Mais de cem mil pessoas tomaram as ruas do Rio em protesto histórico. Milhares de jovens cercaram e atacaram a Assembleia Legislativa, antro dos inimigos do povo
O dia 17 de junho entrou para a história do Rio de Janeiro. Mais de cem mil pessoas lotaram a Av. Rio Branco, no Centro da cidade, em uma nova manifestação que, inicialmente seria contra o aumento da passagem, mas que se tornou num protesto de indignação contra as mazelas que afligem o povo brasileiro. Este protesto foi o mais cheio desde as manifestações pelas "Diretas já" em meados dos anos 80.
As manifestações anteriores haviam sido marcadas por combatividade das massas e pela repressão policial, mas, assim como em todo Brasil, ao invés do movimento murchar, só aumentou. As faixas, cartazes e palavras de ordem que tomaram conta das ruas animaram toda a população carioca.
Antes mesmo da concentração, a Polícia Militar colocou soldados em vários pontos do Centro revistando os manifestantes que se dirigiam para a Candelária, onde foi a concentração do ato. Os P2s (espiões da polícia) também estavam nas imediações da região.
Quando a manifestação chegou na Cinelândia, milhares prosseguiram em direção à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Em um determinado momento, iniciou-se um confronto que, devido às suas proporções, foi o mais violento dos últimos anos. Os cerca de 80 policiais que estavam cercando o edifício foram alvejados por fogos de artifícios, pedras e coquetéis molotov. Cerca de 20 policiais ficaram feridos.
As ruas viraram verdadeiro cenário de guerra. Barricadas foram erguidas, várias agências bancárias e grandes lojas foram destruídas e carros foram incendiados. A situação saiu do controle. Os vídeos feitos por AND registram milhares de manifestantes atacando um grupo de policiais, deixando um deles gravemente ferido. A polícia efetuou vários disparos com armas de fogo, atingindo duas pessoas. Uma delas, o jovem Bruno Alves, foi internado no Hospital do Andaraí, zona Norte da cidade. Felizmente, os dois passam bem. Estudantes de Medicina prestaram socorro aos feridos.
Pelo menos 23 pessoas foram detidas. Ao término da passeata, a polícia começou a efetuar prisões de forma arbitrária. Um policial do Batalhão de Choque foi preso na 5ª Delegacia de Polícia por abuso de autoridade, segundo membros da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). Ele liderou uma ação que deteve oito jovens no Mergulhão, na Praça Quinze. Um dos jovens presos, o estudante de cinema João Paulo André Fuentes, era cadeirante. "Fui à manifestação com meus amigos e estava no ponto de ônibus. Os policiais nos abordaram e nos trouxeram para cá", afirmou à imprensa.
MANIFESTAÇÕES ANTERIORES
Após a manifestação do dia 6 de junho, quando a PM dispersou de forma truculenta centenas de manifestantes na Central do Brasil, no dia 10 um novo protesto foi convocado nas redes sociais. O local da concentração foi a Cinelândia. Às 18h, um grupo de 500 manifestantes deixava o local em direção às escadarias da Alerj.
Lá chegando, PMs tentaram prender uma pessoa por desacato e, rapidamente, manifestantes se insurgiram contra a ação. Bombas de gás foram lançadas pela polícia que foi respondida com uma chuva de cocos, pedras portuguesas e pedaços de pau. Em menos de cinco minutos, a tropa de choque já havia chegado. Contudo, policiais não faziam ideia do que os esperava.
De frente para a tropa de choque, manifestantes sustentaram durante mais de uma hora um intenso confronto com a PM. A reportagem de AND teve dificuldades para fazer imagens devido à grande quantidade de gás na rua. Em um determinado ponto da Avenida 1º de Março, um grupo arrancou os tapumes de uma obra e ergueu uma barricada bloqueando a via de lado a lado.
— Tem mais é que fazer protesto mesmo. O ônibus é muito ruim, meu filho. Não tem nada, está sempre cheio, nós que somos idosos, fazemos sinal e eles não param, tem esse monte de acidente acontecendo também e eles sobem o preço? Parece piada. Mas isso é porque eles estão acostumados com um povo que não faz nada. Tem que mudar isso. Eu só não vou lá junto com eles porque esse gás está ruim pra minha vista — disse a aposentada Maria Aparecida, de 63 anos, quando passava ao lado da manifestação.
