Etanol no tanque do planeta

A produção brasileira de biocombustíveis está entre as maiores do mundo, mas pode derrapar se o país não entrar de cabeça no desenvolvimento do etanol de 2ª geração.

O Brasil de 40 anos atrás, governado por militares e profundamente dependente de petróleo importado, muito pouco tem em comum com o país que hoje não apenas produz todo o petróleo de que necessita, como prepara-se para ocupar um posto entre os maiores produtores do mundo. Assolado por uma crise internacional que lançou às alturas o preço dos derivados de petróleo, o governo do então general Geisel adotou nos anos 70 medidas drásticas para a economia de combustível, como fechar postos de gasolina à noite e nos finais de semana, submetendo a população a um quase racionamento. No entanto, nesse cenário germinou a semente do processo que transformaria o país em grande produtor mundial de biocombustíveis e estimularia o desenvolvimento de tecnologias pioneiras para o uso do álcool de cana-de-açúcar como combustível corriqueiro para automóveis.

O Proálcool, criado pelo governo em 1975, estimulou a produção de álcool para adicionar à gasolina e, assim, reduzir a dependência de importações de petróleo. Dois importantes ganhos ambientais foram os efeitos colaterais dessa decisão: a adição de um percentual de álcool à gasolina eliminou a necessidade de usar o poluente chumbo para regular a octanagem do combustível, e os motores a álcool fizeram com que o país reduzisse suas emissões de carbono em mais de 100 milhões de toneladas entre 1975 e 2000. Sob a ótica econômica, o país deixou de gastar mais de 11 bilhões de dólares no que, à época, era conhecido como "Conta Petróleo". Nesse mesmo período, as montadoras de automóveis contabilizaram a venda de quase seis milhões de veículos movidos exclusivamente a álcool, um modelo quase abandonado no início dos anos 90. A experiência, no entanto, serviu como base para uma nova geração de motores, os chamados flex-fuel, capazes de trabalhar tanto com álcool como com gasolina, e que já estão disseminados por diversos países.

Este é o contexto histórico que garante, em pleno século XXI, o sucesso e o crescimento de uma atividade que plantou suas primeiras raízes em 1532, na cidade de São Vicente, litoral paulista, quando Martim Afonso de Souza instalou o primeiro engenho de cana no Brasil. Hoje, existem no País 437 unidades industriais para processamento de cana para a produção de álcool e açúcar, sendo que a produção de álcool ultrapassou 25,5 bilhões de litros na safra 2009/2010. Além disso, o setor prevê investimentos de 33 bilhões de dólares até 2012, sendo 23 bilhões na área industrial e 10 bilhões na área agrícola.

No entanto, história, tradição e todo esse dinheiro não são suficientes para garantir ao Brasil um berço esplêndido nos próximos anos. A corrida pelo etanol celulósico, ou de segunda geração, produzido a partir da transformação de celulose em biocombustível, mobiliza muitos competidores. Estados Unidos, Europa e China estão no primeiro pelotão e o Brasil precisa acelerar o passo para garantir um lugar no pódio. " A produção de álcool a partir da celulose é um processo dominado, mas ainda caro", explica José Maria Gusman Ferraz, pesquisador da Embrapa. Ele acredita que em algum momento nos próximos cinco a dez anos o processo estará maduro para entrar em operação comercial.

Dados da Embrapa mostram que o álcool de cana-de-açúcar produzido no Brasil é o biocombustível de melhor balanço energético do mundo. Para cada unidade de energia fóssil, ou seja, derivada do petróleo empregada em sua produção, o álcool armazena 9,3 unidades. "A produção de etanol celulósico aumentará o volume de combustível sem aumentar a área plantada com cana-de-açúcar," diz Guzman Ferraz. A estimativa é de que o aproveitamento do bagaço e parte das palhas e das pontas da cana-de-açúcar elevem a produção de álcool em 30 a 40 %, sem que necessidade de aumentar a área plantada com cana-de-açúcar.

A perspectiva de ampliar a produção a partir de novas tecnologias está provocando um grande movimento entre as empresas do setor. E o Brasil está sendo visto no cenário internacional como um dos principais atores em um mercado global de biocombustíveis. Com pouca objetividade, mas alguma visão, um colunista do The New York Times, Thomas Friedman, chegou a publicar que o país pode ser comparado a uma "Arábia Saudita dos biocombustíveis".

