Investigação da ONG mostra que empresas estão consumindo os últimos estoques de madeira da região oeste do Pará, onde teriam sido assentados 25% do total de assentados pelo Incra em 2006
Manaus, (AM) — O
Greenpeace denunciou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) por facilitar a atuação de empresas madeireiras em áreas de
assentamentos rurais na região de Santarém, no Pará. Levantamentos de campo e
documentos comprovam que o órgão estimula o estabelecimento de parcerias entre
madeireiras e supostas associações de assentados, em um esquema que prejudica a
floresta amazônica e milhares de famílias de trabalhadores rurais sem-terra.
Isso levou o Ministério Público Federal no Pará a pedir o cancelamento de 99
assentamentos criados na região em 2005 e 2006. A denúncia foi transmitida neste
domingo pelo Fantástico, programa da Rede Globo de Televisão.
A
investigação, realizada nos últimos oito meses, mostra que o Incra continua
destinando áreas florestadas para reforma agrária, em vez de criar assentamentos
em áreas griladas e já desmatadas. Segundo o estudo, o órgão federal
desrespeitou normas e acelerou a criação de dezenas de assentamentos nas áreas
mais ricas em recursos madeireiros, atendendo aos interesses das empresas
madeireiras.
O Greenpeace teve acesso a contratos e atas de reunião de
associações de assentados, que revelam detalhes de como funciona essa parceria,
batizada de "PPP", ou "Parceria Público-Privada". As empresas madeireiras
assumem parte das obrigações na implementação dos assentamentos – como a
construção de estradas e escolas – que, por lei, seriam tarefas do Incra. Em
troca, ficam com o direito de explorar a madeira da área. Os acordos também
ajudam o Incra a 'inflacionar' o número total de famílias supostamente
assentadas em 2006. Das 136 mil famílias assentadas no ano passado, 25% estão na
região de Santarém.
As irregularidades vão desde a existência de
assentamentos-fantasma (que existem no papel, mas não contam com nenhum morador)
até a escolha das áreas para criação dos assentamentos. Segundo depoimento de
madeireiros à CPI da Biopirataria em 2006, as empresas chegaram, inclusive, a
determinar onde os assentamentos deveriam ser criados, escolhendo as áreas com
mais disponibilidade de madeira de valor comercial.
"Enquanto o governo
brasileiro celebra a queda no índice de desmatamento, agentes deste mesmo
governo colocam um funcionamento uma máquina de assentamentos feitos em estranha
parceria com madeireiros para, com o verniz da reforma agrária e de justiça
social, garantir a oferta de madeira ao mercado", disse André Muggiati, da
campanha Amazônia do Greenpeace. "Em vez de investir nos assentamentos de forma
a garantir o uso sustentável dos recursos naturais, por meio de planos de manejo
comunitário, com assistência técnica, o Incra prefere aceitar a relação de
dependência dos assentados com as madeireiras, em troca das benfeitorias que o
próprio instituto deveria estar fazendo".
Historicamente, a exploração
predatória de madeira tem aberto as portas da devastação da floresta. A Amazônia
brasileira perdeu mais de 700 mil quilômetros quadrados de sua cobertura
florestal nas últimas quatro décadas. O desmatamento e as queimadas são a
principal contribuição brasileira ao aquecimento global. Por causa do
desmatamento, o Brasil é o quarto maior emissor mundial de gases que provocam o
efeito estufa.
Os acordos entre madeireiros e associações de assentados,
com o conhecimento e aprovação do Incra, configuram uma parceria onde quase todo
mundo ganha. O Incra ganha o "cumprimento" das metas nacionais de Reforma
Agrária. Os madeireiros ganham o lucro da venda da madeira retirada da área de
assentamento. Os "assentados" são enganados com a expectativa de um dia ficarem
com a terra. Nesse jogo, quem perde mais são a floresta e o clima do
planeta.
Crédito da imagem: Greenpeace
(Envolverde/Greenpeace)