As bandeiras tarifárias, que permitirão aos consumidores acompanharem as variações dos custos da geração de eletricidade no país, são “mais um mecanismo de mercado a ser introduzido nas tarifas do consumidor, com o objetivo transferir para ele, o custo mais caro da energia gerada pelas termelétricas a combustíveis fósseis”, diz Heitor Costa à IHU On-Line. Na avaliação dele, a aprovação da MP 579 e a criação das bandeiras tarifárias demonstram que “o governo federal continuará insistindo no modelo mercantil, e repassando a conta das termelétricas para o usuário do sistema elétrico”.
Ao apontar os equívocos na gestão do setor energético brasileiro nos últimos 20 anos, Costa enfatiza que criticar a MP 579 e as portarias 578, 579, 580, 591 e o decreto 7.850, “não é ter posição contra a redução das tarifas de energia elétrica. (…) Ao contrário, é denunciar que, mais uma vez, as empresas públicas do setor elétrico serão usadas para objetivos fora de sua competência, como tem ocorrido tradicionalmente”. E dispara: “E o pior é que a prorrogação das concessões não mudará em nada o custo da energia no Brasil. Os aumentos previstos nos próximos anos vão absorver toda a redução da tarifa obtida com a medida provisória convertida agora em lei”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, o professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE enfatiza que a “adoção da bandeira tarifária é de interesse principalmente das distribuidoras, porque assim elas repassarão automaticamente para o consumidor aquele impacto que terão na gestão de custo. Se antes a concessionária tinha um custo adicional no decorrer do ano, que só seria repassado para o consumidor no processo de ajuste tarifário pelo fato do Preço de Liquidação das Diferenças – PLD estar elevado (como está atualmente), no modelo de bandeiras esse custo será repassado mês a mês”.
Heitor Costa é graduado em Física pelo Instituto de Física Gleb Wattaghin da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, mestre em Energia Solar, pelo Instituto de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, e doutor em Energia, pela Commissariat à l’Énergie Atomique -CEA, Centre d’Études de Cadarache et Laboratorie de Photoelectricité – Faculté des Sciences et Techniques de Saint-Jérome / Université d’Aix-Marseille III, França. Atualmente, coordena os projetos da ONG Centro de Estudos e Projetos Naper Solar e o Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis – NAPER da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Muitos engenheiros falam em crise no setor elétrico. O governo reitera que não há motivos para preocupação. Qual é o real quadro do setor energético no país?
Heitor Costa (foto) - Levando em conta que conceitualmente crise pode ser entendida como um aumento de vulnerabilidade, uma instabilidade, uma perturbação, um momento de risco, então o setor elétrico nacional está em crise.
A evolução da crise no setor elétrico pode ser maléfica ou benéfica. Maléfica se a atual política no setor continuar no caminho proposto pelos planos Decenais de Energia – PDE e pelo Plano Nacional de Energia – PNE 2030. E benéfica, se a partir da crise houver uma mudança substancial na atual política. Logo, a crise pode ser vista como uma ocasião de crescimento, de novas oportunidades, e a criação de novos equilíbrios. Isto vai depender da capacidade de reação e das decisões a serem tomadas.
Erros recorrentes e em série têm sido observados nos últimos 20 anos no setor elétrico/energético. E a causa principal é que as decisões foram tomadas sem o devido debate, monocraticamente, e não atingiram a raiz do problema. Não foi enfrentado o modelo mercantil implantado e vigente. Foram realizadas reformas da reforma, e os problemas conceituais do modelo adotado a partir de 1995 não foram combatidos.
Portanto, a causa do desabastecimento de energia em 2001/2002, a situação critica na geração elétrica em 2008, os apagões e “apaguinhos” em 2010/2011 e 2012, e agora em 2013, novamente a situação de vulnerabilidade na geração de energia, são conseqüências do modelo mercantil, onde a energia elétrica transformou-se em uma mera mercadoria, sujeita as leis de mercado.
Guinada de 180º
Do ponto de vista da trágica situação vivenciada com o racionamento de energia há 12 anos, não vejo nos dias de hoje, a curto prazo, a possibilidade de risco de faltar energia para atender a demanda. O pífio desempenho da economia nacional, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), favoreceu a que o país não sofresse uma nova crise energética nos moldes da ocorrida em 2001/2002. Já, a médio prazo, a situação não é tranquila para o setor elétrico, desde que continuem os erros cometidos. E a situação somente mudará se houver uma guinada de 180º na política elétrica em nosso país.
