Confirmado pelos moradores antigos dos Cajueiros que meu velho Sorriso tinha falecido. Perdeu a cidade a sua beleza de nossas alegrias infantis. Como ele outros vultos alegres e felizes de milhares de cidadas deste Brasil somem de nossas visões diárias e devem ir habitar patamares superiores na existência do universo. Fica em nossas Paredes memoriais suas presenças...
O ano não lembro. Sei que existiam pessoas com todo o tipo de apelido. Apelidos que, eram parecidos com seus donos. Quem não se recorda de Diabo Comendo Mariola, de Papão, de Cabeça de Manga espada que morava na Rua do Meio na casa de vovô Idibaldo:. onde andará, se é que alegria anda, as gargalhadas puras de Jonas Brandão, o feliz "Jonas macacada?... E Cata-Quiabo do Morro do carvão?.
Se olharmos bem para essas figuras do folclore, saberemos que existe uma correlação de identidade entre eles e seus pseudônimos. A sabedoria popular transcende o real.
Em Macaé, muitos nomes ficaram presos a nossa Parede Memorial. Alguns são tão conhecidos que só atendem se chamados pelos apelidos. Foi assim com o bom “Dunga” da Rua da boa Vista. Contam que um dia, estando meio distraído na Rua Direita, um carro vinha em sua direção. Alguém de Boa Vista, se não me engana a memória “Boca Preta” ou Ivairzinho Itagiba gritaram: “Cuidado José Silva. Olha o carro!”. Ele não se tocou. “Aí alguém gritou: -”“ Dunga”, vem um carro”. Foi um pulo só. A sua mente havia condicionado a substituição do próprio nome pelo apelido. Coisas do afetivo...
Nos Cajueiros, Bairro macaense que era um sítio de propriedade de um velho português de nome Casculheiro, havia um negro, alto, bonito, muito alegre, que atendia pelo codinome de “Sorriso”. Acho que nunca um apelido caiu tão de acordo como o deste belo negro. A gente, ainda criança, passava por ele perguntando: “Sorriso, como vai”?
Era um abrir de dentes alvos num dos mais belos sorrisos que jamais tínhamos visto. Parecia que algo de sobrenatural assumia a face deste senhor ainda jovem. Transmitia, no abrir de sua boca, algo que penetrava no ar, amalgamando-se em expressão de felicidade. Ele nos possuía por inteiro. Era “Sorriso”, talvez o único dono deste pseudônimo.
Acho que nunca mais alguém vai ter esse apelido. Parecia que a Criatividade Popular tinha condicionado a melhor adaptação nominal aquele homem escolhido dos deuses, para ser chamado de “Sorriso”. Creio que depois dele, outra pessoa não teria coragem de responder pelo chamamento.
O tempo passou. Uns anos atrás, revi o meu personagem central. O mesmo andar altivo. O mesmo tamanho dos meus tempos infantis. O mesmo olhar. Cruzamos um pelo outro em frente à “Nova Aurora”. Abri o peito, como nos bons tempos dos II anos, e fui direto ao seu encontro dizendo: “Sorriso”, como vai?”“. Os milésimos de partículas de segundo que separaram, no ar, a chegada de minha voz a sua consciência, foi o tempo final de minha alegria. Houve uma resposta, sim. A mesma voz, a mesma atenção. Só que não houve sorriso. Prendendo entre faces e lábios um condicionamento diferente, ele não era mais o “Ssorriso” de minhas andanças infantis. Tapava com a mão as falhas que o tempo lhe impôs, na falta de sua verdadeira identidade. Não sorria mais o velho sorriso.
Pensei cá comigo enquanto caminhava em direção a “Praça da Igreja Matriz de São João Batista”.
“Como seria bom se todos pudessem ter acesso aos serviços Médicos e Odontológicos grátis.
Assim. “Sorriso” poderia continuar a sorrir...”
(José Milbs editor de www.jornalorebate.com e historiador/memorialista)
Nota do Autor: Casculheiro morou em Macaé. Homem rico. Solitário. Deixou todos os seus bens para A Irmandade de São João Baptista que ainda mantém muitos de seus pertences. Dentre eles o Asilo, Hospital, vários terrenos, o morro que divisa com o Forte Marechal Hermes até as pedras da Praia do Forte e o próprio Hospital de São João Baptista. Na doação “ele proibia que se dilapidassem o patrimônio”...(Escritura Pública de Doação)