Wangari Maathai
Educada nos Estados Unidos e na Alemanha, a professora de anatomia vegetal da Universidade de Nairóbi, Wangari Maathai, não tirava da cabeça o que vinha testemunhando desde criança. Árvores substituídas por lavouras comerciais, como ocorre agora na Amazônia. O desmatamento do Quênia destruiu boa parte da biodiversidade e reduziu a capacidade das florestas de conservar água, um recurso bastante escasso na região.
Para mudar aquela situação, Maathai começou uma campanha de esclarecimento com grupos de mulheres mostrando que árvores deviam ser plantadas. Aos poucos, elas foram percebendo que o plantio gerava emprego, combustível, comida, abrigo, melhorava o solo e ajudava a manter as reservas de água. Nas últimas três décadas, as mulheres do Quênia plantaram mais de 30 milhões de árvores.
O trabalho de conscientização foi difícil. “O nosso povo foi historicamente persuadido a acreditar que, por ser pobre, também não tinha conhecimento e capacidade para enfrentar os seus próprios problemas. E esperavam soluções de fora. As mulheres não conseguiam perceber que para atender às suas necessidades básicas era preciso um meio ambiente saudável e bem manejado”, recorda.
A sua militância pacífica pela recuperação ambiental das florestas africanas foi reconhecida mundialmente em dezembro de 2004, quando ela recebeu em Oslo, na Noruega, o Prêmio Nobel da Paz. “Eu acredito que a solução para a maioria dos nossos problemas vem de nós mesmos”, ensina a professora e ativista, que hoje luta para cancelar a dívida externa dos países pobres.
Ambiente é fundamental
A família humana, na avaliação da professora Wangari Maathai, tem que enfrentar um fato muito grave: o meio ambiente é fundamental para alcançar a paz. Quando ele está degradado, as pessoas sofrem, pois não têm os recursos necessários para sobreviver. “É preciso compartilhar os recursos naturais de forma equitativa para reverter a distribuição injusta de recursos que atualmente existe no mundo.”
Na África, segundo ela, existem muitos conflitos por recursos naturais escassos e degradados. As pessoas lutam pelo que restou de terra, água, pastos e florestas. Para resolver estes graves conflitos, que estão gerando milhões de refugiados ecológicos em todo o planeta, a professora do Quênia defende uma consciência cada vez maior sobre três questões: sensibilidade ambiental, um bom governo democrático e paz.
“Nós plantamos árvores para proteger o solo, prevenir a erosão, fazer as pessoas entenderem que a terra é um recurso natural importante. Quando o vento e a água produzem erosão, a terra está perdida para sempre. Mostramos para as pessoas que o solo onde elas plantam é fundamental para ter boas colheitas. As árvores também são uma fonte de energia para a maioria das populações rurais”, ressalta Wangari.
A presidente do Movimento Cinturão Verde faz uma conta. Como cada pessoa emite gás carbônico, ela necessitaria plantar pelo menos dez árvores para zerar o seu impacto ecológico no planeta. “Por isso eu sempre insisto neste ponto: plantem pelo menos dez árvores!”, enfatiza a queniana também engajada na campanha dos quatro erres: reduzir, reutilizar, reciclar e reparar.
Wangari Maathai e as mulheres do Movimento Cinturão Verde tentam banir do Quênia as sacolas de plástico finas, pois elas não podem ser reutilizadas. No Japão, ela está engajada em uma campanha chamada MutaiNai para conscientizar as pessoas sobre a necessidade de respeitar e agradecer pelos recursos naturais. Por onde anda, a professora do Quênia dedica a sua vida à construção de uma paz ecológica.
Consciência moral, ética e recursos naturais
A professora Wangari Muta Maathai nasceu em 1940 na cidade de Nveri, no Quênia, e foi a primeira mulher a obter um título de doutora no Leste e no Centro da África. Em 1964, ela graduou-se em Ciências Biológicas no Mount St. Scholastica College em Atchison, no Kansas (Estados Unidos). Dois anos depois, concluiu o mestrado na Universidade de Pittsburgh. Depois de realizar o doutorado na Alemanha, Wangari obteve PhD na Universidade de Nairóbi, onde lecionou anatomia animal. De 1976 a 1987, Wangari participou ativamente do Conselho Nacional da Mulher do Quênia, onde começou a mobilizar grupos de mulheres em torno da campanha para o plantio de árvores. Mais de 30 milhões de árvores já foram plantadas por intermédio do Movimento Cinturão Verde (www.greenbeltmovement.org). Em 1998, ela passou a defender o cancelamento da dívida externa dos países pobres da África. Atualmente, a Prêmio Nobel da Paz 2004 trabalha no Ministério do Meio Ambiente do Quênia.