80% da energia elétrica gerada no país provém das hidroelétricas, uma vantagem comparativa, pois é uma fonte renovável, mas nem por isso deixa de acarretar grandes problemas socioambientais com a construção das mega-hidreletricas, em particular na região Amazônica. Aliado a geração hidráulica, que tem grande dependência das chuvas, hoje o sistema interligado nacional (SIN) é complementado por termelétricas, na sua grande maioria movida a combustíveis fósseis, para atender a demanda. Ou seja, tem-se hoje uma matriz elétrica hidro-térmica.
Aí está um dos nós do problema, no que concerne ao custo das tarifas e aos problemas ambientais. Não se pode atualmente deixar de lado, nas escolhas das opções energéticas, o maior problema que a humanidade já se defrontou, que é o das mudanças climáticas, provocado pelo aquecimento global.
IHU On-Line – O senhor compara a “crise energética” e os apagões do ano passado com as situações a que ocorreram em 2001, e atribui a ambas falta de planejamento e investimento no setor elétrico. Que análise é possível fazer do setor nesses 12 anos? Quais os principais equívocos nesse período?
Heitor Costa - Em 2001/2002, em um período de oito meses (junho de 2001 a fevereiro de 2002), o governo federal implantou o racionamento de energia, o maior da história do país. Determinou uma redução compulsória de 20% do consumo de eletricidade para evitar um colapso na oferta de energia elétrica. Os reservatórios das hidrelétricas haviam atingido volumes armazenados que apresentava risco iminente de colapsar a geração elétrica.
Não foram apenas as condições hidrológicas as responsáveis pela situação desfavorável dos níveis dos reservatórios no Sudeste e no Nordeste, principalmente. Estes reservatórios, desde que bem geridos, poderiam suportar um período maior de estiagem sem comprometer a geração elétrica. Chegar a esta situação, sem dúvida, teve como principal causa as mudanças realizadas no setor elétrico, efetuadas a partir de 1995, que introduziu o modelo mercantil no cenário elétrico nacional.
Também em 2000, véspera do racionamento, o crescimento econômico medido pelo PIB atingiu 5,1%. E as chuvas naquele ano foram generosas. O governo federal esperava que em 2001 continuasse este nível de crescimento. E aí a ducha de água fria: a má gestão dos reservatórios levou-os a abaixarem drasticamente os níveis.
Efeitos
Na época, a política econômica seguia os ditames do FMI com relação à aplicação de um ajuste fiscal draconiano, e impediu investimentos na geração e transmissão, vistos como despesas a serem cortadas. Caso tivesse havido maior investimento na expansão das linhas de transmissão, possivelmente os efeitos do racionamento teriam sido menores, pois se conseguiria transportar energia das regiões que não sofreram estiagem para as regiões afetadas.
Não foi por falta de aviso que se chegou ao racionamento, pois cientistas respeitáveis e estudiosos da temática alertaram o governo federal que a demanda era maior do que a oferta já há alguns anos e, portanto, previsível a situação que se chegou.
O modelo mercantil imposto inibiu investimentos na geração, transmissão e distribuição. Com o desmonte na área de planejamento, aliada a má gestão do setor, deu no que deu. A privatização de empresas, a criação e modificação, quase que diária de regras regulatórias, desestruturou o planejamento e retirou a responsabilidade pública na área de energia.
Possibilidade de racionamento
Em 2013 a possibilidade de um racionamento a curto prazo praticamente inexiste. Mesmo os reservatórios atingindo níveis semelhantes aos de 12 anos atrás, existe hoje uma oferta de energia complementada pelas termelétricas. As redes de transmissão também se expandiram consideravelmente neste período, o que favoreceu a lógica do Sistema Interligado Nacional – SIN. Além disso, do ponto de visto econômico, o ano de 2012 apresentou um PIB pífio (da ordem de 1%), bem inferior do que projetado e prometido pelo Ministério do Planejamento, da ordem de 4,5%. Este fato contribuiu para que não houvesse pressão maior na oferta. Todavia a manutenção e investimentos necessários para a modernização de subestações estão aquém das necessidades atuais. A gestão do sistema elétrico está capenga. A influência política no apadrinhamento para cargos de direção das empresas do setor tem levado a incompetência a este setor estratégico.
