Mercado de carbono limitado põe em risco florestas tropicais

Estudo alerta para a necessidade de se criar créditos preventivos para incentivar a proteção de áreas vitais no controle de carbono. 

Em uma irônica guinada, onze países que evitaram a destruição generalizada de suas florestas tropicais correm o risco de ficarem excluídos de um mercado de carbono emergente que visa promover a conservação de florestas tropicais para combater a mudança climática.

Um estudo publicado nesta terça-feira na revista da Public Library of Science Biology adverte que os países com “grande cobertura florestal e baixas taxas de desmatamento” (na sigla, em inglês, HFLD) podem vir a se tornar os alvos mais vulneráveis para ações de desmatamento se o Protocolo de Kyoto e as próximas negociações sobre o comércio de carbono não incluírem florestas que permanecem intactas.

O estudo, realizado por cientistas da Conservação Internacional (CI), Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul e Universidade da Califórnia-Santa Bárbara, defende que os países classificados como HFLD recebam “créditos preventivos” em qualquer mecanismo de comércio de carbono, como um incentivo para que eles protejam suas florestas tropicais intactas. Do contrário, segundo os autores, as mesmas forças econômicas que causam o desmatamento em outras partes do mundo atingirão rapidamente regiões que até o momento têm evitado perdas significativas.

O processo de derrubada e queima de florestas tropicais libera na atmosfera o carbono que elas armazenam, contribuindo significativamente para a mudança do clima global. Os países HFLD contêm 20% das florestas tropicais restantes no planeta, incluindo alguns do mais ricos ecossistemas.

"Dada a enorme – e provavelmente ainda subestimada – contribuição do desmatamento tropical nas mudanças climáticas, esses países ricos em florestas deveriam estar à frente dos esforços mundiais para o seqüestro de carbono, em vez de serem totalmente excluídos,” afirma Russell A. Mittermeier, presidente da CI e um dos autores do estudo. “Com este artigo, esperamos destacar esta questão crucial e colocá-la na mesa para futuras negociações”.

Até agora, o Protocolo de Kyoto e as discussões subseqüentes concentraram-se em créditos de carbono para florestas novas ou replantadas que substituam os serviços de armazenamento de carbono de florestas destruídas. As novas regras, em discussão na convenção estrutural sobre mudanças climáticas das Nações Unidas para implementação posterior a Kyoto, provavelmente criarão um mercado do carbono para países que reduzam o seu desmatamento com relação às taxas dos últimos anos.

Isso abrangeria países que perderam grandes trechos de sua floresta tropical original, assim como os que ainda preservam mais da metade da cobertura florestal mas atualmente enfrentam altos índices de desmatamento. Entretanto, onze países HFLD com mais da metade das florestais originais intactas e baixas taxas de desmatamento atual não receberiam créditos pelas florestas em pé.

“Assim que você exclui esses países, suas florestas perdem valor econômico no mercado de carbono global, dando aos governos poucos motivos para protegê-las”, argumenta o co-autor do estudo Gustavo Fonseca, presidente da CI-Brasil e professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

Os chamados países HFLD são Panamá, Colômbia, República Democrática do Congo, Peru, Belize, Gabão, Guiana, Suriname, Butão e Zâmbia, juntamente com a Guiana Francesa, que é território da França. Três deles – Guiana, Suriname e Guiana Francesa – abrangem boa parte da região do Escudo das Guianas ao norte da Amazônia, que é a maior extensão de floresta tropical intacta na face da Terra. Além disso, trechos de outros países de grande extensão territorial não incluídos entre os HFLD encontram-se na mesma situação. No Brasil, por exemplo, a Amazônia brasileira se depara com o mesmo problema dos países HFLD.

De acordo com o estudo, créditos preventivos para países HFLD a um preço conservador de US$ 10 por tonelada de carbono valeriam centenas de milhões de dólares por ano, oferecendo aos governos um significativo incentivo econômico para proteger as florestas tropicais que armazenam carbono atmosférico e proporcionam benefícios naturais essenciais a populações locais, como água limpa, alimento, remédios e outros recursos naturais.

A CI entende que qualquer mecanismo de crédito de carbono deveria incluir a plena representação, participação e consulta às comunidades tradicionais e locais das regiões com florestas tropicais. Desta forma, os programas de conservação e de desenvolvimento estariam em sintonia com os seus direitos e seus modos de vida tradicionais, que fazem deles guardiões dos ecossistemas cruciais nos quais vivem.

Junto com Fonseca e Mittermeier, os outros autores do estudo são Carlos Manuel Rodriguez e Lee Hannah, da CI, Guy Midgley, do Centro de Pesquisas Kirstenbosch do Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul, e Jonah Busch, da Escola Donald Bren de Ciência e Gerenciamento Ambiental, na UC-Santa Bárbara.
(Envolverde/Conservação Internacional)

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