Desde os tempos da ditadura, as rádios comunitárias trabalham com um viés político direcionado, particularmente, à valorização da cultura local e de pressão às práticas de um regime político que perdura até os dias de hoje.
O que impede uma maior democratização desses veículos –
que podemos chamar de alternativos – seria o anseio, por parte do governo, de
enquadramento e limitações burocráticas ao criar uma legislação que colabora
para um estrangulamento das rádios e que pode piorar com a adoção apressada, por
parte do Ministério das Comunicações, do sistema de rádio digital.
Depois de muitos anos de lutas, em 1996 foi aprovada a Lei 9.612,
considerada, por parte dos movimentos sociais, uma salvação para legitimar um
trabalho importante para a difusão da comunicação. Comemorada pela possibilidade
de, uma vez por todas, incluir as rádios comunitárias na legalidade, tal
instrumento, imaginavam os(as) radiofusores(as) comunitários, daria o direito de
um registro que mantivesse suas portas abertas.
Porém, ao ser posta em
prática dois anos depois, não resultou no esperado. Não se contava com a força
que tinham as rádios comerciais no Congresso, pelas influências e
apadrinhamentos políticos.
O mestrando em Comunicação e Cultura pela
UFRJ, João P. Malerba, revela que essa lei obriga as entidades a percorrerem um
circuito burocrático comparado a uma verdadeira corrida de obstáculos. "A lei
não viabiliza a radiodifusão comunitária, ela a estrangula, pois, a partir do
momento que se consegue a concessão, é preciso seguir várias regras que
dificultam muito o funcionamento das rádios", indigna-se.
O coordenador
do Intervozes, Diogo Moyses, aponta a clareza da intenção de se criar uma lei
que enquadrasse as rádios comunitárias. "A Lei 9.612 não foi feita para
estimular o surgimento ou a prática da rádiodifusão comunitária. Foi criada, na
verdade, para restringir, ao máximo, o grande potencial que existe na
comunicação comunitária", lamenta.
Entre a cruz e a espada
A
burocracia para conseguir uma concessão é tão esmagadora que muitos grupos
resolvem assumir o risco e agem na "clandestinidade". São grupos que ficam
indignados de estarem limitados a democratizar informação de qualidade apenas em
suas respectivas regiões e acreditam ser importante promover comunicação em
áreas com pouca participação ativa nos meios de comunicação.
A coragem
acaba sendo reprimida, na maioria das vezes, de forma bastante truculenta. A
fiscalização feita pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em
conjunto com a Polícia Federal, é uma das principais reclamações daquelas
pessoas que lutam pela disseminação das rádios comunitárias. Além disso, alegam
sofrer perseguição política, arbitrariedade, defesa de interesses pessoais de
rádios comerciais etc.
Para muitos, o que acontece é uma repressão
organizada a essas rádios. Além das restrições impostas pela lei, as emissoras
comerciais alegam interferências e não aceitam a concorrência por temerem a
diminuição de sua audiência. Isso acabou gerando "uma pressão muito forte do
Congresso para começar a fechar essas rádios", diz João.
Sistema de
rádio digital. E agora?
A condução do processo de digitalização das
rádios no Brasil gera um certo desconforto nos movimentos da sociedade civil que
defendem a democracia da comunicação por meio da radiodifusão. Segundo o grupo,
essa seria uma forma de calar, de vez, a voz das rádios livres e comunitárias.
"É importante pontuar que não há qualquer justificativa para termos uma pressa
exagerada para utilização desse padrão tecnológico", critica Diogo Moyses.
Mas os testes já começaram. O padrão utilizado é o modelo de rádio
digital americano IBOC ( In-Band-On-Channel ), e os movimentos de rádios
comunitárias estão receosos pelo simples fato de que o IBOC reduz a capacidade
de democratização do espectro eletromagnético, dificultando, além de tudo, a
implementação de novas emissoras.
A realidade é que o equipamento de
transmissão é muito caro, e as rádios comunitárias, públicas e de pequeno porte
não terão como comprá-lo. Logo, o problema passa a ser, também, de algumas
pequenas rádios comerciais, principalmente aquelas do interior do país. Além
disso, o padrão IBOC é proprietário da Ibiquity, que cobra uma licença anual
para cada rádio que utiliza sua tecnologia.
Um outro ponto para o qual
representantes das rádios comunitárias chamam a atenção é a falta de diálogo
entre o governo e a sociedade civil organizada. Para eles(as), o justo é que o
governo chame a sociedade para o debate sobre a digitalização do rádio para,
então, uma solução democrática para o país ser desenvolvida. Do contrário, o
IBOC será fato concreto no país, que "criará uma situação das rádios
comunitárias não conseguirem migrar para o padrão digital, então a probabilidade
de sumirem é muito grande".
A adoção do padrão americano de rádio
digital não tem nenhum interesse público. "Agora, como o Ministério das
Comunicações é capturado, hoje, mais do que nunca, por interesses privado, temos
aí a possibilidade de, nos próximos meses, ver o país adotando o sistema IBOC de
rádio digital", conclui Diogo.
Rádio comunitária e ditadura
Nas décadas de 1920 e 1930, veículos radiofônicos não-institucionalizados já
eram ouvidos na América Latina. Até então chamadas apenas de rádios de baixa
freqüência, tinham como principais promotoras as igrejas católicas, que
trabalhavam, principalmente, em ações de cunho educacional.
Nesse
período, as rádios não tinham um viés mais politizado. Fato que muda
completamente com a imposição das ditaduras militares na região. Nas décadas de
1960 e 1970, essas rádios católicas, que não eram comerciais, não eram públicas
e eram feitas por cidadãos e cidadãs, foram adquirindo caráter político e
transformadas em resistência popular.
João Paulo Malerba afirma que
"quando entrou o endurecimento do regime militar, essas rádios foram a
resistência contra o governo. E elas se comunicavam entre si, exatamente para
trocar informação, para dizer onde estava acontecendo uma guerrilha, onde estava
acontecendo uma invasão".
*Colaborou: David da
Silva
(Envolverde/Ibase)