A Rio+20 não será uma grande conferência sobre biodiversidade, mas sobre tudo o que diz respeito a ela. Foto: Cortesia CDB
Conseguir que a biodiversidade se integre às políticas de cada repartição governamental é o tipo de avanço necessário para frear o desaparecimento de flora e fauna, afirma Bráulio Ferreira de Souza Dias, secretário-executivo do Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.
Vancouver, Canadá, 27 de fevereiro de 2012 (Terramérica).- Cerca de 8,7 milhões de espécies, segundo as últimas estimativas, criam as condições para que a Terra seja um planeta com vida, ar, água e alimento. A humanidade sabe muito pouco sobre 99% delas, exceto que muitas se extinguem em grande velocidade. Como frear este processo que pode, inclusive, levar à extinção da espécie humana?
“O desafio é encontrar o ponto intermediário entre os interesses econômicos, a subsistência e a conservação” da natureza, respondeu ao Terramérica o novo secretário-executivo do Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB), mecanismo criado para ajudar os países a reduzir e reverter o desaparecimento de plantas, animais e outras espécies.
O brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias é doutor em zoologia pela Universidade de Edimburgo, e por muitos anos trabalhou no Ministério do Meio Ambiente do Brasil. Seu último cargo nessa pasta foi a chefia da Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Em entrevista ao Terramérica, Bráulio afirmou que se deve integrar a biodiversidade em todas as políticas e em todos os setores governamentais.
TERRAMÉRICA: Por que se extinguem as espécies e por que isto é grave?
Bráulio Ferreira de Souza Dias: Darei um exemplo. A agricultura tem muito impacto sobre a biodiversidade. A conversão de terras causa a perda de serviços fornecidos pelos ecossistemas naturais, como reduzir as inundações e limpar e reter a água. Também perdemos diversidade genética, o que significa menos opções para combater doenças no futuro, e muitas outras coisas potencialmente úteis para a humanidade. Quando uma espécie se extingue, se vai para sempre.
TERRAMÉRICA: Como novo secretário executivo do Convênio, como espera reduzir o desaparecimento cada vez mais acelerado de espécies?
BFDSD: Um objetivo importante é incluir a biodiversidade na agenda de todos os departamentos governamentais de todos os governos nacionais. Queremos que entendam e considerem os impactos sobre a biodiversidade quando elaboram normas e políticas. Estudos como o TEEB (sigla em inglês para “a economia dos ecossistemas e da biodiversidade”) fornecem dados sobre a importância da diversidade biológica para as economias de todos os países. Não é fácil conseguir e não há soluções mágicas.
TERRAMÉRICA: As mudanças no Código Florestal brasileiro podem levar a um aumento do desmatamento na Amazônia. A controvérsia que esta reforma gerou ilustra o desafio de incluir a biodiversidade nas políticas de Estado?
BFDSD: Este é um exemplo concreto. Os governos devem lidar com interesses que competem entre si. Neste caso, produtores agropecuários e ambientalistas, interesses agrícolas e o público em geral. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre os interesses econômicos, a sobrevivência e a conservação. Em 2011, a Câmara Federal adotou uma versão do Código que parecia favorecer os interesses agropecuários. Em dezembro, o Senado introduziu mudanças ao projeto que dão um enfoque mais equilibrado. Esta versão será apresenta em março na Câmara. O Brasil conseguiu reduzir o desmatamento na última década devido a uma melhor educação sobre o real valor da conservação e dos ecossistemas naturais. O público, definitivamente, aumentou a pressão sobre o governo.
TERRAMÉRICA: Quanto é importante a educação nesse sentido?
BFDSD: A informação é fundamental, mas também o são os instrumentos financeiros. Por exemplo, gostaria que a próxima Conferência das Partes (COP 11, que acontecerá em outubro, em Hyderabad, na Índia) surja um acordo para que os governos usem critérios de sustentabilidade ao realizar qualquer compra.
TERRAMÉRICA: Em 2010, a COP 10 adotou o Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos e a Participação Justa e Equitativa nos Benefícios Derivados de sua Utilização no Convênio sobre a Diversidade Biológico. A que os países signatários deste documento estão obrigados?
BFDSD: Em Nagoya as nações assumiram o firme compromisso de reduzir as perdas de biodiversidade. Foi um grande êxito. Agora, cada país tem uma estratégia nacional e um plano de ação para proteger a biodiversidade em seu território. Este compromisso deve ser levado aos âmbitos domésticos e a todos os setores para que haja resultados concretos. Não é fácil para a maioria dos países e exigirá financiamento e assistência técnica.
TERRAMÉRICA: Os especialistas e diplomatas que negociaram o Protocolo de Nagoya têm que conseguir que seus governos o adotem. Quando espera que o tratado seja ratificado e legalmente vinculante?
BFDSD: Mais de 90 países apresentaram cartas de acordo sobre a ratificação do Protocolo. Contudo, o trâmite legislativo em cada país demora. Temos algumas ratificações, mas não chegaremos às 50 necessárias para que o Protocolo entre em vigor a tempo da COP 11.
TERRAMÉRICA: Quais outros temas a agenda dessa Conferência incluirá?
BFDSD: Trabalharemos para criar um novo mecanismo de financiamento e um programa de trabalho. Esta é a parte de “como fazer” para cumprir os objetivos mundiais de biodiversidade. A conservação em alto mar será um tema especial. Nenhum país tem jurisdição sobre estas áreas, assim não é parte dos planos nacionais. As águas oceânicas são extremamente importantes em matéria de biodiversidade e de processos ecológicos (o plâncton oceânico fornece boa parte do oxigênio que respiramos).
TERRAMÉRICA: O que acontecerá com a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), prevista para junho, quando estará completando 20 anos da histórica Cúpula da Terra, na qual nasceu o CDB.
BFDSD: Há uma agenda ampla para avançar para uma economia verde. Esta não será uma grande conferência sobre biodiversidade, mas sobre tudo o que se relaciona com ela. Se a Rio+20 puser esta agenda em movimento, também ajudará a biodiversidade.
* O autor é correspondente da IPS.