Limitar as áreas nas quais se possa plantar cana-de-açúcar, reduzir a queima de canaviais e incentivar a semeadura direta são esforços para reduzir os danos ambientais do boom do etanol brasileiro.
PORTO ALEGRE, 23 de julho
(Terramérica).- Para minimizar as críticas internacionais contra a indústria do
álcool produzido a partir da cana-de-açúcar, o governo brasileiro anunciou que
vai proibir os canaviais na Amazônia e no Pantanal. Além disso, pesquisadores e
produtores pretendem acabar com a queima dos canaviais e promovem a coleta de
cana crua, a plantação direta e a rotatividade com cultivos de alimentos para
dar uma resposta aos principais temores que desperta uma expansão descontrolada
da cana-de-açúcar.
Após a divulgação, este ano, de novos dados
científicos sobre a gravidade do impacto do aquecimento global provocado
sobretudo pelos combustíveis fósseis, o etanol, ou álcool combustível, passou a
ser visto como alternativa para reduzir o consumo de gasolina, pois sua
combustão emite menos gases causadores do efeito estufa. Este atributo ecológico
acelerou o boom da indústria alcooleira no Brasil e deu lugar a preocupações
ambientais, apresentadas com insistência pelos presidentes Fidel Castro, de
Cuba, e Hugo Chávez, da Venezuela. A queima da cana para eliminar as folhas ou
resíduos antes da colheita, que acontece na maioria das plantações, lança na
atmosfera quase 4,5 toneladas de dióxido de carbono por hectare.
Outro
temor é que os novos canaviais ocupem áreas destinadas a alimentos, como ocorreu
nos últimos anos na região de Monte Azul, norte do Estado de São Paulo,
tradicional produtora de laranja que viu muitos desses cultivos serem
substituídas por cana-de-açúcar. Um possível maior desmatamento da Amazônia
também preocupa os ambientalistas. Em parte para contra-atacar esses argumentos,
o Ministério da Agricultura anunciou, no dia 17 deste mês, que proibirá
canaviais na Amazônia e no Pantanal, gigantesca área úmida no oeste do
país.
A proibição se tornará efetiva por meio de um ordenamento
territorial das áreas onde poderão ser praticadas novas plantações, e que estará
pronto em um ano. O propósito é incentivar o avanço da cana em zonas agrícolas
já degradadas por pastagens. Outra medida anunciada é a certificação social e
ambiental de toda a cadeia produtiva açucareira, na qual trabalham técnicos da
Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) e que será discutida em
breve com os empresários do setor.
“A expansão da cana-de-açúcar em São
Paulo já acontece principalmente em regiões de pastagens, e inclusive integrada
à agropecuária. Não há necessidade de ocupar florestas, pois este país tem muita
terra degradada disponível”, disse ao Terramérica Marcos Landell, diretor do
Centro de Cana do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Um estudo deste órgão,
vinculado ao governo paulista, mostra que nos últimos 30 anos a produtividade
passou de 65 toneladas de cana por hectare para 90 toneladas por hectare. Também
cresceu a quantidade de colheitas, de três para seis, o que reduziu os custos de
novas semeaduras e seu impacto ambiental.
Além disso, cresce a colheita
mecânica da cana crua. Dessa forma, as folhas não são queimadas e caem no solo
como adubo. Segundo Landell, em algumas áreas são depositadas até 20 toneladas
de resíduos por hectares ao ano, o que representa um grande retorno de material
orgânico para os solos tropicais. A cana-de-açúcar ocupa sete milhões de
hectares no Brasil, quatro milhões apenas no Estado de São Paulo. Com a
produtividade de 30 anos atrás, seria necessário o dobro de superfície para
obter a mesma quantidade de álcool que é obtida atualmente, cerca de sete mil
litros por hectare, que os empresários esperam aumentar para até 11 mil litros
nos próximos anos, por meio de melhoramentos genéticos e
industriais.
Dentro de mais 15 anos, o aumento do rendimento em todo o
sistema produtivo deverá ser de 80%. “Deste modo, a área plantada não passaria
de 30 milhões de hectares”, segundo Landell. Na última década, os planos de
melhoramento permitiram plantar mais de 80 tipos de cana-de-açúcar, “o cultivo
com maior número de variedades em cada propriedade. Esta diversidade cria
resistência e serve como proteção às doenças”, explicou o pesquisador. Portanto,
usa-se menos pesticida, pois as variedades desenvolvidas são resistentes a
muitas doenças comuns dos canaviais.
Segundo o IAC, o avanço açucareiro
pode impulsionar a produção de alimentos. Do total plantado no Brasil, 15% ficam
disponíveis a cada ano para a rotação de cultivos em função da renovação dos
canaviais, o que representa milhões de hectares que podem ser destinados para
plantar soja, amendoim e outros cultivos. Na região paulista de Ribeirão Preto,
a plantação direta, sem remoção nem limpeza do solo, é cada vez mais usada
quando os canaviais são renovados. Os produtores plantam e colhem variedades
precoces de soja e amendoim sobre os resíduos de cana, antes de iniciar uma nova
plantação.
Em algumas propriedades, a nova cana é plantada sobre os
resíduos da colheita das leguminosas colhidas. “Esta é uma tendência
irreversível”, afirmou Landell. A plantação direta sem queima das folhas pode
ser adotada em todas as regiões produtoras do Brasil, afirma a Agência Paulista
de Tecnologia dos Agronegocios (APTA). Estima-se que a colheita de cana crua
captura uma tonelada de dióxido de carbono por hectare. “Quando a colheita de
cana crua, cujos resíduos aumentam a umidade e fertilidade do solo, se soma à
plantação direta, são potencializados os benefícios ambientais”, disse ao
Terramérica o pesquisador Denizart Bolonhezi, da APTA.
Em Ribeirão Preto,
há 40 mil hectares de amendoim plantados com semeadura direta e tradicional em
áreas de renovação de cana. Duas cooperativas, a Coopercana, na região de
Sertãozinho, e a Coplana, na região de Guariba, recebem e vendem a oleaginosa.
“Com a tecnologia atual pode-se conciliar a produção de alimentos e a de cana”
para etanol, assegurou Bolonhezi. Os avanços brasileiros permitem que a expansão
do álcool combustível tenha bases sustentáveis, afirmam seus defensores. Resta
saber se o governo conseguirá estabelecer critérios de produção adequados ao
meio ambiente e, sobretudo, fiscalizar as novas áreas plantadas, e também
impulsionar a busca de combustíveis mais ecológicos do que os
hidrocarbonos.
* O autor é colaborador do Terramérica.