Recentemente, no encerramento da reunião de primavera (no hemisfério Norte) do FMI e Banco Mundial, o presidente deste último, Robert Zoellick, afirmou que o programa brasileiro de biocombustíveis, que tem como base a cana-de-açúcar, é o que apresenta "maior eficiência energética e menores emissões de gases poluentes", em relação às pesquisas e projetos que estão em desenvolvimento em outros países. Zoellick alertou para os problemas que podem ser gerados com o uso de espécies também utilizadas como alimentos para a produção de biocombustíveis, o que pode provocar uma inflação no preço da comida. É o caso, por exemplo, do uso do milho nos Estados Unidos para a produção de álcool. Ele também criticou as tarifas impostas nos EUA para a importação de álcool brasileiro, que chegam a mais de 50 centavos de dólar por galão (3,79 litros).

Com este horizonte de otimismo, o Brasil passa por uma importante reacomodação das empresas que atuam na área. "Há um movimento da concentração da produção em grandes empresas: a compra da Santa Elisa/Vale pela Dreyfus; a compra do Grupo Moema pela Bunge; a ETH (da Odebrecht com um grupo japonês) comprando a Brenco; a Cosan, que adquiriu a rede de distribuição da Esso e estabeleceu parceria com a Shell; a parceria da Usina São Martinho com a Amyris; a gigante indiana Shree Renuka Sugar comprando a Equipav," conforme relata um documento divulgado recentemente pelo IPEA - Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada. Além disso, o governo está prometendo para os próximos dez anos investimentos de 7 bilhões de reais na construção de infraestrutura para o escoamento da produção de álcool.

Contudo, para que o álcool brasileiro, mais conhecido internacionalmente como etanol, ganhe o status de commoditie, será preciso ainda um esforço de diplomacia e comércio exterior. Carlos Campos Neto, coordenador de infra-estrutura do IPEA explica que para ser uma commoditie o produto precisa ter regularidade de fornecimento e ser produzido em escala para o mercado internacional em diversos outros países. "O Brasil tem se esforçado para convencer parceiros comerciais na América Latina e África a entrar nesse mercado, acenando inclusive com a participação de empresas e capital brasileiros", explica. O estudo do IPEA mostra que empresas européias já começaram a negociar terras na África para a produção e exportação do biocombustível. A suíça Addax Bioenergy já está em Serra Leoa; a sueca Sekalb, que importa etanol brasileiro, está negociando investir na Tanzânia.

Enquanto isso, continua em todo o mundo a corrida pelas enzimas necessárias para a produção do "etanol celulósico". Em fevereiro passado, um artigo publicado por Jessica Laber no New York Times anunciou que as empresas Novozymes, que tem unidade no Brasil, e Genencor, com sede na Dinamarca, haviam conseguido desenvolver enzimas para a transformação de celulose em etanol a custos competitivos, cerca de 24 centavos de real por litro. A esse valor já seria economicamente viável a implantação de indústrias de transformação de resíduos agrícolas em biocombustíveis. No caso brasileiro, a incorporação do bagaço de cana-de-açúcar ao ciclo de produção de álcool.

Embalada por sucessivos sucessos na área da exploração de petróleo, a Petrobras também vê no combustível verde uma oportunidade de mercado e não está disposta a ficar de fora. João Norberto Noschang Neto, Gerente de Gestão Tecnológica da Petrobras Biocombustível, conta que a empresa vem investindo nesta área desde 2004. "Queremos uma posição de destaque na produção de etanol de segunda geração, conseguido a partir de celulose", explica. A empresa anunciou recentemente uma parceria com a empresa holandesa BIOeCon para o desenvolvimento de tecnologias e produtos para utilização na conversão de biomassa lignocelulósica (celulose) em "plásticos verdes" ou na produção de biocombustíveis. A nova tecnologia, chamada de Bi-Chem, foi desenvolvida pela BIOeCON e tem potencial para a produção de biocombustíveis de última geração. Ela agora será testada em escala piloto e de demonstração, primeiro na Holanda, depois, no Brasil.

