UM MENINO DE SETE ANOS E UM LAPSO DEMOCRÁTICO

Mateus Rodrigues, sete anos, foi executado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. O fato aconteceu a cerca de cinco dias, na Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré. O tiro atingiu a boca de Matheus. O menino estava saindo para comprar um pão. Tinha consigo uma moeda de um real.

A reação dos moradores não permitiu que os bombeiros retirassem o corpo de Matheus antes da presença de um perito.

Em meio ao tumulto, inclusive a presença de um "Caveirão", um outro menino de oito anos saia da Escola Municipal IV Centenário e entre soluços de choro e medo disse que a "polícia só vem aqui matar a gente, as crianças".

O governador Sérgio Cabral chama isso de "combate sem tréguas ao crime organizado e ao tráfico de drogas". O crime continua organizado e o tráfico de drogas mantém-se intocado.

O próprio governador Sérgio Cabral admitiu faz algum tempo, em campanha, que "já usei maconha". Nem estou entrando no mérito de usar ou não, problema dele. Tão somente registrando que os consumidores de droga não estão no Complexo da Maré, a maior favela da cidade do Rio de Janeiro. Estão nos bairros de classe média, classe alta e especificamente nos condomínios fechados, de onde saem para "justiçar prostitutas" e de quebra roubar seus celulares e dinheiro para comprar drogas.

O presidente Luís Inácio Lula da Silva desde a sua primeira campanha presidencial, 1989, tem reiterado – em campanha – a disposição de exigir a divulgação dos documentos do período da ditadura militar e que, especificamente, digam respeito à guerrilha do Araguaia e aos presos e desaparecidos nos aparelhos de repressão, os açougues da ditadura. 

Presidente desde janeiro de 2003 Lula não cumpriu a promessa e cada vez mais se distancia dos compromissos assumidos em praça pública. Fez a opção de entrar no clube de amigos e inimigos cordiais do mundo institucional e como afirma o comentarista Joelmir Beting é inexplicável que em meio a furacões e terremotos sua popularidade atinja os níveis que atingiu na última semana.

Ou por outra, só se torna possível imaginar que esse fato seja real se cada um dos interrogados pelo Data Folha, instituto que fez a pesquisa, estiver pensando em Fernando Henrique Cardoso. Aí o índice de Lula é baixo, pois é impossível ser pior que FHC. Pelo menos até José Serra.

A História não se faz com lapsos e nem a democracia sugere que um período de 20 anos dessa História seja guardado a sete chaves, escondendo em arquivos, almoxarifados e sabe-se lá o que, todo um processo sangrento, cruel, perverso, golpista, montado num aparelho repressivo criado à imagem e semelhança de qualquer regime tirânico em qualquer lugar do mundo e conduzido por figuras sinistras como Brilhante Ustra, que tomo aqui como síntese/símbolo dos torturadores, assassinos e estupradores da tal "legalidade revolucionária".

"NA MADRUGADA DO DIA 6/12/1973 EM BUENOS AIRES, FLEURY ENTREGA CERVEIRA A REPRESSÃO BRASILEIRA APÓS SEU SEQUESTRO NA CAPITAL PORTENHA ÀS 18 HORAS DO DIA 5 DE DEZEMBRO, EFETUADO COM A COLABORAÇÃO DE AGENTES DA POLÍCIA FEDERAL E DO EXÉRCITO ARGENTINOS.
CERVEIRA FOI ASSASSINADO NA MADRUGADA DE 13 DE JANEIRO NO DOI-CODI DO RJ ONDE CHEGOU AS 23 HS TRAZIDO EM UMA AMBULÂNCIA DO DOI-CODI DE SP, ENTREGUE SEGUNDO TESTEMUNHO DE UM OFICIAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO PELO "DR. TIBIRIÇA" OU CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA"

O major Cerveira era um brilhante oficial do Exército Brasileiro. No expurgo de mais de dois mil militares, entre oficiais, suboficiais e praças que se seguiu ao golpe de 1964 foi uma das vítimas dessa brutalidade. Ele e sua família.

