Na edição passada de AND, noticiamos o assassinato de Cleomar Rodrigues, dirigente da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Norte de Minas e Sul da Bahia, por pistoleiros a mando de latifundiários em Pedras de Maria da Cruz, Norte de MG. O assassinato de Cleomar causou profunda dor e indignação em toda a região.
Em 31 de outubro, com a grande repercussão do assassinato, dois homens suspeitos de serem seus executores foram presos em Pedras de Maria da Cruz e conduzidos para a Delegacia de Januária, onde permanecem presos. São eles Marco Aurélio da Cruz Silva e Marcos Ribeiro Gusmão, conhecido como “Marquinhos”, apresentado como gerente da Fazenda Boa Vista e Santo Antônio, cujas terras estão em uma área onde há muitos anos vivem posseiros que cultivam e desenvolvem atividades de pesca no Rio São Francisco. Marcos Gusmão é apontado pelos camponeses da região e pela LCP como chefe da pistolagem a soldo do latifúndio.
Horas antes do assassinato de Cleomar, outro camponês foi atacado em uma área próxima e teve sua cabeça gravemente ferida a golpes de facão. Salvo graças a intervenção de testemunhas do crime que gritaram obrigando os agressores a se retirarem, o camponês foi conduzido a um hospital e lá ameaçado caso “abrisse o bico”. Segundo denunciou a Liga, Marcos Gusmão seria também o autor dessa tentativa de assassinato.
CRIMES DO LATIFÚNDIO
O monopólio das comunicações defende o latifúndio e, da forma como são veiculadas as notícias, parece não existir latifúndio ou luta de classes no campo.
Antes de ser assassinado, Cleomar fez graves denúncias às “autoridades” presentes em uma audiência pública realizada no dia 9 de outubro em Pedras de Maria da Cruz, incluindo as ameaças diretas feitas pelo latifundiário Antônio Aureliano Ribeiro de Oliveira. Ministério Público, Ouvidoria Agrária, comando da PM e demais presentes na audiência não tomaram qualquer atitude para investigar ou punir os crimes do latifúndio.
Nesta mesma audiência, Cleomar denunciou ataques do latifúndio contra os camponeses e apontou Marcos Gusmão como chefe da pistolagem na região. Em seu último relatório dirigido à coordenação da LCP, Cleomar narrou que, durante a audiência, Marcos Gusmão sentou-se ao lado do prefeito de Pedras de Maria da Cruz e do parente de um latifundiário da região. Confiando em sua impunidade e na proteção do latifúndio, Marcos Gusmão riu escarnecendo dos camponeses quando foi denunciado.
Em um comunicado, a Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres destacou que “numa vistoria da estrada fechada pelo latifundiário Antônio Aureliano Ribeiro de Oliveira pela promotoria de Januária, em razão das denúncias de abusos e, inclusive, do incêndio criminoso de um dos barracos às margens do Rio São Francisco, estando ele presente e acompanhado de seu suposto gerente de nome Marcos Gusmão, conhecido pistoleiro, afirmou categoricamente que havia mandado tocar fogo e que se lamentava de não haver ninguém dentro, não tendo a promotora Daniele Yokoyama nada manifestado a respeito”.
Ainda assim, esse latifundiário das terras diretamente envolvidas no conflito agrário na região sequer foi intimado a depor.
Informações que vieram ao conhecimento de familiares de Cleomar e estão sendo apuradas pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo) apontam para uma trama do latifúndio com o objetivo livrar um latifundiário suspeito de ser o mandante do assassinato do dirigente camponês. Segundo tem apurado a LCP, Marco Antônio assumiria a execução de Cleomar e apontaria Marcos Gusmão como “mandante”, livrando o principal e verdadeiro.
TEATRO DO OPORTUNISMO E VELHO ESTADO
A Ouvidoria Agrária Nacional anunciou, para o dia 20 de novembro, uma “Audiência Pública” em Montes Claros. Tal audiência, denuncia a Liga de Camponeses Pobres, tem como objetivo legitimar o projeto “Território Pesqueiro da Comunidade Capivara Caraíba” que, conforme incansavelmente denunciou Cleomar, visa aprofundar ainda mais a divisão do povo camponês em pequenos produtores rurais, extrativistas, pescadores, vazanteiros, geraizeros, etc.. Projeto esse encampado por elementos oportunistas, empenhados em disseminar o egoísmo e individualismo entre os camponeses da região. “Suas alegações egoístas de reivindicação de ‘território pesqueiro’ para algumas famílias são para expulsar dezenas de outras que lutam pela terra há tantos anos”, denunciou a LCP. Assim o oportunismo presta o mais vil serviço em favor dos latifundiários em Pedras de Maria da Cruz.