Em 2007, a Petrobras iniciou, em parceria com a empresa brasileira Albrecht e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a operação de uma planta piloto experimental para a produção de etanol de segunda geração em seu Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes), localizado na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. É única no Brasil utilizando a tecnologia enzimática. Segundo Noschang Neto, a empresa trabalha com a perspectiva de ter uma planta com capacidade de operação industrial na produção de etanol de celulose já em 2014. Para tanto, o Plano de Negócios para o período 2010 - 2014, anunciado pelo presidente José Sérgio Gabrielli, prevê investimentos nessa área de 3,5 bilhões de dólares. Esse montante praticamente iguala o Brasil ao esforço desenvolvido pelos Estados Unidos, que é estimado em 1 bilhão de dólares por ano.

Há poucos dias, foi anunciada em São Paulo outra parceria e investimento importante para acelerar as pesquisas e o desenvolvimento das tecnologias e enzimas necessárias para a produção em escala industrial do etanol celulósico. A Fapesp, agência de amparo à pesquisa do Estado, assinou um convênio com a Dedini Indústrias de Base, empresa responsável pela fabricação de grande parte dos equipamentos utilizados por usinas de álcool no Brasil, para financiar estudos e pesquisas. O valor total do investimento será de 100 milhões de reais, metade disso aportado pela Dedini. Os recursos deverão ser utilizados para fortalecer as pesquisas que estão sendo realizadas na Unicamp, por cientistas do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Energéticas (NIPE), que elaborou um estudo junto com o Ministério da Ciência e Tecnologia, cuja conclusão é que o Brasil poderá, em 2025, produzir etanol suficiente para substituir 10% de toda a gasolina consumida no mundo. Ou seja, 205 bilhões de litros de etanol por ano, mais de oito vezes o que produziu na última safra de cana-de-açúcar.

Hoje. a produção de cana-de-açúcar ocupa, segundo estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 7,531 milhões de hectares, distribuídos entre São Paulo, com 4,101 milhões; Paraná, com 590,1 mil; Minas Gerais, com 587 mil; Goiás, com 520,3 mil; e Alagoas, com 448 mil. Toda essa área produziu 25,5 bilhões de litros em 2009. Se se considera a estimativa otimista de aumento de produtividade de 40% com as tecnologias de etanol celulósico, a mesma área pode chegar a uma produtividade de 35,7 bilhões de litros. Para dar o salto para os 205 bilhões de litros estimados para 2025, será necessário agregar cerca de 40 milhões de hectares a mais ao plantio da cana. Números perfeitamente viáveis sem que seja necessário desmatar um só hectare de florestas em todo o País.

Um estudo realizado pela organização não governamental WWF-Brasil sobre o impacto da demanda mundial de biocombustíveis sobre a fronteira agrícola no Brasil registra a existência de aproximadamente 200 milhões de hectares de pastagens no Brasil, sendo que 30% dessas terras estão degradadas. O documento aponta que a área agrícola total brasileira é de cerca de 70 milhões de hectares. Portanto, somente com a recuperação das pastagens degradadas para uso agrícola será possível dobrar a área da agricultura nacional. E apenas como registro, tudo isso dentro das normas ambientais vigentes, sem flexibilização do Código Florestal Brasileiro.

O Etanol de Celulose
A produção de etanol a partir da celulose de resíduos vegetais, como o bagaço de cana-de açúcar, é dividida em quatro etapas. Na primeira, é feito o pré-tratamento dos resíduos por meio de hidrólise (uso da água para a quebra das moléculas) ácida para a quebra das fibras do bagaço e recuperação de açúcares mais solúveis em água. Em seguida, vem a retirada da lignina, material que protege as fibras de celulose da ação de micro-organismos e impede que haja a fermentação essencial para a formação de álcool. Na terceira fase, esse caldo é fermentado com a ajuda de leveduras para a formação de açúcares e depois recebe mesmo tipo de fermento utilizado nas padarias, a levedura Sacharomyces Cerevisiae. O resultado do processo vai para o mesmo tipo de destilação pela qual passa a fabricação de álcool com o caldo da cana. (Envolverde)

Colaboraram: Celso Dobes Bacarji e Neuza Árbocz.

(Agência Envolverde)

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