De um cartel de torturadores, seqüestradores, assassinos, estupradores conhecido como DOI/CODI, que se juntou a cartéis outros, chileno, argentino, uruguaio, paraguaio, o conjunto das ditaduras militares na América do Sul, com mais ênfase às do chamado Cone Sul.

Formaram algo como uma holding do terror oficial. Lideranças democráticas e populares foram seqüestradas, presas, torturadas, estupradas e assassinadas. Centenas permanecem ainda no jargão "desaparecidos". 

A Operação Condor.

Lula recebeu em Brasília a ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt. Condenou o que chamou de seqüestro da moça, defendeu a luta política desarmada, citou-se como exemplo de "mandatário popular" eleito pelo voto e mesmo não tendo chegado ao "sifu". Que nem foi tão ridículo assim, mas foi ao centro de um alvo em que o "tiro certo" foi dado no próprio pé.

Pé dos compromissos assumidos em praça pública centenas de vezes e não cumpridos.

"CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DO BRASIL

PRESIDENTE LULA, VC RECEBEU TÃO CARINHOSAMENTE A INGRID BETENCOURT, CONDENOU VEEMENTEMENTE OS SEQUESTROS. DURANTE SEU SEQUESTRO, COMO ELA MESMO DISSE VC FOI INCANSÁVEL NA LUTA P/ SUA LIBERTAÇÃO. PQ NÃO FAZ O MESMO POR NÓS, SEUS COMPATRIOTAS. PQ NÃO USA A MESMA VEEMENCIA PARA OBRIGAR OS TERRORISTAS DA DITADURA A INDICAR O QUE FIZERAM DOS CORPOS DE NOSSOS PARENTES SEQUESTRADOS PELA OPERAÇÃO CONDOR, BARBARAMENTE ASSASSINADOS E DESAPARECIDOS. LEMBRO A SUA EXELÊNCIA, QUE FOI UM COMPROMISSO SEU DE CAMPANHA RESOLVER DEFINITIVAMENTE ESSA QUESTÃO. EU COBRO ESSE COMPROMISSO! É A HORA PRESIDENTE! ATÉ QUANDO LEVARÁ O NOSSO SOFRIMENTO?  BASTA UMA PALAVRA SUA PARA RESOLVER ESSA QUESTÃO.

COMO DESEJA ENTRAR PARA A HISTÓRIA DO BRASIL: COMO O PRESIDENTE QUE TRAIU SEUS COMPROMISSOS COM SEUS COMPANHEIROS MORTOS OU COMO UM ESTADISTA Q NÃO FICOU DE JOELHOS PERANTE A ESCÓRIA DO EXÉRCITO BRASILEIRO? E, ENTÃO PRESIDENTE? NÃO SOMOS INGRID, ALGUNS DE NÓS ESTÃO MORRENDO, DE VELHICE, DE SEQUELAS DE TORTURA E DE SOFRIMENTO INIMAGINÁVEL POR UMA ESPERA QUE NÃO ACABA. LEMBRO A SUA EXELENCIA,  QUE SUA VITÓRIA EM GRANDE PARTE, ESTÁ PAVIMENTADA SOBRE O CIMENTO DOS CORPOS E DA RESISTÊNCIA DE  NOSSOS PARENTES E DA NOSSA DOR, MAS, SEMPRE DO NOSSO APOIO. O QUE FALTA PRESIDENTE? VC É O CHEFE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL, DÊ A ORDEM QUE O TRANSFORMARÁ VERDADEIRAMENTE  NUM ESTADISTA! OU ENTRE PARA A HISTÓRIA COMO  PILATOS. ESPERO UMA RESPOSTA, SOU BRASILEIRA, TENHO MAIS DIREITO AO SEU APOIO DO QUE A INGRID."

O menino Mateus foi vítima de uma boçalidade corriqueira porque banalizada nos dias de hoje pela mídia que transforma o mundo, a vida num espetáculo de cores, luzes e barbárie.

Morava numa favela, a maior do Rio.

O major Cerveira foi um dos brasileiros que lutou com sacrifícios maiores que a própria vida pela dignidade de todos os "mateus". 