Wangari Maathai concedeu uma entrevista coletiva no dia 14 de outubro para jornalistas ambientais de 32 países reunidos na Itália, em Monte Porzio Catone, a 40 quilômetros de Roma. A seguir, trechos da conversa com os repórteres presentes no III Fórum Internacional de Mídia “Meio Ambiente, Caminho de Paz”, promovido pela Associação Cultural Greenaccord.
O consumo excessivo dos recursos naturais é um estilo de vida imposto pela nossa cultura ocidental e reforçado pelos meios de comunicação. É possível mudar esta tendência de hiperconsumo?
Wangari Maathai: Eu creio que precisamos elevar o nível da nossa consciência moral, voltar a ter uma perspectiva ética em relação aos recursos naturais e às outras criaturas. O problema é que ainda achamos que os nossos recursos durarão para sempre. Sem elevar o nosso nível de consciência ética, não poderemos entender que esse nível de vida tão elevado para poucos em detrimento de muitos não pode seguir adiante. No meu país, o Quênia, pelo menos 10% das pessoas vivem desperdiçando recursos porque querem imitar o nível de vida do mundo rico. Os recursos não são suficientes. Os países ricos exploram os recursos naturais dos pobres, e os poucos ricos dos países pobres fazem o mesmo. A nossa forma de lutar contra a pobreza é lutar contra esta forma de hiperconsumo, não apenas no mundo industrializado, mas também nos países em desenvolvimento, onde lamentavelmente estamos copiando o mundo rico em detrimento do nosso povo. Se seguirmos por este caminho, corremos um risco enorme.
Como garantir dignidade aos refugiados ecológicos que cada vez mais migram dos países devastados do Terceiro Mundo para a Europa e Estados Unidos?
Maathai: É muito difícil para um ser humano sentar e ficar sofrendo até a morte. Quando ele percebe que pode procurar uma vida melhor em outro país, ele migra. É preciso solidariedade e compaixão com estas pessoas que buscam um lugar melhor para viver. Mas é preciso também garantir condições para que estas pessoas possam viver nos seus próprios países com dignidade. É por isso que eu defendo o cancelamento da dívida externa para permitir investimentos locais que possam melhorar a economia dos países pobres, dando mais condições de trabalho às populações.
Como evitar a atual destruição florestal na África?
Maathai: Recentemente, eu fui chamada a ajudar na luta contra a destruição da Floresta do Congo, a segunda maior do planeta depois da Amazônica. A questão é que não temos recursos suficientes para impedir a devastação. Tem muita pobreza no meu continente, mas a África não é pobre, possui muitas riquezas no solo e nas selvas. Os países desenvolvidos exploram os nossos recursos sem qualquer escrúpulo. A exploração madeireira no Congo está destruindo a biodiversidade. A culpa é também dos nossos líderes africanos. Eles permitem que isto aconteça porque querem copiar o mundo desenvolvido. A imprensa não deveria falar só dos aspectos negativos do continente africano, mas nos ajudar a mobilizar a população e os nossos líderes.
Diante de tantos problemas ambientais, a senhora mantém o otimismo?
Maathai: Eu sempre sou otimista. Eu acordo pela manhã e sinto que tenho muitas razões para viver. Vivemos em um planeta que é único. O maior problema que temos é a ignorância. Tem muita gente que não sabe nada das mudanças climáticas. Este fenômeno é geralmente apresentado com dados complicados. Muitos chefes de Estado não se convencem que devem intervir. Nós não podemos deixar de insistir para que os nossos dirigentes tomem decisões. Temos que estar convencidos de que podemos fazer algo. Depois que as costas forem invadidas pelo mar e os campos inundados pelos rios, não haverá mais o que fazer. É fundamental que todos juntos insistam com os nossos líderes para que tomem consciência do risco e da gravidade da situação, e pensem não apenas nas vantagens de curto prazo, mas em políticas de longo prazo.
