mulheres mestiças e linhas especiais de xampu para “cabelos ondulados” ou “escuros”.
A publicidade do governo e de empresas estatais incorpora cada vez mais a imagem “politicamente correta” da diversidade étnica nacional. Porém, “não há ainda o volume desejado. O Brasil, por sua tradição de exclusão dos negros, ainda não se atreve a mostrar plenamente essa realidade”, opinou Mara. Renato Meirelles, diretor do Data Popular, afirma que essa exclusão se volta contra os próprios anunciantes. Segundo a consultoria, as mulheres no Brasil representam uma massa de renda de US$ 500 bilhões por ano e determinam 85% do consumo das famílias.
Não se trata apenas de um “nicho”, mas do “principal mercado consumidor” ao qual os publicitários “não sabem como se dirigir”, disse Renato à IPS. Essa ideia de que “a aspiração da mulher brasileira é ser como a europeia” é velha, afirmou, acrescentando que “agora há um orgulho por essa nova identidade”. As leis contra o racismo adotadas nas últimas décadas e a ascensão de 30 milhões de pobres aos setores médios são alguns dos fatores que incidem nesta nova autoestima.
Segundo Renato, “o grande problema dos anunciantes e das agências de publicidade é que pertencem à elite e que decidem com uma lógica de elite. Por isso acabam não entendendo que surgiu um novo mercado consumidor”. “O medo que têm é que a mulher branca não compre se a moça da publicidade for negra. Poucos se preocupam que a mulher negra não compre porque a modelo do anúncio é branca”, afirmou. Para ele, “os velhos fatores de aspiração” são substituídos por outros “de inspiração”, nos quais os modelos são mulheres negras de sucesso. “As empresas deveriam entender esse processo de conquista que vivemos”, concluiu. Envolverde/IPS
(IPS)