Entrevista: Luis Mello

“[...] É como ter uma mulher muito bonita e não amá-la, você acaba a abandonando.”

Confira os preceitos filosóficos do Kung Fu, arte marcial chinesa que se torna cada dia mais popular no ocidente.

Iiiiiiiiiiiiiiiiiááááá! Esta não é mais uma onomatopéia que representa o grito agudo de atores que golpeiam como lutadores nas cenas violentas das películas hollywoodianas, mas representa na verdade uma realidade cada vez mais comum no ocidente: O grito enérgico de quem pratica a considerada por muitos a mais mortal dentre as artes marciais, o Kung Fu.

Esse aculturamento benéfico de uma tradição milenar vinda do continente asiático até a terra em que Pero Vaz de Caminha descreveu em extensa missiva é apreciado, praticado e difundido pelo mestre da arte Luís Mello, brasileiro que pratica o Kung Fu desde 1987, formado em história e arqueologia especializada em orientalismo, busca a prática da arte marcial de forma muito mais abrangente do que um simples esporte ou defesa pessoal, mas sim como uma filosofia de vida.
Segundo preceitos chineses, o verdadeiro praticante desta arte marcial, deve ser versado em filosofia, raciocínio lógico, escrita e estratégia, para somente assim aprender a se defender de alguma situação que possa atingí-lo fisicamente. O objetivo da luta é preservar e celebrar a vida de quem a pratica e não a propagação da violência gratuita como se pode imaginar.

Formado nas técnicas mortais e filosóficas, Mello que leva títulos em competições profissionais, sendo por duas vezes campeão paulista, três vezes campeão brasileiro e uma vez campeão sul-americano nos mostra nas páginas seguintes, qual é o verdadeiro significado desta complexa prática esportiva e filosófica a despeito dos mitos desvirtuados no ocidente.
 
Paradoxxo: O Kung Fu foi durante milênios uma arte de guerra Chinesa. E hoje é considerado patrimônio cultural além de grande esporte nacional. Mediante essa transformação no objetivo da arte ela não perdeu um pouco do sentido, pelo fato de não abranger mais todos os aspectos filosóficos?

Luís Mello: Sim, mas o esporte é uma manifestação. Não é o todo. O Kung Fu existe como arte completa, então ele pode ser educativo, pode ser esportivo, pode ser religioso, mas sempre haverá o Kung Fu tradicional. O esporte é uma manifestação social, o problema é quando só se foca no esporte, ai ele perde o sentido.

Paradoxxo: Então uma pessoa que procura esta arte marcial para praticar como esporte não consegue atingir nenhum objetivo?

Mello: Sim, ela perde tudo. As pessoas gostam da glória, do aparecer, do reconhecimento, mas o Kung Fu não é isso.

Paradoxxo: Como o Sr. definiria o Kung Fu?

Mello: Kung Fu é um termo oriental muito comum e quer dizer a habilidade máxima em um ofício. Para explicar temos que usar um monte de palavras, significa grande aperfeiçoamento realizado por alguém especialista em qualquer coisa. Pode ser em redigir texto, fazer vídeo ou imitar alguma coisa.

Paradoxxo: Qualquer pessoa pode praticar?

Mello: Todo mundo tem o direito de praticar, poucos vão conseguir seguir adiante.

Paradoxxo: E qual é razão deste enorme grau de desistência?

Mello: O tempo. As pessoas têm celular, a internet, elas querem resposta rápida às coisas. Ninguém quer levar três, cinco anos ou mais de prática para aprender uma arte.

“[...] As pessoas querem praticar como autoconhecimento, não mais como soldados. Atualmente as melhores armas que existem são o helicóptero Apache e um caça F14, não uma lança.”

Paradoxxo: E os praticantes que seguem em frente nos treinos aprendem o que? Qual são os conhecimentos e habilidades de um lutador de Kung Fu?

