DILMA PARA ALÉM DA ONU

Muhamad Ali costumava dizer que existem duas formas distintas de lutar boxe. Uma delas por fora. Ou seja, a maneira como lutava. Segundo ele bailando ao redor do adversário e impedindo-o de aproximar e forçar o corpo a corpo. A outra, exatamente a de permitir a aproximação, lutar no corpo a corpo. Referia-se a ela como lutar por dentro.

Dilma Roussef luta por dentro.

Se o discurso que fez abrindo a Assembléia Geral das Nações Unidas foi positivo em vários itens, no todo o balanço é no mínimo contraditório.

O Brasil é hoje uma das grandes potências econômicas do mundo. Em breve deve superar a Itália (em estado pré-falimentar) e não em período muito distante a França, já preparada para um pedido de concordata.

É a primeira vez na História que a América Latina como um todo e os países do chamado BRICS (BRASIL, RÚSSIA, ÍNDIA, CHINA e ÁFRICA DO SUL), ganham importância diante do acelerado caminho para o precipício da Comunidade Européia e de uma crise gigantesca nos EUA (que a mídia brasileira teima em esconder).

A falência do modelo político e econômico.

Se a presidente do Brasil defendeu o Estado Palestino - já defendido pelo governo anterior, o de Lula -, há um tratado de livre comércio com Israel, também assinado pelo governo Lula, que permite um avanço único em todos os tempos do capital sionista sobre o nosso País. Empresas israelenses controlam hoje a indústria bélica brasileira. Isso significa limitar nossa soberania e inviabilizar expectativas de progresso tecnológico na área, além, é obvio, de criar dependência.

O jogo é feito dentro das perspectivas oferecidas pelo modelo. E Dilma dá uma no cravo e outra na ferradura, tal e qual Lula fazia.

A idéia que vendem alguns setores do governo, essencialmente do PT, que o mingau tem que ser comido pelas beiradas é um equívoco. O outro lado também pensa assim e é muito mais poderoso. Pelo menos por enquanto.

A presidente do Brasil fez críticas pertinentes e corretas sobre a crise mundial, do alto de um governo que tem superado essas dificuldades, mas não é invulnerável à crise como ela própria disse, mas tudo dentro das regras neoliberais.

Ao falar da crise grega lembrei-me de um banqueiro de Minas cujos negócios estavam indo água abaixo e convocado pelos outros banqueiros a explicar o problema foi claro. "Quem tem um problema são vocês, eu não. Se eu quebrar arrasto todos".

Foi mais ou menos o que Dilma disse sobre a Grécia. Como querem que o país saia da situação que se encontra se o torniquete dos bancos e das grandes corporações vai sendo apertado sobre os gregos e de um jeito tal que a sobrevivência se torna impossível? Mas daí a mandar os credores para os raios que os partam há uma diferença imensa. Seria o caminho natural numa luta por fora.

A mídia tradicional falou em "puxão de orelha nos EUA e na Comunidade Européia".

Mais uma vez a luta por dentro.

Ao contrário das declarações sobre o Estado Palestino e as críticas ao processo de ajuda a países em crise, no Brasil o governo atua noutra direção. A favor de bancos, grandes corporações, mantém os leilões de bacias petrolíferas, faz concessões a empresas estrangeiras em vários setores (o caso do IPI dos carros é um tanto surrealista. O governo protege a "indústria nacional" que é Ford, GM, Volks, Fiat, etc, não temos um carro nacional lato senso).

A confusão gerada pela Copa do Mundo em 2014 abre espaços para privatizações de aeroportos. Permite o avanço dos grupos supostamente nacionais, mas ligados a grandes corporações e bancos estrangeiros. E o Código Florestal transforma o latifúndio em uma espécie de instituição irremovível e acima da lei e de qualquer política séria no presente e com vistas ao futuro em se tratando de meio-ambiente.

Nem no governo Lula e nem no governo Dilma existiram ou existem mudanças substanciais na devastação provocada pelo governo FHC. Administra-se apenas e por dentro, sem mudar as regras, o modelo desenhado àquela época.

Avanços nas políticas sociais? Sim, mas insuficientes para proporcionar perspectivas de um avanço mais seguro, em que sejamos os senhores do nosso destino.

Será que o governo tem noção de propriedades rurais de estrangeiros no Brasil? Imensas extensões de terra sistematicamente compradas por esses grupos?

O discurso de Dilma na ONU foi crítico, mas não propôs nenhuma mudança efetiva no modelo falido. As ações do governo no Brasil continuam presas a alianças complicadas, o que o torna refém de políticos desclassificados como José Sarney (e tudo o que ele representa e traz consigo).