Os manifestantes caminharam até a Uruguaiana e, no caminho, picharam em vários pontos "Rebelar-se é justo!" e "2,95 Não!". Pontos de ônibus e bancos tiveram suas fachadas destruídas pela fúria das massas. Um cenário de rebelião popular que há tempos não se via nas ruas do Rio de Janeiro.
A tropa de choque, depois de quase duas horas de intensos confrontos, atacou os manifestantes de surpresa, por trás, e não pouparam violência. A reportagem deAND quase foi atacada simplesmente porque usava máscaras de gás. O protesto, então, se dividiu em vários pequenos grupos, que seguiram com a manifestação em pontos diferentes. Na Central do Brasil, ao lado do campus de direito da UFRJ, novas cenas da violência policial foram flagradas pelas lentes de AND. Sem perceber que estavam sendo filmados, PMs ameaçavam um grupo de oito manifestantes sentados no chão de uma borracharia, apontando spray de pimenta para os rostos dos jovens. Dois deles foram presos porque carregavam máscaras de gás na mochila. Perguntados por repórteres sobre o motivo das prisões, PMs se limitavam a dizer: "Vai procurar a assessoria".
No total, 32 pessoas foram presas. Na 5ª Delegacia de Polícia (Lapa), uma multidão se aglomerava exigindo a libertação dos presos. Advogados da comissão de direitos humanos da Alerj e da OAB ajudaram a família de um dos detidos, que teve que pagar fiança no valor de um salário mínimo. Manifestantes gritavam palavras de ordem e passavam um chapéu, coletando dinheiro para ajudar os pais do estudante a pagar o valor exigido pelo juiz.
DE CENTENAS A MILHARES
No dia seguinte, milhares de pessoas já confirmavam presença nas redes sociais no evento intitulado "II Ato nacional contra o aumento das passagens", que aconteceu no dia 13, quinta-feira. Horas antes do ato, o gerente estadual, Sérgio Cabral, foi à TV, com a arrogância de sempre, dizer que as "manifestações estão tendo um caráter de uma articulação com ar político que não é uma manifestação, eu diria, espontânea da população". O prefeito Eduardo Paes também esbravejou que "a tabela é explícita. Está lá o custo do motorista, o custo do carro, o custo do óleo diesel que é usado no veículo. Isso é completamente transparente".
Mas tanto o governador, quanto o secretário e o prefeito, importantes aliados da máfia das empresas de ônibus, não perdiam por esperar.
Antes mesmo de sair da Igreja da Candelária, onde foi marcado o protesto, mais de cinco mil pessoas já engordavam a concentração. Em menos de meia hora, a praça da igreja da Candelária já estava pequena para o número de manifestantes concentrados. O ato foi até a Cinelândia, onde siglas oportunistas — como sempre, tentando capitalizar a direção — propuseram o fim da manifestação ali mesmo. No entanto, os grupos independentes que, desde o início, sustentam o movimento contra o aumento das passagens, protestaram, e propuseram que o ato seguisse até a Alerj. A esmagadora maioria preferiu seguir com o ato aos gritos de "Acabou o amor, isso aqui vai virar a Turquia!". Um repórter da Rede Globo teve que ser escoltado por PMs à paisana para não ser linchado pela massa.
Os milhares de manifestantes pararam na Alerj e, em seguida, caminhou em direção à Central do Brasil. No meio do caminho, na Avenida Presidente Vargas, PMs partiram para cima da massa, que mais uma vez não se intimidou. Pedras, paus e coquetéis molotov foram jogados pela multidão contra a polícia. Os manifestantes seguiram atacando bancos e pontos de ônibus até o prédio da prefeitura. No total, oito PMs ficaram feridos e 18 manifestantes foram presos. Em 14 de junho, na cidade vizinha de Niterói, também houve protestos contra o aumento do preço das passagens. O ato, realizado no dia 14 com cerca de duas mil pessoas, também foi marcado pela repressão da polícia.
Os diversos vídeos feitos pela reportagem de AND podem ser vistos no blog da redação do jornal: anovademocracia.com.br/blog.