ORDENS E DESPACHOS DE NATUREZA CRIMINAL EXPEDIDOS PELO JUÍZO DA VARA DE CONFLITOS AGRÁRIOS DO ESTADO DE MINAS GERAIS É CAUSA ILEGAL DE EXTRAPOLAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Desde o Período Colonial a questão das terras no país é tema "controvertido", gerando injustiça e conflitos, aprofundando a desigualdade social.Há mais de um século, este tema tem se mantido na agenda política e no cenário das lutas sociais, graças à intensa mobilização dos setores excluídos do acesso a terra.. Nesse debate, diversas instituições e organizações têm se envolvido; tais como as instituições ligadas aos poderes executivo, legislativo e judiciário, partidos políticos, Igrejas, movimento sindical rural e as organizações populares do campo, as universidades e outros espaços de construção democrática da sociedade.
Com esse cenário, das indefinições fundiárias, os conflitos agrários, inserem-se em um contexto pelo qual resultam na forma contenciosa das disputas pela posse e o domínio da terra rural.
Desse palco de conflitos agrários, inerentes à lentidão da política de reforma agrária que vem se arrastando por vários governos, inúmeros conflitos aportaram no judiciário.
Observa-se que desse fenômeno sociológico, decorreu a judicialização de um problema social e político.
Em 1.988, com a instalação da Assembléia Nacional Constituinte, no calor dos debates para a aprovação do texto da Constituição, o legislador imprimiu ao Poder do Estado, dentro da função judiciária, a criação de varas de conflitos agrários, atribuindo aos Tribunais de Justiça dos Estados federados a criação de varas especializadas, sobre os seguintes comandos constitucionais:
CR/88 - Art. 125. "Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
(...)
§ 6º O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.
Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.
Parágrafo único. Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio." (Esse art. Recebeu nova redação dada pela EC.45/2004.)
Em 2002, 14 anos após a promulgação da Constituição, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em cumprimento ao comando constitucional referido, por causa das reivindicações dos movimentos sociais, sindicatos e órgãos estatais que lidavam com a reforma agrária e fundiária, criou por resolução, primeiro a de n.º 398/2002, alterada sua redação pela resolução posterior, de n.º 438/2004, a Vara de Conflitos Agrários do Estado de Minas Gerais.
Diz a resolução 438/2004 do TJMG:
Art. 1º O funcionamento da Vara de Conflitos Agrários de Belo Horizonte passa a ser regido pelo disposto na presente resolução.
Art. 2º O Juiz de Direito da Vara de Conflitos Agrários, com sede em Belo Horizonte, tem jurisdição em todo o Estado de Minas Gerais e competência para processar e julgar as ações que envolvam litígios coletivos pela posse de terras rurais, mencionadas no art. 82, inciso III, do Código de Processo Civil, e as que lhe são conexas.
(...)
Art. 11. Exclui -se da competência do Juiz da Vara de Conflitos Agrários processar e julgar os crimes praticados em decorrência dos conflitos agrários ou com eles relacionados.
Restou, com a criação da Vara Agrária estadual, vozes que se levantaram contra a fixação da competência territorial desse Juízo, ao argumento de que no CPC, as causas que tivessem discussões sobre direitos reais, o foro competente seria o da situação da coisa, consoante diz o código:
"Art. 95 - Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova."
Todavia, temos que está superado o debate sobre a competência territorial da Vara Agrária estadual, em razão de que o estabelecimento de sua competência foi decorrente de um comando constitucional, fato pelo qual, é de sabença geral que Constituição está acima da Lei do CPC que é infraconstitucional. Neste sentido, destaca-se que a competência fixada à Vara Agrária estadual, diferencia-se das questões de posse e domínio cujos interesses envolvam particulares. Ademais, as questões levadas ao juízo Agrário tem contornos distintos das desavenças possessórias individuais. Trata-se, consoante o art. 2ª da Resolução 438/04: ("...envolvam litígios coletivos pela posse de terras rurais..."), esta fixação de competência territorial de litígios que versem sobre posse, domínio e ações conexas, onde estejam em disputa interesses coletivos, ou seja, estejam envolvidos grupos com interesses homogêneos pela reforma agrária, usucapião coletivo, ações discriminatórias, pelas quais vislumbram-se o interesse público. Sobre este último parâmetro, o resgate das terras devolutas, por meio de ações discriminatórias, tem-se que na legislação estadual (ver CEMG/89 c/c Lei 11.020/93), a preferência das terras devolutas retomadas pelo Estado se prestam aos interesses sociais de reforma agrária, portanto e por isso, está fundamentada a competência do juízo agrário estadual, dizer o direito sobre terras devolutas, porque atendem as demandas por terras pelos movimentos sociais.
Contudo, a resolução do TJMG foi bem clara quanto aos limites de competência do Juízo, estabelecendo no art. 11 que: "Exclui - se da competência do Juiz da Vara de Conflitos Agrários processar e julgar os crimes praticados em decorrência dos conflitos agrários ou com eles relacionados."
A título de exemplo, entendemos ser absolutamente incompetente o juízo estadual cível, determinar ordens de natureza penal, como nas seguintes alocuções dos i. Magistrados da Vara Agrária mineira, verbis:
"Expediente Enviado para Imprensa Oficial, CONFLITOS AGRÁRIOS, de 16 de dezembro de 2003, 4º parágrafo, processo nº 0024 03 001495-5; AUTOR: IPÊ EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA; RÉU: FRANCISCO BARBOSA – Diligência ordenado (a) exped. Mandado precat. Expeça-se mandado de reintegração e reforço p/ efetiva desocupação da área da Fazenda Pé da Serra. Em descumprimento à ordem judicial, seja o líder do movimento preso em flagrante delito. Expeça-se carta Precatória..."( Processo Reintegração de Posse da V.C.A 0024 03 001495-5 – Despacho proferido em 16/12/2003.)
Outras decisões da mesma natureza foram proferidas ao longo da existência da Vara Agrária estadual, como esta última que diz:
"Pelo MM. Juiz foi dito, finalmente que, comparecendo hoje ao imóvel objeto da lide, especialmente onde se encontram acampados os requeridos, ali constatou haver diversas pessoas encapuzadas, fato, aliás, que o convenceu a não visitar o imóvel. Tendo em vista que essa realidade sinaliza a existência de elementos contraventores da ordem e da segurança públicas, no seio do movimento social, determinava à Polícia Militar que ali comparecesse de modo a adentrar no imóvel e identificar seus eventuais ocupantes, sobretudo aqueles que eventualmente se apresentarem encapuzados, por se tratar tal conduta contrária a toda e qualquer norma da boa convivência social, bem como para a segurança de que naquela comunidade haja qualquer meliante." (Processo Reintegração de Posse da V.C.A 0024.08.101.949-9 – Termo de Audiência realizada em 19/06/2008.)
Como exemplo, apontamos essas ordens expedidas pela Vara agrária, para delinear até onde pode a competência do juízo agrário, de modo que, nesses casos, não temos dúvidas, de que há nitidamente uma ilegalidade e abuso de poder sendo cometida. Vejam que no primeiro despacho há uma ordem direta, determinando a prisão em flagrante dos líderes do movimento de ocupação de uma fazenda. No segundo despacho, o Juiz determina à Polícia efetuar uma diligência com o fim de identificar possíveis transgressores, ao simples argumento de que o uso de capuz já demonstra, no entendimento do magistrado, uma infrigência à Lei. Ora, quem está a infringir a Lei, não é o Juiz?