Estocolmo, 20/08/2007 – Enquanto o mundo enfrenta novas ameaças de escassez de água, desatadas por fenômenos como o aquecimento global e as demandas de bioenergia, Cingapura e Iraque são apontados com dois extremos em matéria de administração hídrica. Cingapura, a diminuta cidade-Estado de 4,5 milhões de habitante, é apresentada como um grande êxito, apesar da ausência de recursos naturais. Já o Iraque é descartado por ser considerado um grande fracasso, embora conte com dois importantes rios. O sucesso amplamente reconhecido de Cingapura em relação às políticas hídricas deu a esta nação do sudeste da Ásia o prêmio Água da Indústria de Estocolmo, por ocasião da Semana Mundial da Água, encerrada no sábado na capital sueca.
"Nos asseguramos
de que nosso fornecimento hídrico seja sustentável pelos próximos cem anos, ou
mais", disse Khoo Teng Chye, principal executivo da agência nacional da água de
Cingapura. Isto teria sido imaginado nos anos 60 e 70, quando Cingapura
enfrentou todos os problemas da urbanização rápida: escassez de água, rios
contaminados e conseqüentes inundações. "Em 10 anos, os rios foram limpos. O
Cingapura ficou livre de contaminação e está repleto de peixes", disse Chye na
cerimônia de entrega do prêmio durante a conferência patrocinada pelo Instituto
Internacional da Água de Estocolmo.
Cingapura, que antes dependia
principalmente da vizinha Malásia para obter água, agora tem três fontes
adicionais: coleta das bacias locais conhecidas como as Quatro Torneiras
Nacionais, bem como a reciclagem e a dessalinização das águas do mar. As quatro
unidades recicladoras de Cingapura atendem 15% das necessidades hídricas da
cidade-Estado. Para daqui a três anos se planeja criar uma quinta que, junto com
as demais, atenderá 30% da demanda de água. "Todos os países industrializados
podem aprender em Cingapura qual é a melhor maneira de administrar eficiente e
eqüitativamente o fornecimento hídrico urbano e os sistemas de manejo de
esgotos", disse o professor Asit Biswas, do Centro do Terceiro Mundo para Manejo
de Água, com sede no México.
Após assinar um novo acordo de associação
com Cingapura para promover em conjunto o manejo seguro da água potável no
âmbito global, a diretora-geral assistente da Organização Mundial da Saúde,
Susanne Weber-Mosdorf, disse que "Cingapura é um modelo de manejo integrado da
água". Por isso, "a OMS espera trabalhar de perto com esse país para
compartilhar essa perícia em administração hídrica com seus Estados-membros",
acrescentou.
Em contraste com Cingapura, o Iraque tem abundante água
doce, procedente de dois importantes rios, Tigre e Eufrates. Mas este país, rico
em recursos naturais e com vastas reservas de petróleo, enfrentou vários anos de
conflitos.
Entre eles, uma guerra com o vizinho Irã (1980-1988), a
invasão liderada pelos Estados Unidos em 20 de março de 2003 e a posterior
ocupação, bem como violência sectária. Com resultado, segundo a Organização das
Nações Unidas, o setor hídrico do Iraque "sofreu uma importante deterioração em
anos recentes". Os fatores que contribuiram para isto incluem uma séria falta de
coordenação entre vários organismos públicos, pouca capacidade de implementar um
plano nacional de recursos hídricos, o fato de que esses recursos estão cada vez
mais esgotados e a degradação ambiental.
"Uma demonstração surpreendente
de sua má administração é que 90% dos recursos hídricos do Iraque atualmente são
usados para agricultura, enquanto ainda importa a maioria de seus produtos
agrícolas", segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Uma conferência de doadores realizada em maio na Jordânia destacou os principais
desafios no Iraque e propôs um plano de ação a longo prazo para minimizar a
crise hídrica nesse país devastado pela guerra.
"A fim de reverter esta
tendência, é essencial potencializar a capacidade do governo para coordenar e
desenvolver uma estratégia integrada de manejo de recursos hídricos", disse
Paolo Lembo, diretor do Pnud para o Iraque. "É verdade que atualmente o Iraque
enfrenta importantes desafios humanos, mas nossa responsabilidade não é apenas
responder às terríveis realidades do presente, mas também assentar as bases para
um futuro desenvolvimento sustentado", acrescentou Lembo.
Em um estudo
divulgado em Estocolmo, a Unidade de Pesquisas Internacionais sobre Serviços
Públicos, com sede na França, destacou que a África do Sul, como Cingapura, é
outro país no caminho correto para conseguir uma efetiva administração da água.
Em 1994, com o fim do apartheid (regime de segregação racial em detrimento da
maioria negra do pais), cerca de 15,2 milhões (38%) dos 40 milhões de
sul-africanos careciam de acesso a um fornecimento básico de água.
Os
governos pós-apartheid construíram uma infra-estrutura que atende as
necessidades de quase 10 milhões de habitantes rurais. E até 2009 espera-se que
a África do Sul atenda as necessidades básicas de todo país. O estudo indica que
qualquer tentativa realista de desenvolver serviços hídricos em países de renda
média e baixa deve centrar-se no setor público. "Apesar de toda a atenção dada à
privatização da água nos últimos 15 anos, os serviços hídricos do mundo
continuam sendo fornecidos em sua maioria esmagadora pelo setor público", afirma
o documento.
Em nações de renda média e baixa, 90% das cidades com mais
de um milhão de habitantes eram abastecidas, até meados de 2006 por um operador
do setor público. "Este predomínio do setor público está crescendo, na medida em
que as empresas privadas se retiram de muitas das concessões e dos contratos em
países em desenvolvimento", diz o informe. Em áreas rurais, onde há poucos
negócios lucrativos para as companhias privadas, a porcentagem de serviços
hídricos proporcionados pelo setor público é de quase 100%.
(IPS/Envolverde)
Legenda: Canal de irrigação no Rio Tigre,
Iraque.
Crédito da imagem: Water Encyclopedia
(Envolverde/ IPS)