Essas audiências têm sido um dos principais instrumentos políticos utilizados pelo gerenciamento petista para encenar o chamado “Estado democrático de direito”, que “o povo tem espaço para se manifestar”, etc., desvirtuar os conflitos agrários como luta de classes e omitir que o Estado é o instrumento organizado dos grandes burgueses e latifundiários, ambos serviçais do imperialismo, principalmente ianque. Os promotores desse teatro são os mesmos promotores dos engodos de “políticas públicas”, “orçamento participativo” e demais arremedos de projetos com o fim de corporativizar as massas.
Além do mais, foi justamente após participar de audiências como essas, em que os camponeses são ouvidos sem haver qualquer solução para suas demandas e os latifundiários são tratados com reverência, que foram brutalmente torturados e assassinados os dirigentes camponeses Elcio e Gilson, em 9 de dezembro de 2009; o presidente da Associação de Produtores Rurais Nova União (Aspronu), Josias Paulino de Castro, e sua companheira Ireni da Silva Castro, executados em uma estrada rural no Distrito de Guariba, Mato Grosso, em 16 de agosto de 2014; o próprio Cleomar Rodrigues, em 22 de outubro de 2014; e, em condições semelhantes, a liderança Kaiowá de Dourados (MS), Marinalva Manoel, assassinada a facadas em 1º de novembro de 2014, dias após participar de protesto diante do STF e se reunir com procuradores do Ministério Púbico Federal em Brasília.
CLEOMAR VIVE!
Em resposta ao odioso crime do latifúndio, a Liga dos Camponeses Pobres prepara, para o próximo 24 de novembro, uma grande manifestação em Pedras de Maria da Cruz em repúdio ao assassinato de Cleomar Rodrigues, exigindo punição para os seus mandantes e executores. Camponeses de todo o Norte de Minas e Sul da Bahia, delegações de operários, estudantes, jornalistas, advogados e ativistas de organizações democráticas e populares de todo o país mobilizam-se para comparecer ao ato.
Em diferentes regiões do país também têm sido realizados manifestações políticas denunciando o assassinato do dirigente camponês e em honra a sua memória.
Na noite de 6 de novembro, no auditório do Sindicato dos Empregados no Comércio de Belo Horizonte, foi realizado um ato que contou com a presença de diversas organizações populares. O superintendente do Incra-MG, Danilo Daniel Prado Araújo, também esteve presente e, em sua fala, afirmou que a ação do latifúndio e seus bandos de pistoleiros é uma “afronta ao Estado”. Ele revelou que, na primeira semana de novembro, após o assassinato de Cleomar, uma equipe do Incra e agentes da Polícia Federal estiveram em Pedras de Maria da Cruz para realizar demarcação em uma fazenda e foram “impedidos de entrar” pelo latifundiário e seus “seguranças”. A equipe da Polícia Federal teve que “recuar” devido ao “efetivo insuficiente”. Sua fala foi repelida e respondida com uma contundente denúncia de toda a situação da luta pela terra no Norte de Minas.
Em 11 de novembro, foi realizado um ato promovido pela Comissão de Pais e Familiares dos Presos e Perseguidos Políticos do Rio de Janeiro, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, que contou com a presença de organizações de defesa dos direitos do povo, advogados, representantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, da Frente Independente Popular (FIP-RJ), da Associação Juízes para a Democracia, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo), da Abrapo, do Comitê Pela Liberdade de Rafael Braga, entre outras organizações populares e democráticas. O ato também contou com a presença de Dona Dira, companheira de Cleomar, que fez uma fala emocionada e recebeu manifestações de solidariedade dos ativistas cariocas (ver matéria na página 8 desta edição).
No Pará, camponeses reunidos em um encontro de dirigentes e ativistas da LCP também prestaram honras a Cleomar e enviaram, desde a Amazônia Oriental, saudações e sentimentos de dor e revolta à LCP do Norte de MG e Sul da Bahia, aos familiares e companheiros do dirigente camponês (ver matéria na página 9).