Pessoas que se recusam a aceitar a verdade – que a AIDS é causada por um vírus, por exemplo, ou que o aquecimento global é uma realidade e consequência da atividade humana – sempre existirão entre nós.
Mas, à medida que fatos profundamente inquietantes relacionados com o ritmo do aquecimento tornam-se cada vez mais evidentes, o clamor daqueles que negam a mudança do clima parece finalmente ter sido superado pelo número crescente de realidades sombrias. Essas realidades são tanto óbvias quanto sutis: entre 1961 e 1997, as geleiras mundiais perderam cerca de 4 mil quilômetros cúbicos de gelo; uma vez que o Ártico está aquecendo quase três vezes mais depressa que a média global, a camada de gelo da Groenlândia pode já ter passado do ponto de salvação.
É pouco provável que a Groenlândia seja o único lugar em sério risco de grande mudança forçada. Uma projeção, de modo algum a mais alarmista, estimou que casas de 13 milhões a 88 milhões de pessoas no mundo todo poderão ser inundadas pelo mar a cada ano na década de 2080. Como sempre, os países mais pobres serão os mais penalizados. Pela primeira vez na história, mosquitos, transmitindo vírus tão graves quanto os da malária, hoje aparecem no Monte Kilimanjaro e em outras áreas montanhosas da África — lugares que por séculos serviram como reservatórios frios de segurança contra algumas das doenças mais devastadoras do mundo em desenvolvimento.
Embora estimativas específicas variem, cientistas e formuladores de políticas cada vez mais concordam que permitir a continuação das emissões nos índices atuais poderá levar a mudanças drásticas no sistema climático global. Alguns cientistas comparam a mudança climática a um maremoto que já não pode mais ser mantido à distância. Essas questões não podem ser facilmente resolvidas — mas não é demasiado tarde para evitar os piores efeitos do aquecimento, apesar do que muitas pessoas dizem. Além disso, para evitar os efeitos mais catastróficos dessas mudanças, teremos de estabilizar as emissões na próxima década e depois reduzi-las de 60% a 80% pelo menos até meados do século.
Isso é possível? Sem dúvida. Mas exigirá sacrifício e ciência na mesma proporção. (E a disposição de americanos e europeus de deixar de esperar que a China e a Índia reduzam suas emissões tão rapidamente quanto precisamos nós do Ocidente e deixar de usar seus pequenos avanços como desculpa para não fazer nada.)
As pessoas podem fazer muito. Segundo estudo de 2008 realizado por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon, por exemplo, se nós todos simplesmente deixássemos de comer carne e laticínios apenas um dia por semana isso faria mais para reduzir a nossa pegada coletiva de carbono do que se toda a população dos Estados Unidos comesse alimentos produzidos localmente todos os dias do ano. Na verdade, a produção de apenas um quilo de carne bovina resulta na mesma quantidade de emissão de gases de efeito estufa de um carro pequeno percorrendo mais de 112 quilômetros.
A maneira mais importante de conter as emissões de carbono é cobrar por elas, seja por meio da aplicação de multas ou com um sistema de cap and trade que fornece incentivos para a redução das emissões. Evidentemente, quando o custo de poluir é baixo há poucos incentivos para deixar de poluir, e o custo de poluir continua muito baixo. O Protocolo de Kyoto nunca foi ratificado nos Estados Unidos porque o governo Bush e o Congresso americano temiam que isso levasse ao desemprego em larga escala; no entanto, o governo Obama e um número crescente de congressistas entendem que os custos reais do aquecimento global serão, e em muitos casos já o são, bem mais elevados do que os custos de fazer de conta que o problema não existe.
Crises provocadas pelo clima apresentam o risco de desestabilizar regiões inteiras do mundo todo.
Essas questões não podem ser facilmente resolvidas — mas não é demasiado tarde para evitar os piores efeitos do aquecimento.
Mas o que fazer para acabar com as emissões de combustíveis fósseis? Uma forma, sem dúvida, é consumir menos. Outra é desenvolver novos tipos de combustível, combustíveis que não sobrecarreguem o meio ambiente. Os cientistas do mundo todo estão tentando fazer exatamente isso. Nos Estados Unidos, pessoas como Craig Venter, que liderou a equipe vencedora da disputa pelo sequenciamento do genoma humano, trabalham hoje na criação de micróbios que pode levar os Estados Unidos a avançar no que diz respeito à nossa dependência do petróleo — e ao mesmo tempo reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa. Há várias iniciativas similares em curso por todo o país. Na Califórnia, por exemplo, a Amyris Biotechnology, que já produziu um medicamento sintético contra a malária, desenvolveu agora três micróbios que podem transformar açúcar em combustível, inclusive um que converte fermento e açúcar em uma forma viável de diesel. A Amyris diz que até 2011 produzirá mais de 750 milhões de litros de diesel por ano — prova contundente do princípio segundo o qual podemos criar novas formas de energia sem destruir a atmosfera. O governo Obama sinalizou com palavras e dinheiro que tais esforços serão apoiados, o que, em um mundo dominado pelo poder político de interesses arraigados, não tem sido fácil.
Sem cooperação internacional, nenhum desses esforços fará grande diferença. Muitas pessoas começam a entender isso — razão pela qual, por exemplo, conservacionistas estão começando a pagar a pobres produtores de madeira em lugares como a Indonésia para evitar que suas florestas tropicais sejam devastadas por madeireiros. Só posso esperar que não seja preciso uma catástrofe para fazer o resto de nós confrontar os sérios desafios que enfrentamos — ou aceitar o fato de que podemos e somos capazes de enfrentá-los com sucesso.
*Escritor e Jornalista. Prêmio de Jornalismo Científico 2002 da Associação Americana para o Avanço da Ciência"
(Envolverde/Instituto Akatu)