Ao lembrarmos que em 2008, a oferta de energia “bateu na trava”, insistimos em afirmar que os erros introduzidos pelo modelo mercantil continuam a trazer sérios transtornos. Técnicos respeitáveis do setor elétrico, que apoiaram governo que se instalou no país, depois do racionamento, tentaram modificar o modelo mercantil. As propostas sugeridas foram muito interessantes para adequá-lo ao sistema elétrico nacional, com base na hidroeletricidade. Infelizmente não ocorreu a reformulação, pois não foi apoiada e respaldada pelo principal mandatário (por quem decide em um sistema presidencialista).
Fornecimento de energia
Agora em 2013 estamos novamente as portas de uma crise. Neste ínterim, as interrupções temporárias no fornecimento de energia se proliferaram pelo Brasil afora, e a frequência destes eventos bateram “recordes” nos anos de 2010 a 2012. Foram denominados pela população de “apagões” atingindo inúmeras regiões e estados do país. Os “apaguinhos” restritos à interrupção de energia em um bairro, em uma cidade (até 400 mil habitantes) também têm trazido transtornos à vida cotidiana das pessoas.
Concluindo, o desabastecimento de energia ocorrido mostrou ao país que não se pode transferir ao mercado o planejamento deste setor, e nem subtrair investimentos realizados pelo próprio Estado. Esta malograda ação provocou o caos no setor da energia. O exemplo foi dado, e não podemos admitir mais que erros e equívocos continuem neste setor colocando em risco toda a economia, e a qualidade de vida das pessoas.
Tratar a energia, bem estratégico fundamental para o país e sua população, como mera mercadoria, sujeita às leis de um mercado predador, foi um grande erro na política energética do governo da época, que infelizmente persiste.
IHU On-Line – Quais os riscos futuros em relação à energia e as medidas a serem tomadas nesse momento?
Heitor Costa - O moderno sistema elétrico brasileiro foi dimensionado para suportar estiagens prolongadas, acumulando água – suficiente para cinco anos de operação, mesmo sem chuvas. A expansão do sistema passou a ser planejada de modo que a demanda prevista para os cinco anos seguintes permanecesse sempre igual a “energia firme”, ou seja, a energia que pode ser gerada em regime de seca. A taxa de risco tolerável foi fixada bem baixa, em 5%.
Com as mudanças ocorridas e a introdução do modelo mercantil, o gerenciamento desta “poupança” se tornou precária. Agora praticamente vivem gerenciando um eterno curto prazo. Nas mãos dos gestores do setor, o que já tinha sido o melhor sistema hidrelétrico do mundo, o motor da economia brasileira, virou um ativo financeiro a mais, disponível para fazer caixa e beneficiar alguns privilegiados, em um capitalismo sem risco. Um belo patrimônio a ser consumido.
Diante disso, as principais medidas a serem tomadas para evitar riscos futuros seriam: reconhecer a gravidade da situação e trabalhar para enfrentar o pior cenário, que é o colapso na geração e assim a falta energia. A dependência das chuvas no atual modelo é muito grande. Logo, se chover bastante nos próximos meses (o que é provável, pois a estação é úmida), passaremos raspando. Se não chover excepcionalmente, o país poderá sofrer um colapso. Em uma situação extrema poderá até destruir fisicamente uma grande economia, sem guerra externa, apenas pela implacável aplicação obstinada de diretrizes erradas.
Planejamento: “não basta ofertar energia”
Portanto, para que situações como estas não ocorram, urge realizar um planejamento que leve em conta “para quê?” e “para quem?” se destina a energia produzida. Não basta ofertar energia. A prioridade deve ser a diversificação da matriz elétrica com a incorporação das novas fontes renováveis (solar e eólica) optando pela geração distribuída, incentivando as termelétricas à biomassa, o uso e recuperação de instalações de pequenas quedas de água (PCH´s) na geração, e não esquecendo a energia que pode ser extraída do oceano que banha as costas brasileiras. Não bastam novos investimentos na transmissão, é necessário que se cumpram os cronogramas estabelecidos no contrato para a entrega da obra, além da modernização das subestações. Por outro lado, priorizar a racionalização e a conservação de energia, pois ofertar energia não acontece somente com a construção de usinas. Não basta ter programas, propostas de eficiência energética que acabam no campo da ficção. É preciso que haja recursos e vontade política para implementação dos planos. O binômio novas fontes de energia e eficiência energética deve ser adotado com seriedade.