Não houve avanço na participação popular. O setor de comunicações esbarra na reação dos grupos que controlam esse importante segmento do Estado e o próprio ministro, Paulo Bernardo, é homem das empresas e não do Brasil ou dos brasileiros. A entrega da banda larga às teles é um exemplo disso.

A reforma agrária patina. O latifúndio avança. O agronegócio virou tábua de salvação tanto no governo Lula, como no governo Dilma e isso é uma contradição sem tamanho.

Cada vez mais o Brasil é invadido por esse modelo sem que haja nada além de um gerenciamento para evitar efeitos colaterais que possam trazer descontentamento popular e levar o PT a uma derrota eleitoral.

Dia desses a jornalista Lúcia Hipólito, numa dessas armações típicas do esquema que representa, estabeleceu comparações entre os dias de hoje, os governos Lula/Dilma e o governo do ex-presidente João Goulart, deposto por um golpe militar montado em Washington.

Não há semelhança alguma. Jango enfrentou as elites e tentou mudar as estruturas do País com as chamadas reformas de base (reforma agrária, urbana, fiscal, tributária, abertura das comunicações a sindicatos e entidades comunitárias, etc). Lula e Dilma gerenciam a arapuca neoliberal montada por FHC e atenuam os impactos negativos.

Processos de suma importância como a integração latino-americana. A reforma agrária. O veto ao controle do País pelos latifúndios (o código florestal e o caos ambiental que vai gerar), a retomada do monopólio estatal do petróleo, uma discussão ampla para todos os brasileiros sobre as privatizações feitas por FHC em setores estratégicos (VALE, EMBRAER, etc), o poder das agências reguladoras (onde os que decidem de forma irrevogável não têm mandato popular, logo não tem nenhum caráter democrático, é apenas um jeito de garantir o esquema).

O governo não toca em nenhum dessas questões chaves e ainda por cima negocia com graves prejuízos para a História e provocando seu próprio enfraquecimento, a revelação das barbaridades cometidas durante a ditadura militar, sabidamente um golpe de estado para atender a interesses norte-americanos e o que interesses norte-americanos significam.

Lutar por fora, enfrentar esses desafios não foi a característica do governo Lula e não é a do governo Dilma. O que existe são divergências com outros países dentro do modelo, observados os limites impostos pelo modelo e só isso.

Todo o puxão que Dilma dá em orelhas norte-americanas e européias não muda absolutamente nada, mesmo porque é apenas discurso, não tem correspondido à realidade, à prática.

Esse fato já foi percebido pela oposição e mesmo sem base, distante dos anseios populares, envolvida em disputas internas, toma a si a mesma bandeira do combate à corrupção, sendo eles, os promotores da campanha os corruptores. Como se o combate à corrupção implicasse em deixá-los soltos. FHC, Serra, banqueiros, Alckimin, Aécio, Anastasia, REDE GLOBO, a mídia comprada sistematicamente, braço do modelo, logo da corrupção que lhe é implícita

Os corruptores junto aos corruptos lutando contra a corrupção como forma de paralisar o governo, de acuar o governo e encontrar espaços para em 2014, seja pelas mãos de um tresloucado Aécio Neves, ou de um cínico José Serra, colocar de novo as garras no Planalto.

Em tudo isso há uma responsabilidade imensa. O PT e nem Lula ou Dilma são inventores da esquerda, do socialismo, de políticas sociais ou detêm a verdade única.

E Goulart era um homem digno em todos os sentidos. Como Dilma, ninguém afirma o contrário. Mas Jango partiu para um processo de ruptura que seria definido pelos brasileiros nas eleições de 1965 e o golpe de 1964 foi apenas para cortar esse processo.

No artigo da jornalista Lúcia Hipólito ela fala em peleguismo no governo Goulart. O maior líder sindical daquela época, o ex-deputado Clodesmith Riani vive em Juiz de Fora, MG, de forma modesta, simples, com dignidade, pois trouxe consigo e para os seus o exemplo do caráter íntegro. Não sei hoje os tais líderes sindicais desfilando em carros último tipo, morando em mansões, ou seja, grudados no governo sem que isso signifique mudança efetiva do modelo.

Não há como comparar Jango e Lula, ou Jango e Dilma. Jango enfrentou o touro com as próprias mãos e Lula e Dilma contornam o bicho. Jango se propôs a mudar as estruturas do País e Lula e Dilma remendam aqui e ali num projeto que não mostra luz no final do túnel, pois acreditam, o discurso de Dilma fala isso, no modelo neoliberal.

Do contrário teria recomendado aos gregos mandar os seus credores às favas, promover uma auditoria da dívida, repetir o exemplo da Argentina. É que os EUA fazem no desespero da falência. Mas via intimidação com seu poderoso arsenal nuclear, vale dizer chantagem.

As críticas, na verdade, foram o morde, porque por aqui tem o assopra.

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