A gestão Haddad e as Empreiteiras
Quem vive nas periferias sente na pele as trágicas consequências de um crescimento urbano movido pelo lucro das grandes empresas, que se sustenta por meio do suor e do sofrimento da população trabalhadora. De tempos em tempos somos despejados pela força da polícia ou do mercado (o aumento do preço das terras, dos aluguéis e do custo de vida), e temos que nos abrigar em locais mais distantes e precários.
Há anos temos denunciado a maneira como a cidade de São Paulo tem sido construída e reconstruída aqui, nas bandas do Grajaú e arredores. Às vésperas das eleições, são feitos contratos com grandes empreiteiras, que não por coincidência são as principais financiadoras das campanhas político-partidárias. Sob o argumento mentiroso da preservação ambiental e da reurbanização de favelas, milhares de pessoas foram e continuam sendo despejadas, sem alternativa habitacional. Quando muito, recebem o auxílio-aluguel de 400 reais e uma promessa de moradia num pedaço de papel. Com esses despejos em massa, os preços dos aluguéis subiram às alturas, e se tornou impossível para uma família com muitos filhos encontrar uma casa aqui na região.
Por outro lado, na maioria das vezes as áreas despejadas permanecem abandonadas por anos, e nem os entulhos das casas destruídas são removidos, compondo um quadro de devastação e de risco para a vizinhança. Em alguns casos, a empreiteira planta um tanto de grama e passa a chamar aquilo de parque ou de praça, que também ficam abandonados ou usados de maneira prejudicial à população do entorno. Um exemplo disso é o do Cantinho do Céu, e outro é a da Vila Brejinho: quando centenas de famílias foram removidas desses bairros, em 2010, prometia-se nesses locais a criação de um parque e de um sistema de esgoto, tanto que passaram a cobrar a água e o esgoto da população que não foi despejada. Porém, o entulho que não foi jogado na represa pela empresa responsável pela obra permanece no mesmo local em que a casa foi destruída, e até hoje o esgoto das demais residências é jogado na represa Billings sem tratamento! (Para mais informações, veja aqui, aqui e aqui)
Cada uma dessas obras tem um custo altíssimo, e um impacto social devastador. Até uns poucos meses atrás, a gestão Haddad insistiu nesse caminho de tirar as famílias humildes para criar os parques de mentira. Uma prova disso é que em fevereiro, empregando os mesmos métodos da gestão anterior, a atual gestão tentou iniciar o despejo de cerca de 2 mil famílias no Parque Cocaia I, ação essa que foi barrada pela organização popular (ver aqui e aqui). E nos últimos meses vimos despejos no Jardim Prainha, no Alto da Alegria, no Jd. Eliana, e existem vários outros na iminência de acontecer.
Como temos repetido, as ocupações que se multiplicaram em nossa região são uma resposta popular a essa política de massacre. Num primeiro momento, a reação da gestão Haddad foi criminalizar as famílias em luta, chamando-as de oportunistas. Depois disso, passou a estimular e a realizar despejos, como o que ocorreu no dia 16 de setembro no Jd. da União (no Itajaí), quando sem ordem judicial e sem aviso prévio a Prefeitura mobilizou a Tropa de Choque e outras forças policiais, que atacaram violentamente crianças, gestantes, idosos, pais e mães de família, e roubaram geladeiras, fogões, camas, instrumentos de trabalho (como maquitas, marretas, pontaletes etc.), celulares, uma filmadora, e diversos outros pertences.Ao mesmo tempo, conseguiram uma façanha: a gestão Haddad alegava que o terreno do Itajaí seria destinado ao Parque Linear Ribeirão Cocaia, e por esse motivo faria o despejo das famílias. Menos de uma semana depois, em reunião marcada após a ocupação da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, o Secretário de Habitação anunciou que o mesmo terreno abrigaria cerca de 5 mil moradias, e que o projeto (que como sempre não foi apresentado aos manifestantes) já estava em Brasília! A capacidade técnica da Prefeitura, que consegue fazer um projeto de 5 mil casas em poucos dias, só é superada pela sua irresponsabilidade política e social. Numa região tão carente de infraestrutura, de equipamentos de saúde, de creches, de transporte, de uma hora para outra a gestão Haddad propõem um adensamento habitacional superior ao da Cidade Tiradentes!!!
