Ação movida pelo Ministério Público Federal consegue a paralisação imediata do licenciamento das atividades para criação de camarões no Complexo dos Abrolhos
Salvador – Em decisão tomada no último dia 12, o
juiz federal Ailton Schramm de Rocha, da subseção judiciária de Eunápolis (BA),
concedeu uma liminar suspendendo a continuidade do processo de licenciamento da
atividade de carcinicultura em Caravelas (BA). O empreendimento em questão
pertence à Cooperativa de Criadores de Camarões de Extremo Sul da Bahia
(Coopex), que pretende ocupar, com a maior criação de camarões em cativeiro do
país, 1.500 hectares de uma área de manguezais, restingas, lagoas costeiras e
nascentes, considerados Áreas de Preservação Permanente. A iniciativa contempla
a região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul - o Complexo dos
Abrolhos - e tem sido fortemente combatida por ambientalistas, pesquisadores e
comunidades ribeirinhas.
A ação civil pública foi movida pelo Ministério
Público Federal em maio do ano passado, logo após o Conselho Estadual de Meio
Ambiente da Bahia (CEPRAM) ter aprovado a licença de localização do projeto da
Coopex. Alegando o princípio da precaução, ou seja, no intuito de evitar a
degradação ambiental decorrente da carcinicultura, e amparado no fato de que a
atividade implica em exploração de zona costeira, portanto de domínio da União,
o juiz Ailton Rocha atribuiu ao Ibama a competência pelo licenciamento e
determinou, assim, a paralisação imediata do processo conduzido pelos órgãos
estaduais. A liminar foi concedida em parte, uma vez que indeferiu a suspensão
da licença já concedida pelo estado da Bahia, bem como a fixação de multa diária
pelo não-cumprimento da determinação judicial.
A autora da ação, a
procuradora da República Fernanda Oliveira, comemora a decisão do juiz. "A
suspensão do licenciamento significou um ganho, embora ainda provisório. Eu
estava esperando ansiosamente e torcia para que ela fosse favorável, com a
concessão da liminar. O Parque de Abrolhos tem uma importância ambiental muito
grande, pois abriga um alto número de espécies e uma enorme riqueza em termos de
biodiversidade. Portanto, qualquer empreendimento que possa vir a causar um
impacto ambiental significativo naquela região, deve ser visto com cuidado e
atenção dobrados", afirma.
Para Marcello Lourenço, chefe do Parque
Nacional Marinho (Parnam) dos Abrolhos, esta decisão judicial é uma grande
vitória para o movimento ambientalista. Ele lembra que, há pouco mais de um mês,
houve a anulação da zona de amortecimento do Parnam, o que significou um grande
retrocesso nas políticas sócio-ambientais da região dos Abrolhos. "A suspensão
do licenciamento da Coopex traz de volta a confiança e a esperança de que é
possível construirmos um futuro para a região que concilie conservação da
biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Sabemos que as experiências com a
carcinicultura, no país e no exterior, mostram que a atividade não é sustentável
do ponto de vista social e ambiental".
A região visada para o
empreendimento é reconhecida como o principal estuário do Complexo dos Abrolhos
e foi considerada, em 2002, como de Extrema Importância Biológica pelo
Ministério do Meio Ambiente.
Segundo levantamento realizado pelo Ibama,
pesquisadores da UERJ e da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil), na área de
influência da fazenda de camarão proposta pela Coopex vivem 1.372 pessoas, em
mais de 300 famílias, que dependem diretamente de atividades extrativistas
voltadas à mariscagem, agricultura familiar e pesca para sobreviver. Na região
dos Abrolhos, cerca de 20 mil pessoas vivem da pesca artesanal e dependem da
qualidade ambiental dos estuários da região. Renato Cunha, do Grupo
Ambientalista da Bahia, informa que está prevista, para a mesma área do
empreendimento, a criação da Reserva Extrativista do Cassurubá, uma antiga
demanda das comunidades locais.
"Esta unidade de conservação (UC)
integra um pacote de UCs para o sul da Bahia que já encontram-se na 'boca do
forno', aguardando apenas o decreto do governo federal. Todas as medidas legais,
incluindo a realização de estudos técnicos completos e quatro consultas
públicas, já foram tomadas".
