Vila Teotônio, um dos lugares inundados pela represa da central de Santo Antônio. Foto: Mario Osava/IPS
Porto Velho, Brasil, 6/3/2012 – O comércio com o Peru, um mercado em acelerada expansão, ajudará Porto Velho, capital de Rondônia, a atenuar o impacto da perda de empregos e negócios gerados pela construção de duas centrais hidrelétricas no Rio Madeira. As obras das geradoras Jirau e Santo Antônio tiveram seu apogeu em 2011, quando empregavam mais de 40 mil trabalhadores, equivalentes a 9% da população total do município. Quando terminar sua construção, dentro de quatro anos, os funcionários encarregados da operação e administração das centrais serão centenas, não milhares.
“Haverá ressaca”, admitiu o superintendente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia, Gilberto Baptista.
Produtores de alimentos perecíveis, como hortaliças e ovos, perderão a alta demanda que propiciaram os megaprojetos, sem possibilidade de encontrar outros mercados, reconheceu Baptista. Contudo, ressaltou, não será uma depressão com desemprego e quebras generalizadas. O auge da construção em todo o Brasil, inclusive de hidrelétricas absorverá grande parte da mão de obra liberada. Na própria Porto Velho, se vive um boom habitacional e está sendo construída uma ponte de 975 metros sobre o Rio Madeira na rota para o norte, e mais tarde outra rumo ao sudoeste e ao Peru.
Além da maciça capacitação de trabalhadores, prática indispensável diante do pleno emprego dos já qualificados em outras partes do país, “as hidrelétricas fortaleceram as empresas locais”, ao buscarem por bens e serviços em grande escala, exigindo qualidade, prazos e normas rígidas, disse Baptista. Assim, as empresas se prepararam para disputar em mercados mais exigentes, no Brasil ou no exterior, e ganharam “musculatura para superar barreiras” e competitividade, acrescentou o dirigente empresarial. As esperadas obras de melhoria e ampliação das estradas e da hidrovia do Rio Madeira também facilitarão estas “exportações” de trabalhadores locais.
O Peru, com crescimento econômico superior ao brasileiro e a elevação da renda de sua população, constitui um “mercado promissor” de consumo crescente, agora que a Estrada Interoceânica coloca todo o sul peruano, até o Pacífico, em conexão viária rápida com o Brasil, explicou o superintendente. Carne, leite e seus derivados são alguns produtos que Rondônia pode exportar, em troca de cebola, aspargo, frutas e pescados de clima temperado, destacou.
Rondônia não fica tão perto do Peru. Entre sua capital e a fronteira são 880 quilômetros de estrada, cruzando o fronteiriço Estado do Acre. Entretanto, este Estado protagonizará a integração com os andinos, por sua economia diversificada, suas facilidades logísticas para o norte e o centro-sul do Brasil e seus 1,6 milhão de habitantes, acredita Baptista. O Acre tem menos da metade dessa população, que também é mais pobre. Com a Bolívia, que tem extensas fronteiras com Rondônia, são poucas as possibilidades de negócios devido ao limitado mercado do norte boliviano, de acordo com Baptista.
De todo modo, será necessário muito mais que exportações para evitar a decadência de Porto Velho. “Esperamos forte desemprego no próximo ano”, com o consequente aumento da violência e de outros efeitos sociais, declarou Pedro Beber, secretário extraordinário de Programas Especiais do município. Sua secretaria foi criada em 2007, para acompanhar e promover a melhor execução possível dos investimentos que as hidrelétricas estão legalmente obrigadas a oferecer ao município e às comunidades, para mitigar e compensar os impactos de suas obras.
Os programas socioambientais das duas centrais somam R$ 2,1 bilhões, mas metade se destina ao reassentamento de quase três mil famílias que terão suas casas ou terras inundadas pelas represas. “Isto não é compensação, mas custo de qualquer obra”, como a compra do terreno para uma edificação ou “substituir a bateria do automóvel”, e não remedia os danos, questionou Aluildo Leite, promotor do Ministério Público Estadual que coordena um grupo que monitora os impactos das hidrelétricas.
Entretanto, Leite vê “um saldo positivo” na construção de 22 postos de saúde e reformas de outros, bem como novas escolas, pavimentação de ruas e saneamento básico que foram proporcionados pelos recursos entregues pelos consórcios que ganharam a concessão de Santo Antônio e Jirau, em construção a sete e 130 quilômetros de Porto Velho, respectivamente. As compensações estão previstas nas chamadas condicionantes, ações impostas pela autoridade ambiental para conceder as licenças para implantação e operação das hidrelétricas pelas empresas concessionárias.
“No entanto, não são proporcionais aos danos e ao gigantismo das obras”, que atraem “violência, drogas e prostituição”, afirmou o padre Miguel de Moura, de um grupo católico que dá assistência “aos pobres que sofrem”, especialmente em Jacy-Paraná, o povoado mais afetado por ficar entre as duas hidrelétricas, a 90 quilômetros de Porto Velho. A cidade sofre “duas vezes o impacto” de projetos tão grandes, primeiro a invasão do início e auge da construção e depois a “queda do dinamismo” e o desemprego, resumiu Cleiton Silva, presidente em Rondônia da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior organização sindical do país.
Além disso, as compensações não mantêm a súbita prosperidade vivida por Porto Velho nos últimos anos, refletida nos hotéis lotados. Prédios de escritórios e inclusive um hospital se converteram em hotéis, para receber operários e visitantes de negócios. Será necessário promover o desenvolvimento econômico, impulsionando as “vocações” de Rondônia que, além da agricultura e pecuária, compreendem a piscicultura e a madeira, que pode ser extraída de florestas nativas de forma sustentável e por meio de projetos de reflorestamento, explicou Beber, agrônomo especializado em manejo florestal.
“Falta incentivo”, destacou, ao argumentar que a soja, em três décadas, se converteu no principal cultivo brasileiro, graças ao “crédito fácil” do Banco do Brasil. As plantações de eucalipto melhorado geneticamente são “mais rentáveis do que a soja”, acrescentou. No entanto, todas essas alternativas não oferecem empregos em massa como a construção de grandes hidrelétricas. Tampouco o fazem indústrias como uma grande metalúrgica, instalada em Porto Velho para produzir equipamentos mecânicos para hidreletricidade na Amazônia, e uma fábrica de cimento.
Assim, a capital de Rondônia vive o desafio de amortizar sua queda. A construção de edifícios já não custará US$ 1,75 mil o metro quadrado e a cidade não manterá o primeiro lugar no ranking de venda proporcional de motocicletas, o que se traduz atualmente em sete acidentes diários com fratura exposta de motociclistas, ressaltou Beber. Envolverde/IPS