Graciete carrega na carne a bala dos assassinos de seu pai

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Ao fundo, Graciete em sua casa em Breu Branco;em primeiro plano, a chapa que mostra o local onde a bala ficou encravada. Foto: Ney Marcondes

A filha de Francisco Macedo levou um tiro quando a confundiram com o pai, que coordenava a ocupação de uma fazenda abandonada.
Graciete Souza Machado não lembra de ter ouvido o estampido. Sentiu apenas um formigamento quente nas costas. Aos poucos o sangue começou a escorrer, empapou a rede e o lençol onde embalava o filho de três anos de idade. O relógio da parede marcava 22 horas do dia 11 de outubro de 2010. Nessa noite, a bala, que tinha outro endereço, tornou-se inquilina incômoda e indesejável no corpo de Graciete. Ainda está lá, a dois centímetros da coluna vertebral, como a lembrar sempre do risco, das ameaças, da violência.

O projétil que quase inutilizou Graciete Machado tinha como o alvo o pai, Francisco Alves de Macedo, assassinado cinco meses depois por pistoleiros que continuam em liberdade.
Graciete Machado mora no município de Breu Branco, a 419 km da capital Belém, no sudeste paraense. É um município relativamente pequeno, com menos de quatro mil quilômetros quadrados de área, segundo levantamento feito pelo IBGE em 2010. Em Breu Branco moram pouco mais que 55 mil habitantes, também segundo o IBGE. A maioria, migrantes.
O que motivou a tentativa de assassinato de Graciete e a posterior emboscada contra o pai dela foi a ocupação de uma fazenda abandonada nos arredores da cidade. A fazenda, chamada Castanheira, é hoje um pequeno bairro de periferia, feito de casas pequenas de tijolo sem reboco. Em 2010, um grupo de 1.500 famílias ocupou a terra. Francisco Macedo, um agricultor que nos anos 90 saiu de Cacoal em Rondônia para tentar a sorte no Pará, participou da ocupação. E viu de perto a ação violenta de pistoleiros que queriam tirar as famílias da fazenda.
“Meu pai não era líder de nada, mas sempre tentava ajudar as pessoas, porque tinha esse dom de não suportar injustiça. Naqueles dias os pistoleiros mataram três pessoas e o meu pai se revoltava contra isso”, diz Graciete Machado, sentada no sofá simples da casa sem reboco, sob o olhar atento do marido. Graciete mora a cerca de 200 metros da fazenda ocupada.
As retaliações violentas a mando dos proprietários da fazenda improdutiva fizeram com que Francisco Macedo fosse prestar queixas na delegacia local diversas vezes. Quase sempre sem resultado efetivo. “As pessoas procuravam meu pai para que ele ajudasse, e ele ia defender as pessoas”.
Três anos antes de ser morto, Francisco Macedo foi alvo da primeira tentativa de assassinato. O tiro não o acertou na escuridão da noite, quando voltava para casa. Macedo procurou a Polícia Federal e denunciou a emboscada. Acabou sendo ele o detido por reclamar que a polícia nada fazia nessas horas.
Finalmente os posseiros entraram no acordo com os donos da fazenda, intermediado pelo Incra. Cada família pagaria um valor pelo lote. Mas o acordo foi quebrado pelos proprietários da terra, que queriam negociar a terra com uma construtora de condomínios. Aí sim, Macedo tomou a frente da luta, reivindicando o direito das famílias. As ameaças de morte se multiplicaram.
Graciete acompanhava o pai em algumas das reuniões. Percebia o perigo que rondava Francisco Macedo. Na noite em que foi baleada, ela estava na casa do pai. Deitara na rede dele com o filho. Três homens chegaram num carro escuro. Um deles aproximou-se da janela e disparou em direção à rede. Mas Francisco não estava em casa; dessa vez, a vítima foi Graciete.
A filha do agricultor praticava atletismo. Era maratonista, chegando a ganhar algumas competições no sudeste do Pará. Também treinava caratê. Atualmente, com 26 anos, mal consegue colocar o filho nos braços. Sente dores constantes nas pernas, não pode fazer nenhuma atividade que exija mais força, nem cuidar da casa onde mora.
Depois da morte de Macedo, a mãe de Graciete se mudou para o município vizinho de Tucuruí. As ameaças não cessaram. Por buscar justiça contra os assassinos do pai, Graciete passou a ser alvo. Quase não vai mais à igreja, e às 18 horas fecha toda a casa. O marido, José, trabalha como soldador em projetos como o da hidrelétrica de Belo Monte e chega a passar cinco meses fora. “Quando dá para levar a família a gente leva, mas na maioria das vezes não dá, então peço pros meus familiares ficarem com ela”, diz.
Graciete não conta com nenhum benefício social, não conseguiu se aposentar. A imagem da bala em uma radiografia é uma lembrança constante. Desde o episódio não quis se envolver mais nas questões da ocupação da fazenda. Tenta viver cada dia de uma vez. Só quer que os autores do assassinato do pai sejam presos. “A notícia que tenho é que estão soltos. Isso assusta a gente. Eu e minha família só queremos viver em paz”.

* A série “Marcadas para Morrer”, produzida pela Agência Pública em parceria com o jornal Diário do Pará, conta histórias de mulheres cujas vidas estão ameaçadas por lutarem pelos seus direitos e pela preservação da floresta.
** Publicado originalmente no site Agência Pública.
 
(Agência Pública)

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