Moradores deste departamento e do vizinho Chilecito mantêm parcialmente interrompida a passagem no posto Alto Carrizal, que fica a quatro mil metros de altitude, em um caminho de cascalho que leva a este cordão montanhoso que tem seu ponto culminante no monte General Belgrano, mais conhecido como Nevado de Famatina, de 6.250 metros de altura.
Ali se ergue como monumento histórico La Mejicana, uma mina do Século 19 e um teleférico de 35 quilômetros de comprimento construído em 1905 por uma empresa britânica para extrair ouro e outros metais de Famatina e exportá-los. Naquele momento, a exploração era em galeria subterrânea, mas hoje os projetos exigem grandes explosões, um uso intensivo de água e a lavagem da rocha com cianureto para retirar o metal, por isso os moradores se opõem.
O bloqueio, que se mantém dia e noite no posto Alto Carrizal, é seletivo. Podem passar moradores e turistas, mas está impedida a passagem de funcionários municipais e membros da empresa canadense autorizada pelo governo a explorar o monte. Os moradores têm apoio de organizações ambientalistas como Fundação Ambiente e Recursos Naturais, Los Verdes e Greenpeace, que nos últimos dias alertaram para ameaças e perseguição dos ativistas. Também a cada dia recebem apoios de partidos políticos de oposição e destacados artistas.
O conflito surgiu em outubro, quando os moradores souberam que a empresa provincial Energia e Minerais Sociedade do Estado (Emse), da província de La Rioja, havia assinado um convênio com a canadense Osisko Mining Corporation para explorar o Nevado Famatina. O acordo nunca foi divulgado publicamente. Tampouco foram realizados audiências ou estudos de impacto ambiental como manda a lei geral de Meio Ambiente. Nem mesmo as autoridades de Famatina foram chamadas para participar do convênio.
De fato, o intendente (governo local) Ismael Bordagaray também está ao lado dos moradores e participa das manifestações contra a mineradora. “Basicamente, porque tenho de seguir a postura da maioria da minha comunidade”, afirmou. Contudo, o prefeito disse que também se preocupa como cidadão. “Compartilho os temores e as preocupações que surgem pelos riscos de contaminação, pelo uso indiscriminado de água e pela falta de controles nesse tipo de projeto”, explicou.
Bordagaray contou que tomou conhecimento do convênio, que é muito vago em seus termos, e não sabe o motivo de não ser divulgado. O acesso ao convênio foi possibilitado pela empresa Osisko, não pelo governo provincial, que é do mesmo partido político que o seu, a Frente para a Vitória, majoritário setor de centro-esquerda do Partido Justicialista liderado pela presidente da Argentina, Cristina Fernández.
Governador provincial, Jorge Beder Herrera, tem um discurso muito inconsistente sobre a mineração. Durante a campanha eleitoral de 2011 esteve contra, mas depois de ganhar a eleição divulgou o convênio assinado com a mineradora. Agora, e apesar da forte rejeição, o diretor da Emse, Héctor Durán Sabas, afirmou que o projeto avançará “porque é uma decisão do Estado, uma política pública”.
Na Argentina, os recursos naturais pertencem a cada província e o Estado Nacional só cumpre o papel de regulador mediante leis que estabelecem os orçamentos mínimos sobre os quais se baseia a legislação específica disposta para cada distrito. Héctor Artuso, de Villa Pituil, explicou o motivo da rejeição. “Não somos ambientalistas nem antimineração, somos moradores que rejeitam o modelo exploração estrangeira dos recursos naturais utilizando cianureto e grande quantidade de água”, afirmou.
“A população está muito consciente porque já temos experiência nisto”, acrescentou, lembrando que em 2006 a resistência dos moradores dessa região deteve um projeto semelhante da mineradora canadense Barrick Gold Corporation e mais adiante outro de uma mineradora chinesa. Muitos dos que hoje participam destas mobilizações são os mesmos que protagonizaram os atos, marchas e bloqueios de estrada desde aquele ano, e as razões são sempre as mesmas: o medo da contaminação da água.
Também há grupos cooptados pelas empresas que dizem defender o projeto. “O pior disto é a contaminação social, porque provocam uma divisão atroz nestas comunidades pequenas”, alertou Artuso, acrescentando que, apesar de esta área de La Rioja ter muito a ser melhorado em nível produtivo, é importante destacar que ali são produzidos uvas e vinhos de qualidade destinados à exportação, “as melhores nozes do país”, além de azeitonas, pêssego, damasco, figo, ameixa e marmelo. “Temos também um potencial enorme para explorar o turismo nos montes, e esta seria uma atividade sustentável que pode prolongar-se no tempo, diferente da mineração que vem por dez ou 20 anos, contamina e se vai”, alertou.
Além da interrupção da passagem para o monte, que já conseguiu marchas e atos de apoio em oito províncias do país e em Buenos Aires, os moradores fizeram, no dia 16, uma grande caravana, da cidade de Famatina até o posto bloqueado. Em Famatina vivem cerca de 6.400 pessoas, e desta mobilização participaram mais de quatro mil procedentes desse departamento e de Chilecito, que também recebe água das geleiras e neves eternas do monte.
A IPS conversou por telefone com Carina Díaz Moreno, professora em Famatina que já tem dois processos por se colocar contra os grandes projetos de mineração em sua província. Ela passaria a noite em Alto Carrizal. “Vamos revezando e continuaremos ali até que o governo e a empresa desistam deste convênio”, afirmou a professora, que é uma das pessoas identificadas pela companhia como principais ativistas, segundo uma lista encontrada por acaso, em uma pasta esquecida em um prédio público onde empresários e funcionários haviam se reunido no final do ano para falar do projeto.
Quando um morador deu o alerta sobre esse encontro, o padre Omar Quintero, que apoia a reclamação, fez soar os sinos de sua paróquia em Famatina e cerca de 200 pessoas se reuniram para protestar. “Começamos a gritar que no Famatina não se toca e outras palavras de ordem e eles foram embora apressados. Por isso, se esqueceram da pasta”, contou Carina. Da lista constam ativistas com seus dados pessoais e ao lado de cada um aparece o que, segundo a companhia, seria o que buscam: “ressarcimento econômico”, “popularidade”, “cargos públicos”, segundo o caso.
Outra ativista, Jenny Luján, disse à IPS que “dialogar com eles significa negociar se haverá mais ou menos contaminação, mais ou menos benefícios para a comunidade, e isso não nos interessa. Sabemos que em Famatina há ouro, terras raras e outros minerais, mas a decisão está tomada. Não nos moveremos de Alto Carrizal, terão que nos tirar pela força”, disse Jenny. Envolverde/IPS
(IPS)