Quito, 7 de junho (Terramérica).- A espetacular geleira número 15 do Antisana, uma das fontes de água potável da capital equatoriana, perdeu no mínimo 36% de sua massa original nos últimos 50 anos. O Antisana é um glaciar do ramal oriental da Cordilheira dos Andes, cujos três picos podem ser admirados de Quito em dias claros, pois se encontra na mesma latitude, ao sul da linha equinocial e 50 quilômetros para leste.
Por sua importância estratégica, é a mais estudada destas montanhas andinas. Tem sua longitude medida anualmente e sua massa a cada mês, como parte do acompanhamento do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, francês), junto com o Instituto Nacional de Meteorologia e Hidrologia (Inamhi) e a Empresa Metropolitana de Esgoto e Água Potável de Quito (Emaap-Q). O Cotopaxi, um dos maiores vulcões em atividade do mundo, cujo cume também pode ser visto de Quito, perdeu 40% de sua massa glacial entre 1976 e 2006, indicou Bernard Francou, representante do IRD no Equador, em entrevista ao Terramérica.
Os estudos do IRD e suas contrapartes nacionais demonstram que no Equador ocorre o mesmo que nas geleiras das cordilheiras Real, da Bolívia, e Blanca, de Peru e Colômbia, que perderam, em média, 30% de sua massa. No caso dos picos nevados que não chegam aos 5.400 metros de altitude a deterioração é maior, como ocorre com os picos Chacaltaya e Charquini, na Bolívia, Broggi, Yanamarey e Pastoruri, no Peru, e Carihuairazo, no Equador, que, estima-se, desaparecerão no prazo de 10 a 20 anos.
Bolívar Cáceres, responsável no Equador pelo projeto Geleiras, que o Inamhi mantém desde 2000, disse ao Terramérica que é realizado “o monitoramento do balanço da massa, de energia e dinâmica dos picos nevados, de dois do Antinasa (o 15 e Los Crespos) e do Carihuairazo”. Este especialista acredita que deve ser mais aprofundado o estudo das mudanças sofridas com as variações do clima e “sua possível relação com o aquecimento global, o que ainda não é bem conhecido”.
A engenheira ambiental Margarita Arias, que prepara uma tese de mestrado no Antisana, explicou ao Terramérica que utiliza modelos matemáticos para discriminar qual das variáveis meteorológicas (temperatura, velocidade do vento, brilho do Sol, etc.) tem maior influência em seu retrocesso. Por seu lado, Cáceres disse que apesar de sabermos que se trata da mudança climática, o que “tentamos determinar é sua influência de maneira exata”.
Após muitos estudos, a conclusão de Francou, com todas as precauções que tomam os cientistas, é que “o aumento da temperatura atmosférica, e seu efeito sobre a altura do limite neve-chuva, deve ser a causa mais provável do aumento da linha de equilíbrio das geleiras”. Francou, um dos maiores especialistas mundiais na matéria e autor ou coautor de livros e artigos científicos e de divulgação, disse que a redução das geleiras é um dos indicadores da mudança climática. As coisas mudaram radicalmente e em sua totalidade os Andes tropicais nos últimos 35 anos, embora estas massas geladas venham diminuindo desde o final da chamada Pequena Idade do Gelo (PEG), afirmou.
Os paleontólogos dão esse nome ao período frio iniciado no Século 14 que terminou em meados do Século 19, e, no caso concreto dos Andes equatoriais, durou até 1880. “A dramática perda de geleiras nestes últimos cinco anos é antrópica, isto é, produzida pelo homem, consequência do errado modelo de consumo de energia ao qual se aferra a atual civilização”, disse Francou, colaborador do Grupo Internacional de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC). Francou e seus colegas realizam estudos com diferentes métodos, inclusive nos “arquivos de gelo”, isto é, realizando perfurações no gelo e observando seus sinais químicos e isotópicos.
Cientistas do IRD e andinos retiraram amostras profundas do Pico do Chimborazo (6.280 metros de altitude), no Equador, e no Illimani (6.350 metros de altitude) e o Sajama (6.550 metros de altitude), na Bolívia, e perfurações curtas nos picos equatorianos Antisana, Cotopaxi e Cayambe. Estudando as amostras de colunas de gelo das profundidades das geleiras que subsistem, fizeram uma reconstrução climática dos últimos 20 mil anos, para criar modelos de cenários climáticos atuais e futuros.
Para conhecer a história das geleiras nestes últimos séculos, além dos “arquivos de gelo”, são usadas outras fontes, como a cartografia antiga e as observações feitas desde o Século 18 por cientistas, exploradores e pintores, embora as vejam com olho crítico. Modernamente, os especialistas em geleiras lançam mão da datação das morenas (cristais formados de detritos das rochas transportados pelas geleiras) e de uma cartografia precisa da evolução de suas superfícies com ajuda de fotografias aéreas.
Assim foi descoberto que a linha de neve permanente dos Andes equatoriais se manteve constante entre 4.750 e 4.800 metros de altitude do começo do Século 18 até o início do Século 20, que depois retrocedeu levemente e, por volta de 1975, perdeu seu equilíbrio entre 4.900 e 4.950 metros de altitude. A partir de então, a perda teve uma brusca aceleração e hoje a linha de neve permanente está em 5.100 metros de altitude. As poucas geleiras que subsistem abaixo dessa altitude em algumas montanhas do Equador “estão condenadas a desaparecer irremediavelmente em poucas décadas”, afirmam.
Contudo, Francou resiste em especular sobre o que pode ocorrer com as geleiras maiores que, em geral, estão acima dos 5.100 metros de altitude. “Para saber isso é necessário relacionar modelos matemáticos sobre as tendências do clima do futuro com uma modelação de sua resposta dinâmica. Isso exige uma base de informação glaciológica que ainda não existe sobre nenhuma geleira dos Andes”, explicou. “Assim, todo tipo de especulação ou de declaração definitiva que repercuta na imprensa sobre o fim das geleiras dentro de determinado prazo não tem nenhuma base científica”, ressaltou.
Contudo, aceita que a simples extrapolação da tendência climática dos últimos 35 anos até às próximas décadas “é fatal para muitas geleiras, particularmente para as menores, que são as mais desequilibradas diante do clima atual”. E “o clima é nossa responsabilidade! Temos que fazer tudo para reverter essa tendência... Cada um em sua função. Por isso, a imprensa é tão importante”, exclamou.
* O autor é correspondente da IPS.