Mello: O Kung Fu é muito grande, ele tem o aspecto marcial técnico e o aspecto cultural. Nas técnicas você engloba chutes e socos, estilos diferentes de animais [Kati, que é imitação de movimentos dos animais], as armas, agarramento, torções, o Chi Kung que é o desenvolvimento da energia interna, são essas as técnicas de combate.
Como cultura engloba diversas áreas da cultura chinesa, como a caligrafia, a medicina, a pintura, a poesia, a história e literatura, além de folclore e jogos de estratégia.

Paradoxxo: Sobre o Chi Kung, como funciona essa técnica? Ele é utilizado pra combate?

Mello: Pra combate, pra cura, meditação, prevenção de doenças, como autoconhecimento. Chi Kung é manipular a energia do universo através de exercícios, manipular a energia interna e utilizar para “n” motivos diferentes. O Chi Kung faz você ficar imune aos ataques.

Paradoxxo: Sobre a utilização de armas e diversos estilos de prática da arte marcial, como se deu essa divisão durante os séculos de aprimoramento da arte?

Mello:
A China é muito grande, é um país continental. Cada tipo de luta surgiu de maneiras diferentes, cada lutador de cada região da China escolheu um jeito diferente de lutar, os muitos milênios de estudo criaram diferentes tipos de luta.
O Kung Fu teve muitas armas, as principais são o bastão, a espada, a lança, são mais de 150 tipos.

Paradoxxo: Todas essas armas e estilos são praticados aqui no Brasil?

Mello: Não, só dez por cento. Aqui as pessoas praticam os estilos Shaolin, Garra de Águia e Louva Deus.

Paradoxxo: Qual é a diferença do ensino e treinamento contemporâneo da arte? Ainda se passa o treinamento tradicional?

Mello: Não dá mais para ensinar como antigamente por diversos motivos. Na antiguidade o Kung Fu foi usado como guerra, então o treinamento era muito mais duro. Hoje as pessoas querem praticar como autoconhecimento, não mais como soldados. Atualmente as melhores armas que existem são o helicóptero Apache e o caça F14, não uma lança (risos).
“As pessoas gostam da glória, do aparecer, do reconhecimento, mas o Kung Fu não é isso.”

Paradoxxo: Como o Sr. pode traduzir esse auto conhecimento, que as pessoas buscam na arte atualmente? O que se ganha ao treinar com afinco?

Mello: Nos Estados Unidos fizeram uma pesquisa e viram que um executivo toma uma decisão a cada oito minutos, e foi muito aconselhado a prática de artes marciais para a pessoa aprender a ter controle de decisão rápido, então, é muito necessário para o desenvolvimento emocional, como técnica de defesa pessoal, como saúde preventiva, como disciplina, como arte. Em longo prazo, as vantagens são infinitas.

Paradoxxo: Os filmes do cinema mostram aos ocidentais uma parte bem performática da arte marcial. É impossível pensar em Kung Fu sem lembrar-se de Bruce Lee, por exemplo, ele realmente mostrava o que é lutar ou era algo mais acrobático?


Mello: O Bruce Lee tentava passar o significado do Kung Fu, ele tentava ensinar aquilo que ele acreditava, o que não ocorre hoje com os artistas atuais, que fazem só entretenimento. Bruce Lee tentava passar um lado filosófico, um motivo para aquela violência, não só a violência barata.
“As pessoas têm celular, a internet, elas querem resposta rápida às coisas. Ninguém quer levar três, cinco anos ou mais de prática para aprender uma arte.”

Paradoxxo: O Kung Fu sendo mais do que um esporte torna a sua prática um caminho para a vida não é mesmo? A pessoa precisa de muita devoção para trilhar esta estrada?

Mello: Ela precisa gostar da arte, senão, não adiante ter todo e qualquer tipo de disciplina ou força de vontade se ela não gostar. Ela vai desistir por falta de interesse, tem que ter um objetivo que é o crescimento pessoal, se não tiver este objetivo vai acabar parando ou vai se inclinar a campeonatos e a essas glórias de medalha esquecendo-se da arte é como ter uma mulher muito bonita e não amá-la, você acaba a abandonando.

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