Sem estas mudanças, continuaremos afetados periodicamente por uma crise energética que carrega consigo ameaças de desabastecimento, “apagão”, “apaguinhos”. E obviamente, nada disso terá o efeito desejado se não nos afastarmos definitivamente do modelo mercantil. Esta é uma grande chance de rever o próprio modelo de sociedade consumista que vivemos.
IHU On-Line – A MP 579 é outro equivoco do governo no que se refere ao setor elétrico?
Heitor Costa - O objetivo desta medida provisória, agora transformada em lei com a sanção presidencial (14/1), foi o de reduzir tarifas de energia elétrica, enfim o preço da energia. Sem dúvida havia um consenso nacional para que esta redução acontecesse, visto os altíssimos valores alcançados nos últimos anos. A crítica que se faz a esta medida tomada pelo governo federal foi quanto à estratégia adotada, o caminho definido. A explosão tarifária ocorrida não ocorreu somente pelos preços adotados na geração, portanto, não caberia somente a esta área ser a mais penalizada.
Sem transparência, sem debate, com arrogância e prepotência, que é a marca registrada de dirigentes do setor elétrico, e, principalmente, sem um diagnóstico amplo sobre as reais razões da explosão tarifária ocorrida nos últimos anos, foi imposta a estratégia para reduzir o custo da energia para o consumidor final, a partir das regras contidas na MP 579.
Efeitos da MP 579
O uso da redução da tarifa como um instrumento de política pública para a renovação das concessões no setor elétrico foi o caminho encontrado pelos sábios e/ou vivaldinos. Os mesmos que levaram as tarifas elétricas a alcançarem patamares extorsivos para a economia brasileira. Criticar, portanto a MP 579 e as portarias e decretos (portarias 578, 579, 580, 591 e o decreto 7.850), não é ter posição contra a redução das tarifas de energia elétrica, que há muito era um clamor nacional. Ao contrário, é denunciar que, mais uma vez, as empresas públicas do setor elétrico serão usadas para objetivos fora de sua competência, como tem ocorrido tradicionalmente. Elas foram colocadas em uma situação de risco quanto ao equilíbrio econômico-financeiro em nome da política de redução de preço da energia. O que se tenta evitar com a crítica é se chegar a uma situação indesejável para toda a sociedade: o comprometimento da qualidade na prestação do serviço elétrico, causado pela redução drástica do faturamento das empresas estatais, verdadeiro patrimônio do povo brasileiro, levando-as ao sucateamento.
Determinar a fixação das tarifas de geração pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel é preocupante. É exatamente ela que foi e é responsável por definir as tarifas de distribuição, que tanto têm onerado os consumidores.
A questão energética está sendo decidida de forma autoritária por um número reduzido de pessoas, levando a duvidar sobre a capacidade e isenção de se formular e executar uma política energética que vise os interesses do povo brasileiro.
A energia elétrica é estratégica para o país, não pode simplesmente ficar nas mãos de economistas e advogados. Os engenheiros e técnicos do setor, assim como a sociedade, têm de participar, opinar. Eles apontariam os riscos da medida atual: o que está sendo imposto levará ao corte significativo de receitas das empresas, em alguns casos de até 80%, o que certamente acarretará na perda da qualidade do sistema elétrico e do conhecimento técnico adquirido por décadas – sem dúvida, haverá corte de pessoal para conter despesas.
Prorrogação das concessões
E o pior é que a prorrogação das concessões não mudará em nada o custo da energia no Brasil. Os aumentos previstos nos próximos anos vão absorver toda a redução da tarifa obtida com a medida provisória convertida agora em lei. Principalmente pelo custo bem mais elevado da energia gerada pelas térmicas (no mínimo 5 vezes maior).
Positivamente, alguns encargos foram extintos, mas isso não interferirá no ponto nevrálgico que tem garantido os elevados custos da energia: os contratos draconianos feitos desde os anos 1990, permitindo retornos e lucros exorbitantes para algumas empresas, em particular as distribuidoras. Não adianta somente impor tarifas menores na geração sem mexer na distribuição, cujas empresas ano após ano, depois da privatização, têm apresentado nos seus balanços contábeis lucros extraordinários para a realidade brasileira.
É imperativo que prevaleça no setor elétrico um modelo participativo e regionalizado do planejamento. Que se democratize e torne transparentes as decisões dos gestores deste setor. E que seja extirpado de vez a interferência de grupos políticos que tornaram o Ministério das Minas e Energia um verdadeiro feudo.
