A proposta de mudança do Código Florestal brasileiro, indicada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), vai permitir cinco anos sem qualquer controle do desmatamento - contrariando a afirmação do projeto de que durante cinco anos o desmatamento seria proibido.
A interpretação é de Ana Cristina Barros, da ONG The Nature Conservancy (TNC). Ela acompanha os debates e as votações do Código Florestal na Comissão Especial para a Reforma do Código Florestal Brasileiro, na Câmara dos Deputados.
A ambientalista destaca três pontos prejudiciais do substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo: o período de cinco anos sem controle do desmatamento, a anistia dos desmatamentos ilegais ocorridos até 2008, e a isenção de reserva legal para propriedades de até quatro módulos fiscais.
Ana Cristina também criticou o "clima de cabo-de-guerra" entre ruralistas e ambientalistas. "Os deputados vão querer votar para dizer 'ganhei essa batalha', e não necessariamente para fazer um bem para o Brasil".
A próxima reunião para debater a reforma do Código Florestal acontece na segunda-feira, dia 28, às 14h.
Confira a entrevista na íntegra.
Amazonia.org.br - O deputado Aldo Rebelo disse que fez mais de 50 audiências públicas sobre o Código Florestal. Os ambientalistas não participaram dessas audiências?
Ana Cristina Barros - Não sabia que eram mais de cinqüenta, mas soube de algumas audiências. Soube da audiência de Mato Grosso, a de Goiânia. Infelizmente não pude participar de nenhuma. Depois eu soube que o meu nome foi aprovado para falar nas audiências públicas, mas o convite nunca foi efetivamente enviado.
Acho que as audiências públicas são um processo importante de discussão, de propostas, um espaço para abrir o debate à sociedade. Mas elas não deveriam ser tratadas nem como escudo nem como a única forma de informação.
Falando pela TNC, nós temos uma série de trabalhos de campo, mostrando que dá sim para implementar o código florestal. São trabalhos que mostram que existem empresas de produtores rurais interessadas em comprovar a qualidade ambiental de sua produção, e parece que isso não entrou como subsídio no texto proposto na comissão.
Também me surpreendeu não haver menção ao decreto Mais Ambiente, a regulamentação mais recente relacionada ao Código Florestal, que institui o Cadastro Ambiental Rural e cria cinco anos de prazo para o produtor se regularizar. É uma tentativa de regularização que a gente considera louvável, pois não recebe mais o produtor com uma multa quando ele se apresenta ao governo para se regularizar, e ainda permite que as multas sejam suspensas a partir do momento em que ele assume um compromisso. Dá pra citar também os termos de ajustamento de conduta com a pecuária no Pará. Ou seja, várias iniciativas como essas, que estavam criando condições gradativas para a regularização, parece que não foram usadas como insumo. No conteúdo do substitutivo elas não aparecem e não foram contestadas no relatório.
Amazonia.org.br - O que a TNC considera prejudicial nas propostas do substitutivo para o novo código?
Ana Cristina - A gente identificou quase uma dúzia dos assuntos dos mais quentes. Outras organizações chegaram a listar até 30 pontos. Para não fazer uma lista enorme, eu destaco três.
O primeiro, e mais importante, é o período de desmatamento liberado no país. A proposta diz que no prazo de cinco anos os Estados devem implementar programas de regularização ambiental, e, dentro desse tempo, ela diz que, por um lado, o desmatamento está proibido, mas, por outro, as multas estão suspensas. E ainda diz que o produtor que já esteja em algum processo de regularização tem a possibilidade de, unilateralmente, romper esse compromisso. Eu só consigo traduzir isso como um período de cinco anos sem qualquer controle sobre o desmatamento.
Amazonia.org.br - Então a proposta diz que são cinco anos com desmatamento proibido, mas o que acontece na verdade é o oposto?
Ana Cristina - Exatamente. Quando você diz que são cinco anos sem desmatamento, mas nesse período tira todos os instrumentos de controle - e não tira administrativamente, mas escreve na lei que as multas estão suspensas - você na verdade está fazendo o oposto.
O segundo ponto mais grave é a anistia do desmatamento ilegal acontecido até 22 de julho de 2008. O texto anistia o desmatamento que já aconteceu, e cria um período onde não tem governo.
O terceiro ponto é a isenção de reserva legal para áreas de até quatro módulos fiscais. Na Amazônia, um módulo fiscal pode ter 100, 150 hectares, então são áreas de 400, 500 hectares que poderão desmatar a reserva legal.
Amazonia.org.br - O argumento do relator é de que essa isenção facilitaria a atividade da agricultura familiar. Qual seria a alternativa para o pequeno agricultor?
Ana Cristina - Se a gente definir pequeno agricultor pelo Estatuto da Terra, isenta da reserva legal apenas o minifúndio, que é aquela propriedade de até um módulo fiscal. Isso se for para seguir na linha da isenção de reserva legal, o que não necessariamente é a melhor medida.
O pequeno produtor rural muitas vezes é dependente da reserva legal - ele tira produtos não-madeireiros, produtos da floresta, uma agropecuária que usa sombreados, e pode até extrair madeira de vez em quando. Ele tem muito mais o uso potencial da sua reserva legal. Assumindo que é para isentar a reserva legal para alguém, isenta o minifúndio, um módulo.
Agora, a receita ideal é dar subsídios ao pequeno agricultor para manter sua reserva, como o decreto - que não saiu - que facilita a tramitação da burocracia de averbação da reserva legal e a capacitação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] para que possa dar melhor assistência aos produtores. Acho que é como propõem os movimentos sociais: o que a gente precisa não é a mudança do código, mas um conjunto de políticas que permitam o seu cumprimento.
Amazonia.org.br - Outro ponto polêmico no substitutivo é a redução das Áreas de Proteção Permanente, as APPs.
Ana Cristina - Acho que isso é problemático, principalmente porque o parecer dá aos Estados a competência para fazer isso. Um problema que foi levantado - não é a minha área, mas foi levantado pelo pessoal da área urbana - é que ele define que as APPs urbanas devem ser registradas como parte do plano diretor de uma cidade, e dá direito pleno à prefeitura para revogar a APP. Ou seja, as cinco mil prefeituras do país vão ter direito de revogar a APP, e você pode imaginar o que vai acontecer com especulação imobiliária
Amazonia.org.br - Qual a sua expectativa para a votação do código? Acredita que será aprovado?
Ana Cristina - É de uma apreensão enorme. O que eu vejo é que a comissão tem uma parcialidade muito grande, uma representação que chamamos de ruralista, mas que não representa todos os produtores rurais.
Meu medo, por conta do ano eleitoral, do debate ter sido colocado num cabo de guerra entre ambientalistas e ruralistas, é que os deputados vão querer votar para dizer "ganhei essa batalha", e não necessariamente para fazer um bem para o Brasil.
(Envolverde/Amazônia.org.br)