O colibri na floresta em chamas
Wangari Maathai – Prêmio Nobel da Paz de 2004
Nós recebemos informações sobre os furacões, a pobreza, a fome, as pessoas que morrem. Ficamos com uma ideia de que não podemos enfrentar estes grandes problemas. Dizemos para nós mesmos que o que podemos fazer é muito pouco e assim acabamos não fazendo nada. Uma vez um índio me contou esta história sobre um pequeno colibri.
Havia um grande incêndio na floresta. Preocupados, os animais fugiam da selva em chamas. Quando todos se encontraram em um lugar seguro, bem distante do fogo, ficaram apenas olhando. Eles sentiam que nada podiam fazer, pois o incêndio era enorme. No entanto, um pequeno colibri decidiu que tentaria apagar o fogo.
O pássaro foi até um rio próximo, pegou uma gota de água, sobrevoou a floresta em chamas e lançou a gota que carregava no bico. Enquanto ele ia e vinha, os outros animais lhe perguntavam: “O que você está fazendo? Nada podes fazer, tu és muito pequeno e este incêndio é muito grande”. Alguns animais tinham bicos bem grandes, e não ajudavam.
Mas o colibri estava convencido de que podia apagar o incêndio e continuou jogando pequenas gotas nas chamas que consumiam as árvores. Nós temos que ser como este colibri. Não podemos sucumbir diante das dificuldades. Temos que ser obstinados. E seguir levando água para apagar o incêndio, apesar dos outros animais.
Ao final, diante da floresta queimada, o colibri disse aos demais animais que havia feito o melhor que podia. Todos temos que fazer todo o possível. Estou convencida de que cada um de vocês se pergunta o que fazer. Eu lhes digo, façam o máximo que puderem. Eu tenho plantado árvores durante as últimas três décadas.
Universidade de pacificadores
Construir a paz em um mundo com cada vez mais conflitos – comerciais, ambientais, bélicos e diplomáticos – não é uma tarefa fácil. Para capacitar os pacificadores que atuam em todo o planeta, nas mais diversas profissões, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Universidade da Paz. A instituição acadêmica funciona na Costa Rica, país com larga tradição pacifista que extinguiu o seu exército em 1948.
“É preciso incluir o tema Paz e Segurança no currículo escolar, mostrando também as relações que existem entre os problemas ambientais e os conflitos humanos. Temos que romper a barreira das disciplinas tradicionais e ensinar a tratar a Terra como se quiséssemos continuar vivendo nela”, defende a nova reitora da Universidade da Paz da ONU, Julia Marton-Lefèvre.
Para a reitora, as relações que existem entre meio ambiente e paz devem ser debatidas em sala de aula para que os alunos possam discutir as causas dos conflitos. “Temos que ensinar as crianças sobre os nossos problemas reais. Quando as pessoas estão com fome e sede, elas roubam e até matam para comer e beber. É preciso discutir estas questões de uma maneira multidisciplinar”, ressalta.
Julia Marton-Lefèvre estará em Brasília nos dias 8 e 9 de dezembro reunida com representantes do governo federal para criar um curso da Universidade da Paz no Brasil, para capacitar profissionais para lidar com o tema segurança urbana nas grandes cidades. “Paz e segurança não são apenas palavras entre nações”, avalia. Informações sobre os cursos na Costa Rica e material didático estão na internet, no site www.upeace.org.
Nobel 2005 e a polêmica
O anúncio do Prêmio Nobel da Paz de 2005, feito no dia 7 de outubro, causou polêmica entre os ambientalistas. O Comitê da Noruega dividiu a premiação entre a Agência Internacional de Energia Atômica e o seu diretor, Mohamed El Baradei, pelo “esforço realizado para prevenir o uso militar da energia atômica e por garantir que a energia nuclear para fins pacíficos seja usada da maneira mais segura possível”. No mesmo dia, o diretor executivo da Greenpeace Internacional, Gerd Leipold, divulgou uma nota em Amsterdã questionando a escolha. Na opinião do ecologista, a Agência tem na verdade trabalhado nos últimos 15 anos para proliferar tecnologias (reprocessamento de plutônio e enriquecimento de urânio) que possibilitam a construção da bomba atômica em países como o Iraque, Coréia do Norte e Irã.
* Roberto Villar Belmonte participou do III Fórum Internacional de Mídia, “Meio Ambiente, Caminho de Paz”, a convite da Associação Cultural Greenaccord.
** Publicado originalmente no site da revista Extra Classe.