IHU On-Line – A Aneel aprovará a redução de tarifa energética, mas há uma novidade: as bandeiras tarifárias, que segundo o governo é uma medida para conscientizar o uso da energia. Como vê essa proposta?
Heitor Costa - A previsão inicial era que a partir de janeiro de 2014, as contas de energia teriam uma novidade: o sistema de bandeiras tarifárias. Todavia a ânsia dos agentes do setor elétrico é tão grande em introduzir as bandeiras tarifarias já, que propuseram a antecipação e vigência para julho de 2013. As bandeiras indicarão se a energia custará mais ou menos, em função das condições de geração de eletricidade.
Era previsto que o ano de 2013 seria um ano de testes junto ao consumidor. A Aneel divulgaria mês a mês as bandeiras que estariam em funcionamento, em cada um dos subsistemas que compõem o Sistema Interligado Nacional – SIN. Além disso, as distribuidoras de energia divulgarão, na conta de energia, a simulação da aplicação das bandeiras para o subsistema da região do consumidor.
O sistema possuirá três bandeiras: verde, amarela e vermelha e indicarão o seguinte:
• Bandeira verde: condições favoráveis de geração de energia. A tarifa não sofre nenhum acréscimo e parte de um patamar mais baixo que a tarifa calculada pela metodologia atual;
• Bandeira amarela: condições de geração menos favoráveis. A tarifa sofre acréscimo de R$ 1,50 para cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos;
• Bandeira vermelha: condições mais custosas de geração. A tarifa sobre acréscimo de R$ 3,00 para cada 100 kWh consumidos.
Não tenho dúvidas de que esse é mais um mecanismo de mercado a ser introduzido nas tarifas do consumidor, com o objetivo transferir para ele, o custo mais caro da energia gerada pelas termelétricas a combustíveis fósseis. Assim fica claro que o governo federal continuará insistindo no modelo mercantil, e repassando a conta das termelétricas para o usuário do sistema elétrico.
Veremos na prática cada vez mais as termelétricas em ação gerando energia, e as tarifas mais caras. O que o governo federal prometeu com relação à redução da tarifa elétrica, ele dará com uma mão, mas retirará este benéfico com a outra.
Bandeira tarifária
A adoção da bandeira tarifária é de interesse principalmente das distribuidoras, porque assim elas repassarão automaticamente para o consumidor aquele impacto que terão na gestão de custo. Se antes a concessionária tinha um custo adicional no decorrer do ano, que só seria repassado para o consumidor no processo de ajuste tarifário pelo fato do Preço de Liquidação das Diferenças – PLD estar elevado (como está atualmente), no modelo de bandeiras esse custo será repassado mês a mês.
Também se pode analisar esta “novidade” como um estímulo à ineficiência e à acomodação da empresa, pois a distribuidora não vai mais precisar se esforçar para comprar energia barata, pois sabe que vai ter um gatilho para transferir esse ônus para o consumidor.
“Novidades” não faltam com as bandeiras tarifárias. Elas serão regionalizadas. Foram criados quatro subsistemas: Sudeste/Centro-Oeste (estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, Acre e Rondônia), Sul (estados da Região Sul), Nordeste (estados do Nordeste, exceto o Maranhão) e Norte (Pará, Tocantins e Maranhão). Daí se pode concluir que o Nordeste poderá ser prejudicado pelo fato de possuir um número limitado de hidrelétricas, e sofrer mais rigorosamente os efeitos das estiagens, conforme previsão da vulnerabilidade da região, aos efeitos das mudanças climáticas. Assim precisará mais das térmicas, e o consumidor nordestino pagará esta conta sozinho. Hoje, os reservatórios do Nordeste são os que estão com o mais baixo nível de todos, o que necessitaria o acionamento das termelétricas, mais custosas.
IHU On-Line – Sua aposta é na diversificação da matriz energética, com uso de energias renováveis. O Plano de Expansão Decenal de Energia 2021, contudo, anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil, apesar de avançar ao mencionar o investimento em energia eólica. É suficiente? Quais os limites e avanços desse plano considerando o planejamento dos próximos dez anos?
