Amazônia regional

Em um cenário de ameaçadora mudança climática, nasce um projeto para que os governos de cinco países da América do Sul troquem informação sobre os impactos deste fenômeno global na Amazônia e adotem medidas para enfrentá-los.

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A colheita de café na selva de Puno, Peru, ilustra o deslocamento de cultivos devido à mudança climática. Foto: Milagros Salazar/IPS

Puerto Maldonado, Peru, 24 de dezembro de 2012 (Terramérica).- “Cada vez que alguém espirra no Peru, alguém no Brasil fica gripado. Cada vez que se produz um barril de petróleo no Equador, há um país vizinho que acabará comprando-o”, afirma a ecologista Yolanda Kakabadse. O que acontece nos países da América Latina está muito relacionado, com se fossem órgãos vivos de um mesmo corpo, completa Yolanda, ex-ministra do Meio Ambiente do Equador e atual diretora para a América Latina e o Caribe da Aliança Clima e Desenvolvimento (CDKN).

Por essa razão, esta organização impulsiona uma iniciativa para que Brasil, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia avaliem – mediante evidência científica – os riscos, impactos e as ameaças da mudança climática que a região amazônica compartilha. Não se trata apenas de medir impactos que já se evidenciam, mas de projetar os danos em médio e longo prazos. Quais implicâncias terá na vida das pessoas mais vulneráveis a temperatura da Terra aumentar dois graus até 2025?, questionou ao Terramérica Carolina Navarrete, do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), que também apoia esta iniciativa.

Para dar uma ideia, o “aumento da temperatura em dois graus poderá fazer com que os cultivos de café tenham que se deslocar 300 metros para cima e o mesmo acontecerá com outros plantios. Como nos prepararmos diante desta situação sem exercer pressão sobre zonas sensíveis, como as áreas naturais protegidas, por exemplo?”, perguntou Carolina. A intenção é que as autoridades possam responder com fatos a estas perguntas cruciais para a sobrevivência da população, explicaram Yolanda e Carolina a jornalistas destes cinco países reunidos em Puerto Maldonado, capital da região amazônica peruana de Madre de Dios.

Yolanda informou que o ministro do Meio Ambiente do Peru, Manuel Pulgar Vidal, seria o encarregado de convocar seus colegas dos demais países nos próximos dias, com a intenção de conseguir que sejam definidas, entre janeiro e fevereiro, medidas a serem adotadas. E em abril ou maio chegando a um compromisso formal. Contudo, esse ministério evitou se pronunciar a respeito, pois “ainda trabalha com outros setores e entidades vinculadas ao tema ambiental”, segundo comunicado entregue ao Terramérica no fechamento desta edição.

“É preciso transcender os governos da hora, porque os impactos não estão se evidenciando apenas agora, e há muito por fazer em médio e longo prazos”, destacou Yolanda ao Terramérica. Como primeiro passo, uma equipe científica acaba de elaborar um informe preliminar que evidencia a vulnerabilidade da Amazônia em um cenário de mudança climática. Para o documento (conduzido por Global Canopy Programme e Ciat, com financiamento da CDKN), os especialistas revisaram mais de 500 publicações dos últimos 15 anos e consultaram sites da internet e plataformas de dados sobre desmatamento e modelagem hidrológica.

O documento enfatiza as ameaças sobre os recursos hídricos, os alimentos e a energia, e como se relacionam entre si. Sem segurança hídrica na região, a segurança alimentar, energética e sanitária não será possível, afirma. O maior impacto será na qualidade da água, por desmatamento, extração de energia, mineração e uso de fertilizantes, entre outras atividades que ameaçam a selva e sua riqueza natural, alerta o estudo. Na última década, duas secas sem precedentes afetaram a Amazônia, em 2005 e 2010, enquanto as inundações arrasaram milhares de hectares de cultivos.

Segundo o britânico Met Office Hadley Centre para a previsão e pesquisa do clima, os eventos extremos se intensificarão e poderão acontecer a cada dois anos até 2025. Neste cenário, a competição pela água aumentará. Os usuários mais poderosos poderão ter maior controle sobre esse recursos, enquanto as populações locais, quase sempre as mais pobres, terão acesso a água de menor qualidade e em menor quantidade, adverte o documento.

A geração de energia também depende em boa parte da Amazônia. No Peru, a selva proporciona 73% da produção total de petróleo e gás natural. As centrais hidrelétricas amazônicas fornecem, por sua vez, mais de um terço da eletricidade no Equador e na Bolívia. Além disso, o apetite pelas grandes reservas provadas de petróleo na Amazônia exerce pressão sobre a proteção dos ecossistemas frágeis, em um contexto onde a energia gerada pelas hidrelétricas pode ser afetada pela mudança do comportamento dos rios.

A ameaça está ao alcance da mão. O total da energia hidrelétrica da Amazônia do Brasil é estimado em 116 gigawatts (GW), dos quais são explorados apenas 16 GW. Do restante desse potencial, 25% afetaria territórios indígenas e 16% está em áreas naturais protegidas, detalha o informe. Simultaneamente, cresce a exportação de alimentos proporcionados pela Amazônia, um território em que, paradoxalmente, um em cada três habitantes passa fome.

O surgimento de vetores de enfermidades em zonas antes não imaginadas – como a malária de climas quentes no frio Lago Titicaca – também exige enfrentar o problema em bloco, afirmam os especialistas. Todos esses impactos e projeções revelam que “o planejamento de longo prazo é importante, como a gestão do risco no presente”, pontuou Carlolina. Yolanda ressaltou que, em qualquer caso, não se deve perder de vista a enorme importância que tem a conservação da Amazônia e das suas áreas naturais protegidas. São “o cofre” que devemos preservar para tempos ainda mais difíceis que se avizinham, alertou. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.

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