Ingrid Betancourt é "garota propaganda" de uma das maiores empresas de cosméticos do mundo. Corre o planeta inteiro mostrando sua jovialidade depois de anos de "cativeiro", em que ora era apresentada como "semi morta", ora "em estado de pré-coma" e saiu lépida e fagueira numa operação que o governo de seu país, a Colômbia, ligado ao tráfico de drogas, ludibriou os que fato conduziram o processo de libertação da moça.

Os fabricantes de cremes milagrosos e outras coisas mais farejaram no rosto da ex-senadora a possibilidade de transformá-la num outdoor ambulante e vivo dos seus produtos. 

"Ingrid Betancourt usou os nossos produtos durante todo o tempo que esteve presa e vejam seu rosto jovem e seus dentes brilhantes".

Cerveira, que tomo aqui como símbolo/síntese dos lutadores do povo, deu a vida por convicções e ideais. Impôs-se sacrifícios quando a porta larga do oportunismo e da corrupção estavam escancaradas a quem se prestasse ou a ser um Brilhante Ustra (torturador, estuprador, assassino) ou se deixasse levar pelo silêncio e pela omissão, caso do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.

"LEMBRO A SUA EXCELENCIA,  QUE SUA VITÓRIA EM GRANDE PARTE, ESTÁ PAVIMENTADA SOBRE O CIMENTO DOS CORPOS E DA RESISTÊNCIA DE  NOSSOS PARENTES E DA NOSSA DOR, MAS, SEMPRE DO NOSSO APOIO".

Será que Lula se lembra? Existem tropas brasileiras no Haiti praticando toda a sorte de atrocidades contra um povo inteiro. Um general brasileiro culpa os índios pelos riscos à soberania nacional, à integridade do território brasileiro, em defesa de latifundiários e companhias estrangeiras. Outro se mete a mandar tropas para a fronteira com o Paraguai, em tom intimidatório contra o legítimo direito do governo paraguaio e do povo, de reforma agrária e preço justo pela energia de Itaipu, contratada, aliás, à época da ditadura num processo infame de corrupção.

"O QUE FALTA PRESIDENTE? VC É O CHEFE SUPREMO DAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL, DÊ A ORDEM QUE O TRANSFORMARÁ VERDADEIRAMENTE  NUM ESTADISTA! OU ENTRE PARA A HISTÓRIA COMO  PILATOS. ESPERO UMA RESPOSTA, SOU BRASILEIRA, TENHO MAIS DIREITO AO SEU APOIO DO QUE A INGRID."
NEUSAH CERVEIRA (FILHA DO MAJOR CERVEIRA, SEQUESTRADO ASSASSINADO E DESAPARECIDO)

O "sifu" de Lula escandalizou apenas uma elite que imagina que palavras devam ser pomposas e solenes. Deixou estupefata uma elite apátrida mergulhada na corrupção e no entreguismo mais deslavado possível, na hipocrisia das elites em qualquer lugar do mundo.

O verdadeiro "sifu" está silente no esquecimento da promessa presidencial e no sorriso "colgate" de Ingrid Betancourt, a "seqüestrada" que era apenas uma prisioneira de guerra, como tantos na Colômbia e em várias partes do mundo, no que a própria filha do major Cerveira chama de "fase IV da Operação Condor".

Até que esses documentos sejam públicos. Até que a verdade sobre toda a repressão na ditadura militar seja conhecida. Até que apareçam os corpos de centenas de desaparecidos. Até que sejam punidos (como o foram e estão sendo na Argentina e no Chile) os torturadores, assassinos, estupradores e seqüestradores chancelados de "comandantes democráticos."

Até que Lula cumpra sua promessa haverá apenas uma farsa democrática, um lapso democrático, dolorido e cruel no coração dos familiares das vítimas. Uma ausência nas gerações presentes, que tentam conduzir como manadas em direção a um show que se não é dirigido por Dan Mitrione (especialista em tortura mandado pelos EUA para "aulas" aos brasileiros, e vizinhos na ditadura), é conduzido com perversa maestria pelos que apagam as memórias e escondem as verdades, ou esquecem as promessas. Em mirabolantes efeitos especiais.

A carta ao presidente não é um apelo ou uma súplica. É um grito de revolta e asco diante da omissão do último dos brasileiros a ter o direito de ser omisso. Lula.     

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