Heitor Costa - A Empresa de Pesquisa Energética – EPE trabalha com premissas de que o país, para crescer 7% ao ano nos próximos 12 anos, precisará dobrar o consumo per capita de energia. Para isso deve acrescentar 5.100 MW anualmente ao potencial elétrico até 2022. Não se pode levar a sério estes números, pois provavelmente tal planejamento é comandado pelo oligopólio das grandes construtoras de usinas, dos construtores de equipamentos elétricos, das geradoras e distribuidoras de energia, levando em conta seus interesses específicos, e não os do país.
Não por acaso, o governo federal insiste em leilões de hidroelétricas na região amazônica, nas bacias dos rios Madeira (Jirau e Santo Antonio), Xingu (Belo Monte), Alto Tapajós (Teles Pires e Juruena) e Baixo Tapajós (Complexo São Luiz), nas termoelétricas a combustíveis fósseis, além da construção de mais usinas nucleares. Todas estas financiadas com recursos do BNDES, que na verdade são recursos do Tesouro Nacional. Além de insistir na construção de novas usinas nucleares e priorizar as termelétricas a combustíveis fósseis.
Diversificação da matriz energética
Aliado da insanidade “ofertista”, o governo não prioriza o uso racional de energia com políticas agressivas de eficientização energética e o uso de novas fontes renováveis, como a energia solar e a energia eólica, para a diversificação e a complementaridade da matriz elétrica nacional.
Diante dos fatos descritos, identificamos os seguintes problemas no cenário elétrico (e mesmo energético): dúvidas sobre a capacidade do governo para formular e executar uma política energética que vise os interesses do povo brasileiro; falta de democracia, sendo as decisões tomadas por um número restrito de pessoas que têm assento no Conselho Nacional de Política Energética – CNPE; ausência de um modelo participativo e regionalizado do planejamento elétrico; falta de transparência e equilíbrio dos dirigentes do setor; corporativismo dos técnicos das empresas do setor elétrico; desprezo pela energia solar fotovoltaica e heliotérmica; e a interferência de grupos políticos, que tornaram o Ministério de Minas e Energia – MME seu verdadeiro feudo, acarretando principalmente na incompetência de muito dos seus quadros dirigentes indicados por seus padrinhos políticos. Portanto, é urgente e necessária a modificação da atual política elétrica (e energética), para que a população brasileira não venha a sofrer os graves prejuízos que recairão sobre as futuras gerações.
IHU On-Line – Uma das criticas feitas ao Plano Decenal de Energia diz respeito ao baixo investimento em energia solar. Por que o interesse nessa fonte de energia é menor?
Heitor Costa - Em primeiro lugar existe um grande preconceito, desinformação quanto às possibilidades do uso da energia solar fotovoltaica e heliotérmica no país. Mitos com relação a estas novas fontes renováveis de energia ainda existem e são manipulados por aquel@s que desprezam estas fontes de energia. Em segundo lugar muito gestores do sistema elétrico são completamente ignorantes sobre o tema e rejeitam o que não entendem (ou não querem entender). O nível intelectual de quem decide no setor elétrico está muito aquém daqueles especialistas, técnicos, estudiosos, que realmente entendem da problemática energética, mas que infelizmente não são ouvidos. Em terceiro lugar o lobby dos “barrangeiros”, do nuclear, e das termoelétricas são muito organizados e estão alojados em postos chaves da federação. Afinal, decidem na maior parte das vezes em função dos interesses econômicos que representam.
Eu realmente não tenho como explicar o porquê desta falta de interesse, a não ser pelo preconceito, desinformação, pela ignorância de quem decide neste setor. Além, é óbvio, dos interesses econômicos envolvidos nestas decisões de política energética/elétrica.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Heitor Costa - Para finalizar gostaria de afirmar que a energia que precisamos são as geradas pelas novas fontes renováveis, através de um modelo descentralizado, distribuído de geração. Pois se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular outro modelo energético para toda humanidade, este país é o Brasil. Ele é a potência das águas, possuindo a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, e assim a possibilidade de possuirmos uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente – à base da água, de vento, de sol, das marés, das ondas do mar e da biomassa. Entretanto, ainda não “acordou” para esta realidade. Não despertou para as suas imensas possibilidades, e para a sua responsabilidade face à preservação do planeta e da vida.
Os que decidem no setor elétrico não podem continuar dando respostas aos grandes desafios do século XXI com as mesmas soluções dadas aos problemas do século XX. A hora é de inovar, de ousar, de pensar mais no país e não nos próprios interesses econômicos que representam.
* Publicado originalmente no site IHU-Online.
(IHU-Online)