Impactos socioambientais - De acordo com
dados do relatório do Grupo de Trabalho sobre Carcinicultura da Comissão de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, de 2005, os
impactos gerados pela atividade incluem danos aos ecossistemas e prejuízos
sociais. A modificação do fluxo das marés, a extinção de habitats de numerosas
espécies, a disseminação de doenças entre crustáceos e a contaminação da água
estão entre os efeitos ambientais identificados. "Os ecossistemas de Abrolhos
são frágeis, e dependem diretamente da saúde e integridade dos manguezais
existentes entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa.
Um
empreendimento como o da Coopex funcionaria de modo inverso a um filtro
captando, diariamente, 880 mil m3 de água limpa e repleta de larvas de peixes e
mariscos, e devolvendo água carregada de matéria orgânica e produtos químicos",
afirma Eduardo Camargo, coordenador do Instituto Baleia Jubarte.
Existe
ainda um alto risco de introdução de uma espécie exótica de camarão
(espécie-alvo da carcinicultura), proveniente das águas do Oceano Pacífico, nos
manguezais onde existem hoje camarões e outros recursos pesqueiros. O relatório
também revela que com o estabelecimento das fazendas de camarão, o
desaparecimento de espécies, a proibição de acesso às áreas de coleta de
mariscos e a expulsão de pescadores acarretam conflitos de terra e
empobrecimento das populações tradicionais.
"As autoridades não podem
permitir que este quadro se repita na região dos Abrolhos", enfatiza Paulo
Beckenkamp, da ONG ECOMAR, que atua em Caravelas. Ele explica que esse manguezal
é considerado o berçário da vida marinha em Abrolhos. "É lá que muitas espécies
passam as fases iniciais da vida e se reproduzem, inclusive algumas ameaçadas de
extinção. Este manguezal é habitat para diferentes tipos de crustáceos, como
camarões, caranguejos, siris e guaiamuns. Aves marinhas também utilizam o mangue
para repouso e alimentação, como o trinta-réis-real, considerado vulnerável à
extinção pelo Ibama. Por isso, qualquer alteração nesse ambiente implica em
efeitos em cascata por todo o ecossistema costeiro e marinho da região dos
Abrolhos".
Histórico do emprendimento – A audiência pública sobre o
empreendimento ocorreu no dia 10 de novembro de 2005, em Caravelas (BA), e
contou com a participação de cerca de 500 pessoas. O projeto gerou polêmica e a
discussão durou mais de oito horas. Os temas mais questionados foram geração de
empregos, poluição, uso de produtos químicos, impactos para os recursos
pesqueiros e possibilidade de contaminação do lençol freático. Na ocasião, foi
apresentado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) da Coopex.
O EIA/RIMA foi considerado inconsistente por
organizações ambientalistas e cerca de 30 pesquisadores, que sob a coordenação
da CI-Brasil, produziram um parecer independente. "O parecer traz uma série de
questionamentos sobre o projeto, apresenta detalhadamente os pontos fracos e
contraditórios do EIA que a Coopex apresentou ao CRA, e recomenda sua
desqualificação e a negativa da licença para o empreendimento", aponta Guilherme
Dutra, um dos organizadores do documento.
Por conta das inconsistências
no processo de licenciamento, o Ministério Público do Estado da Bahia entrou com
uma Ação Civil Pública, solicitando a suspensão do processo de licenciamento. Em
março de 2006, o juiz da comarca de Caravelas determinou, através de uma
liminar, a suspensão de todas as fases do processo de licenciamento ambiental do
empreendimento de carcinicultura da Coopex. Em 18 de abril de 2006, entretanto,
a liminar foi cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado, e o projeto voltou à
pauta do CEPRAM. Em 19 de maio de 2006, o CEPRAM aprovou a licença de
localização do projeto da Coopex, em que pese o voto contrário dos conselheiros
representantes de entidades ambientalistas e com uma manifestação contrária
também do Ministério Público Estadual.
Em 29 de maio, o Ministério
Público Federal em Ilhéus ajuíza ação civil pública requerendo à Vara Única da
Justiça Federal de Eunápolis concessão de liminar para suspensão de
licenciamento de atividade de carcinicultura no município de Caravelas. Na ação
civil pública, a procuradora da República Fernanda Oliveira pede ainda que o
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) assuma o
licenciamento, adotando as medidas necessárias para a correção das
irregularidades e que as licenças já concedidas pelo Estado sejam canceladas.
Crédito da imagem: Redmanglar Internacional
(Envolverde/Conservação
Internacional)