O que explica esses argumentos contraditórios, esse vai-e-vem, essa truculência, essa intransigência, esse desrespeito às necessidades da população? A resposta é uma só: vale tudo quando se trata de atender aos interesses econômicos das grandes empresas. Assim, o argumento ambiental é bom como motivo para despejar a população pobre, mas é logo posto de lado quando se trata de atender aos interesses das empreiteiras, os patrões do Haddad. E quem coloca qualquer obstáculo à busca desenfreada dessas empresas por lucros, mesmo com uma reivindicação legítima e de maneira organizada, é tido como inimigo mortal, que deve ser aniquilado.
Como afirmou com todas as letras o Secretário de Habitação, não existe qualquer possibilidade de discutir um projeto habitacional nos terrenos da Prefeitura, pois todos eles serão destinados às “empreiteiras da Prefeitura”. Isso é um lapso do secretário; não é a Prefeitura que possui empreiteiras, são as empreiteiras que possuem a Prefeitura de São Paulo, e outras tantas prefeituras pelo país afora. Elas foram os principais financiadores da campanha do Haddad e dos vereadores do PT, e não é à toa que a administração Haddad manteve na coordenação do Programa Mananciais as mesmas pessoas que faziam parte da gestão Kassab, como o engenheiro Ricardo Sampaio, figura truculenta, arrogante e insensível. Afinal, como diz o ditado, “quem paga a banda escolhe a música”.
Não somos ingênuos, não esperamos de uma Prefeitura qualquer ação no sentido de combater esse sistema podre, que nos oprime. Mas esperávamos um mínimo de esforço por parte da gestão Haddad para evitar uma tragédia social ainda maior, mesmo que isso significasse um lucro um pouquinho menos exorbitante para as empreiteiras.
Da nossa parte, lutamos e nos esforçamos para fugir de duas armadilhas: pensamos a ocupação dos terrenos com a construção de moradias dignas, e não de caixas de concreto, favelas verticalizadas. Além disso, pensamos a ocupação do espaço com a criação de áreas coletivas, espaços culturais, creches, equipamentos de saúde, sistemas de transporte e áreas de lazer que preservem as poucas áreas verdes que ainda existem. É por isso que juntamos a luta por moradia com diversas outras lutas.
Diante disso, cabe refletir um pouco sobre como tem se dado a relação da administração Haddad com as lutas do povo e com os movimentos sociais.
A gestão Haddad e os Movimentos Sociais
A cada nova gestão municipal a hegemonia das grandes empresas é aperfeiçoada. Já faz um tempo analisamos, junto com os companheiros e as companheiras do Pela Moradia, do Rio de Janeiro, a relação entre duas das principais facetas das administrações públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro: a sua militarização e a sua consolidação como um balcão de negócios.
Ao retomar essa discussão hoje, à luz da gestão Haddad, a novidade não estaria na capacidade da Prefeitura em transferir renda para as elites empresariais e garantir a elas cada vez maiores lucros e rendimentos, mas sim em garantir o apoio de forças que até pouco tempo se diziam contrárias a esse processo.
Vamos nos limitar aqui à discussão da habitação, para não alongar demais a prosa. Apesar de acenar com promessas de construção de moradias populares, denunciamos na primeira parte deste texto que os métodos e os interesses da atual administração municipal são os mesmos que o da administração anterior, e que importantes “quadros” da gestão anterior mantiveram seus cargos na gestão atual. Haddad nem mesmo nomeou um secretário de habitação indicado pelos movimentos sociais, e sim pelo Paulo Maluf, que de grande inimigo do PT, se tornou um aliado fiel. Mudou ele, ou mudou o PT?
Questões existenciais à parte, em resumo, foram duas coisas que a gestão Haddad introduziu como novidade, em relação à administração anterior. Em primeiro lugar, foi a ideia de conciliação de classes, de que ricos e pobres compartilham dos mesmos objetivos, e que todos devemos dar as mãos e seguir juntos. Só não falam qual o rumo que tomaremos, pois este é um rumo trágico.
