Os ônibus sempre levam mais do que podem. Por ser um transporte coletivo parece obrigado a colecionar o maior número de passageiros diferentes possível, deve ser esta a razão para carregar multidões em seu interior, só pode ser isso!? Se existe outra explicação, não serão os donos das grandes empresas de ônibus que irão dar, até porque a função deles é aumentar a passagem e diminuir os ônibus. Diminuí-los?! Reduzem a frota e o seu tamanho! Ah, como detesto os micrônibus. Isso é para carregar gente mesmo?! Às vezes, chego a ficar arrepiado, me sinto como se estivesse nos navios-negreiros da época colonial, amontoado, sem nenhum conforto ou segurança. O interessante é a democracia existente nos “busus”, como são carinhosamente apelidados os nossos ônibus, transportam pessoas de todos os tipos, etnias, idades, condições sociais, econômicas e políticas, e a depender carregam cachorros, gatos e galinhas. Digamos que seja o meio de transporte mais democrático que exista, perdendo apenas para o “andar a pé”. Dentro dos ônibus presenciamos de tudo: vemos a solidariedade do jovem ao ceder lugar para a senhora idosa; o colega desconhecido de faculdade que se oferece para segurar os livros do outro desconhecido; o alfabetizado “cego” que mesmo vendo um recipiente com a inscrição “lixo” insiste em jogar amendoins, papel de bala pela janela e grudar chicletes debaixo dos bancos para que algum mané, como eu, possa ao se segurar durante uma freada grudá-los por entre os dedos das mãos; e tem até os que se acham Picasso ou escritores que vêem nas poltronas do ônibus uma maneira de manifestar sua arte, com desenhos obscenos e frases criativas como “Fulano, o Pitbull” ou “Você é veado”- todo ônibus tem uma dessas. É também nesse meio de transporte coletivo que nossos sentidos se tornam aguçados, principalmente o olfativo. Sentimos um mix de cheiros esquisitos produzidos pelo suor dos diversos braços erguidos, misturados com as flatulências dos mais soltos e com as fragrâncias dos perfumes que variam do francês ao paraguaio. Mas, é também neste meio que grandes amizades são iniciadas e amores concretizados, afinal uma das minhas preciosas amizades surgiu, exatamente, nas vindas da universidade no fundo do ônibus.
Certa vez ouvi uma personagem de telenovela dizer que “a condução para o inferno, só poderia ser de ônibus”. Acho que o homem que propôs o ônibus como meio de transporte coletivo estava em dívida com o Diabo, que o obrigou a utilizar como slogan bíblico “só se chega ao reino dos Céus pelas portas mais estreitas”. Provavelmente por isso milhares de pessoas querem passar pelas portas estreitas dos nossos “busus”, ficar horas a esperá-lo, não se incomodar de ir em pé, absorver cheiros desagradáveis, brigar com o motorista, afinal, tudo é válido para chegar ao prometido “Reino dos Céus”. Na verdade, esta é uma propaganda extremamente enganosa para nos levar ao inferno - grande sacada do Diabo! - pois acredito que Deus nunca passou pela porta de um ônibus na hora do rush.
Venício Oliveira de Moraes Junior
Pego ônibus há 10 anos.
- Venício Oliveira de Moraes Junior