Há uma greve de policiais militares na Bahia, ou um motim? Policiais militares são trabalhadores ou braço das elites econômicas e políticas do País?
Nos debates do Congresso Nacional Constituinte eleito em 1986 e que propôs, discutiu e votou a Constituição de 1988 várias emendas foram apresentadas propondo a fim das polícias militares com a estrutura que dispõem e conceituando a instituição Polícia como civil.
As policiais militares foram problemas para os próprios generais do golpe de 1964. A exceção da PM de Minas Gerais todas elas, a rigor, sofreram um processo de intervenção a partir do AI-5 e passaram a ser comandadas por oficiais do Exército, diretamente subordinados ao poder central da União. A ditadura.
E foi nessa condição que se transformaram em um tentáculo de extrema importância para a repressão. Militares a serviço da ditadura, à época, concluíram que era necessário integrar as polícias estaduais ao processo ditatorial vigente no Brasil. A avaliação era simples. Eram profissionais.
Profissionais em que? O DOI/CODI principal instrumento de repressão que se seguiu à barbárie do AI-5 precisava de torturadores sem qualquer tipo de escrúpulo, que muitas vezes se manifestavam em um ou outro militar das forças armadas, quando se tratava de tortura, de toda a sorte de boçalidades contra adversários do regime. É aí que entra o profissionalismo. Foi aí que nasceu o delegado Sérgio Fleury, morto pela própria ditadura quando se tornou poderoso demais e incômodo aos “donos”.
O regime de terror aplicado aos presos comuns transferiu-se através das PMs (principalmente) e da Polícia Civil (DOPS – Departamento de Ordem Política e Social) para os presos políticos, os presos por “crime” de idéia. DOI/CODI foi um aparelho da ditadura que incorporava todo o espectro de militares golpistas e polícias estaduais. Num dado momento, quando da OPERAÇÃO CONDOR (que juntou agentes norte-americanos e de países da América Latina controlados por ditaduras militares), essa dimensão se tornou bem mais ampla.
Brasileiros foram presos em países como a Argentina, num trajeto de sangue trazidos ao Brasil, onde foram torturados e assassinados, caso do major Cerveira. Adversários do regime de Pinochet foram assassinados no Uruguai (general Carlos Pratts), Orlando Letelier (ex chanceler do governo Allende, morto em New York pela polícia secreta da ditadura chilena) e o boliviano Juan José Torres, general nacionalista assassinado no exílio.
Só a guisa de ilustração, um dos principais mentores dessa operação foi o agente norte-americano Dan Mitrione (especialista em tortura, sevícias, assassinatos etc), com passagem pelo Brasil – seu tradutor foi o ex-senador e ex-ministro Hélio Costa, ligado à REDE GLOBO, outra ponta noutro ponto do processo ditatorial.
Ser trabalhador no entendimento comum da palavra não significa, necessariamente, que haja consciência de trabalhador no conceito clássico de Marx. A classe dominante, exploradora e a classe oprimida.
Policiais militares são trabalhadores, mas o “lugar de classe” que ocupam é ao lado das elites opressoras.
O assunto é muito bem definido no trabalho da socióloga Vanessa Tavares Dias, IUPERJ e pode ser visto em
http://www.cchla.ufrn.br/cronos/pdf/10.2/a02.pdf
O que acontece na Bahia e deve acontecer em outros estados brasileiros nos próximos dias é um motim. Policiais militares ocupam prédios que normalmente estão acostumados a desocupar de forma brutal e violenta, usam crianças e mulheres como escudos e saem às ruas à paisana, mas portando armas que pertencem ao Poder Público, matando, incitando a violência e praticando toda a sorte de vandalismo, gerando um processo de medo e intimidação, sem qualquer consciência de classe, ainda que se escorem em partidos e organizações ambíguas, ou deles tirem proveito, não importa, enquanto buscam ganhos salariais maiores.
Querem que as classes dominantes paguem mais para que possam matar impunemente, prender e torturar sem qualquer preocupação, promover chacinas como a de Eldorado do Carajás, ou Pinheirinho, tudo nos conformes e no papel que cumprem de “trabalhadores” agregados e subordinados, a serviço de banqueiros, grandes corporações e latifundiários.
Os privilégios da Polícia Militar de Minas Gerais – falam em “greve” – em relação aos servidores públicos estaduais (professores, médicos, engenheiros, serventes escolares, funcionários da administração, etc) são absurdos. As datas de pagamento são diferenciadas inclusive.
O ministro da Justiça, que sumiu no episódio do bairro Pinheirinho em São José dos Campos (o governo Dilma apareceu depois de arrombada a porta e nem disse que vai por tranca, continua sem dizer a que veio), resolveu dar o ar da graça no motim de policiais baianos.
O governo estadual é do seu partido – o que não quer dizer muito em relação ao conceito de Polícia Militar – e às vésperas de eleições municipais é preciso debelar situações como essa. São quase cem homicídios desde o início do motim e boa parte deles cometidos por policiais militares a paisana, com armas que pertencem ao Estado para, exatamente, gerar a inquietação, o medo, numa época decisiva para os baianos, o carnaval.
Em Pinheirinho os PMs cometeram os mais diversos crimes na tal reintegração de posse. Desde abusos sexuais contra moradores, saque de pertences de moradores e a violência costumeira que é marca registrada dos “trabalhadores” a soldo das classes dominantes.
Na segunda-feira, em Belo Horizonte, um PM assassinou um motoboy já rendido – dominado – e foi preso por isso. Que tipo de classificação se pode dar a uma atitude dessas em quem deveria estar preparado para a função policial?
Não é polícia.
No Congresso Nacional Constituinte de 1986 o lobby das PMs foi caro e forte em cima de deputados e senadores. Os privilégios e a anomalia num estado democrático foi mantida com a estrutura que vem desde os tempos de coronéis políticos que controlavam os seus estados com jagunços/PMs.
De lá para cá é grande o número de policiais militares que buscam mandatos de deputado (estadual ou federal) para manter intocados os privilégios dessas corporações.
A própria justiça militar estadual passou pelo crivo dessa história de privilégios. O conceito sobre o que é crime militar e o que não é crime militar. As dúvidas beneficiavam e hoje beneficiam de forma menos descarada, criminosos escondidos atrás de fardas e garantidos pelo Poder Público.
É hora de um debate nacional sobre o assunto e não de medos diante da horda de “trabalhadores” que prende, arrebenta e tortura, mata e busca escudo em crianças e mulheres, pior, encontra amparo em organizações ditas populares. O mesmo amparo que os agressores de uma trabalhadora num ponto de ônibus no Rio de Janeiro encontraram quando seus pais protestaram – moradores de condomínios de luxo – que os filhos não eram bandidos, haviam apenas cometido uma peraltice ou coisa que o valha. Ou agora, os que espancaram um mendigo no Rio. Para a GLOBO os caras que assim o fizeram, agrediram inclusive quem tentou defender o mendigo, eram homens e o mendigo era mendigo.
Terminada a greve, não é preciso ter dúvidas disso, os “trabalhadores” da PM voltarão à faina de prender pobre, negro, puta, homossexual, espancar professores, trabalhadores com consciência de classe e assim por diante.
Não há greve na Bahia. Existe um motim. Os jagunços querem ganhar mais para massacrar os trabalhadores com consciência de classe.