Por que essa ideia de conciliação de classes é uma farsa e uma tragédia? Pois a essência vital das elites é o dinheiro, o lucro. E qual é a fonte do lucro, cuja busca incansável e sem limites move esse sistema podre, que nos escraviza? A resposta, que é óbvia, mas é sempre mascarada, é uma só: a exploração do trabalho. É por isso que “quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”, como diz a sabedoria popular. Assim, se a fonte do lucro é a exploração e a opressão que sofremos, então os interesses dos empresários e os nossos interesses estão em conflito.
Na questão da moradia isso fica muito evidente: para nós interessa uma casa espaçosa, feita com materiais de boa qualidade, que nos garanta privacidade e conforto. Além disso, queremos que no lugar onde moramos existam áreas de lazer, infraestrutura, um bom sistema de transporte e por aí vai. Para a empreiteira do “Minha Casa, Minha Vida” o que interessa é o oposto: ela quer ganhar dinheiro, e por isso interessa a ela jogar o maior número possível de pessoas no menor espaço possível, para economizar materiais e diminuir o tamanho do terreno necessário para fazer as moradias. Se isso não bastasse, interessa à empreiteira utilizar o material de pior qualidade, e pagar os salários mais baixos para seus funcionários, de modo a reduzir ainda mais seus custos.
Ou seja, para nós interessa uma moradia digna, num bairro bem estruturado, e para a empreiteira interessa fazer uma favela verticalizada. Os interesses das elites são opostos aos interesses do povo, e é por isso que a defesa da conciliação de classes é uma picaretagem: significa naprática privilegiar as elites, e distribuir algumas migalhas para a população humilde, dando um “cala a boca” na gente. Mas essas migalhas são resultados da nossa própria exploração, e portanto significam que estamos sendo sugados. E como seríamos desprezíveis se nos contentássemos com meras migalhas…
A outra coisa que a gestão Haddad introduziu, em relação à gestão Kassab, e que é fundamental para dar sustentação à mentira da conciliação de classes, foi uma grande capacidade de cooptação e de subordinação dos movimentos sociais. E não estamos falando apenas de cargos e salários: no interior do programa “Minha Casa, Minha Vida” existe uma parcela destinada às “entidades”, e apesar de ser uma fatia minúscula do “Minha Casa, Minha Vida”, ela significa o repasse de alguns milhões de reais a um conjunto de movimentos sociais ligados ao PT, na imensa maioria dos casos. É por esse motivo que aquilo que era abominado e combatido há poucos meses, durante a gestão Kassab, por esses movimentos, agora é aplaudido ou silenciado. Que passe de mágica tosco!
E como agem muitos desses “movimentos” em relação à população que necessita de moradia? Agem como uma mistura de burocracia do Estado e de imobiliárias: prometem moradia a milhares de pessoas; fazem imensaslistas de cadastros; passam a cobrar dinheiro das famílias, todo mês; e fazem negociatas junto ao governo para conseguir um punhado de unidades habitacionais, que muitas vezes são vendidas às famílias cadastradas. Além disso, trocam a participação das famílias em reuniões e em protestos por pontos. Ou seja, exploram o povo e colocam as pessoas no cabresto! Assim, estes “movimentos” lacaios das empreiteiras e dos governantes fazem da luta da moradia um grande negócio, e se transformam em mais um obstáculo para combatermos essa lógica mercantil e opressora, que só nos prejudica.
Não adianta aqui ficar lamentando o fato de que um partido político e um conjunto de organizações que em sua origem eram combativos, inclusive apoiando e organizando ocupações de terra, agora tentam criminalizar e reprimir duramente as ocupações do Grajaú. E nem adianta apelar para a boa vontade e para a consciência dos ex-companheiros e companheiras, que se tornaram burocratas e parasitas, insensíveis às necessidades da população trabalhadora. Ao contrário, cabe conhecer a fundo essa história, para tentar evitar velhos erros, e sobretudo, cabe a gente se organizar e ir para a luta, pois é no poder popular que reside a esperança de mudar essa situação. E esse poder não provém das urnas, e nem é construído de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, como auto-organização. É NÓIS POR NÓIS, COM NÓIS, PARA NÓIS! As Ocupações do Grajaú Resistem! Todo Poder ao Povo!
http://redeextremosul.wordpress.com/2013/10/08/o-que-as-ocupacoes-revelam-sobre-a-gestao-haddad-2/