Para reduzir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera, a UE decidiu, há três anos, aumentar o uso de biocombustíveis no transporte. Na diretriz de 2009 sobre energias renováveis, foi fixado o objetivo obrigatório de elevar para 10% a proporção de agrocombustíveis no transporte até 2020. Contudo, mesmo antes da aprovação desse documento, organizações não governamentais de diferentes partes do mundo já haviam assinalado vários dos problemas associados aos combustíveis orgânicos.
A organização britânica ActionAid calculou que, para cumprir o objetivo fixado pela UE, seria preciso converter 69 mil quilômetros quadrados de ecossistemas naturais em terras de cultivo, uma área maior do que a da Bélgica e da Holanda juntas. Além disso, a conversão de florestas, pradarias e turbas em terras para produzir biocombustíveis levará à liberação na atmosfera de 56 milhões de toneladas a mais de dióxido de carbono ao ano, equivalente a entre 12 milhões e 26 milhões de automóveis a mais até 2020. A organização estima que a quantidade de bicombustíveis extras no mercado da UE será entre 81% e 167% pior para o clima do que os combustíveis fósseis. As ONGs também preveem que o aumento no uso de combustíveis previsto pela UE pressionará para cima os preços da canola, do milho e do açúcar.
Um estudo do Instituto Internacional Austríaco de Análises de Sistemas Aplicados (IIASA), aponta que o objetivo de 10% coloca mais 140 milhões de pessoas em risco de sofrer fome, especialmente os pobres que vivem nas cidades, os agricultores de subsistência e as pessoas sem terra dos países em desenvolvimento. A International Land Coalition, com sede em Roma, disse que a demanda de biocombustíveis é responsável por mais de 50% da concentração de terras no mundo.
No começo deste mês, a Comissão Europeia divulgou sua comunicação para depois de 2020 sobre energias renováveis. Apesar da campanha incessante de várias ONGs para eliminar o objetivo, a nova comunicação silencia sobre as consequências dos biocombustíveis sobre a segurança alimentar nas nações em desenvolvimento, o que deixa aberta a possibilidade de um objetivo semelhante para 2030.
“A Comissão Europeia (órgão executivo da UE) pretende decidir sobre a política para 2030 sem considerar primeiro os impactos da política para 2020”, disse à IPS o especialista da Oxfam em biocombustíveis do bloco, Marc-Olivier Herman. “A nova comunicação especifica critérios concretos para medir o impacto ambiental, mas nada fala sobre as consequências sociais dos biocombustíveis. A palavra ‘alimento’ nem mesmo é mencionada no documento, quanto mais segurança alimentar”, apontou.
Segundo Herman, a Comissão avança muito rapidamente para instâncias do setor industrial. Os “investidores em biocombustíveis querem segurança”, alertou. “Desde que foi fixado o primeiro objetivo em 2009, a indústria de biocombustíveis cresce com rapidez. Agora quer saber o que acontecerá depois de 2020. E é um setor com muito poder de lobby aqui em Bruxelas”, acrescentou.
Enquanto isso, os efeitos sociais da crescente demanda de biocombustíveis se agravam. Por exemplo, uma grande porcentagem de indígenas da Guatemala sofre uma nova crise de fome pela concentração de terras, por expulsões forçadas e pelo desvio de água para criar grandes plantações de monocultura de palma e cana-de-açúcar para produzir combustíveis orgânicos. Em março de 2011, policiais e soldados guatemaltecos expulsaram mais de três mil indígenas de suas casas no Vale do Rio Polochic para dar lugar a plantações em grande escala. Expulsas de suas terras, as 700 famílias sofrem uma severa desnutrição e alta taxa de mortalidade infantil por diarreia ou febre.
Três meses depois de se reunir com o presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, o modesto agricultor Daniel Pascual, do Comitê de Unidade Camponesa, chegou a Bruxelas para informar os dirigentes europeus das consequências sociais dos biocombustíveis. “Com uma crescente demanda por biocombustíveis, esta crise de fome só vai piorar”, declarou Pascual à IPS no dia 18. “Precisamos de atores externos como a UE para garantirmos que não causem mais danos com suas políticas. E precisamos que pressionem nosso governo para que respeite os direitos da população”, destacou. Porém, é pouco provável que a União Europeia reduza sua demanda.
“Quem ganha com esta política? Não é o meio ambiente, mas os agricultores europeus pelos efeitos positivos da demanda sobre o preço dos produtos, e a indústria de agrocombustíveis que foi direta ou indiretamente construída com fundos e empréstimos da UE”, observou Herman. O funcionário da Oxfam acredita que o problema vai piorar nos próximos anos, pois os atores tradicionais também se interessam cada vez mais pelos biocombustíveis. “Shell e BP investiram forte no açúcar brasileiro no ano passado”, afirmou. “Querem continuar líderes no setor e também pressionam Bruxelas. Cada um olha o assunto de seu próprio ponto de vista racional, mas o resultado final é uma loucura pura”, ressaltou. Envolverde/IPS
(IPS)