A pior catástrofe não são os terremotos, mas a onda de desleixo que avassala o planeta

Uma Terra de ninguém? – A sequência não é boa. Dilúvio no Brasil. Terremoto no Haiti. Calor de 8°C no Ártico. Nevasca nos Estados Unidos. Enchente em Buenos Aires. Tempestade na França. Outro terremoto, no Chile. Alteração no eixo terrestre. Tsunamis. Iceberg-monstro descolado da Antártida a errar pelo Atlântico Sul. Terremoto de novo, em Taiwan. E, pelo que diz o Dunga, seleção brasileira sem Ronaldinho Gaúcho na Copa. Para quem crê que o fim do mundo se avizinha, este começo de ano parece farto de indícios. Sir Martin Rees, professor de cosmologia e astrofísica na Universidade Cambridge e, como um dia foi Isaac Newton, presidente da Royal Society (a academia de ciências do Reino Unido), engrossa o caldo apocalíptico. Mas com a cautela de um cientista e a esperança de que ele mesmo esteja errado. Reportagem de Christian Carvalho Cruz, no O Estado de S.Paulo.

No livro Our Final Century, de 2003, por aqui intitulado Hora Final – Alerta de um Cientista (Companhia das Letras), ele defendia que havia 50% de chance de que a civilização atual sobrevivesse ao final deste século 21. Hoje ele acha que podemos continuar por aqui, mas sabe-se lá como. De todo modo, nosso ponto final teria pouco a ver com a colisão de um asteroide desgovernado ou com um agito geológico nos intestinos do planeta. Para Rees, que aos 68 anos enverga o título de barão de Ludlow e o epíteto de “um dos astrônomos mais influentes da atualidade”, a devastação da biosfera, uma guerra nuclear entre novas superpotências e o uso indevido ou descuidado da ciência são nossos maiores perigos. Visto de outra forma, é o ser humano apertando o próprio pescoço – lentamente. A salvação passaria, entre outras coisas, pelo uso correto da energia (“uma enorme quantidade de calor é desperdiçada por ineficiência das edificações”), pela adoção de outro estilo de vida (o planeta nunca será sustentável se 8 bilhões de pessoas viverem como os americanos”) e pela distribuição justa dos benefícios da globalização (“o prestígio dos banqueiros deve ser reduzido ao dos vendedores de automóveis”). Senão…

No site de apostas e previsões “responsáveis” Longbets.org, Rees mantém há oito anos uma conjectura sombria: “Um único evento de bioterrorismo ou ‘bioerro’ fará 1 milhão de vítimas em 2020″. Ele explica: “A biotecnologia está avançando clara e rapidamente. Em 2020 haverá milhares ou mesmo milhões de pessoas capazes de causar uma catástrofe biológica. Minha preocupação não é apenas com grupos terroristas organizados, mas com idiotas individuais com a mentalidade dessas pessoas que hoje produzem vírus de computador”. Eis o tal bioerro – um desastre tão letal quanto um ataque terrorista, mas causado por um inadvertido e não por alguém realmente mau. No site, 47% dos visitantes estão com Rees, e 53% contra ele. “O risco é real. Mas eu tenho esperança de perder essa aposta”, ele disse ao Aliás na entrevista a seguir.

Terremotos, inundações, nevascas, tsunamis e outros desastres naturais matando tantas pessoas pelo mundo seriam sinais do início do fim dos tempos?

Não há evidência sólida de que esses eventos sejam mais frequentes agora do que no passado. Mas é claro que as consequências são mais severas, porque há mais pessoas e por causa da maneira como nós vivemos nas cidades.

Gelo diminuindo no Ártico, iceberg que se desprende da Antártida. O sr. crê em aquecimento global?


Acho que há indícios bastante fortes de que o mundo está se aquecendo por causa das atividades humanas. Mais importante: nós sabemos que a concentração de dióxido de carbono no ar é maior hoje do que foi por centenas de milhares de anos e, se continuarmos a depender da energia de combustíveis fósseis, no final deste século essa concentração terá duas ou até três vezes o nível observado no período pré-industrial. A física simples sugere, então, que há um risco alto e real de mudanças climáticas graves e irreversíveis.

A capacidade do ser humano de se adaptar a condições de vida adversas impede que ele reaja e faça algo para evitar o próprio fim?

Sim, nós podemos nos adaptar. Mas será que, em vez disso, não deveríamos tentar impedir que o mundo se altere a ponto de o meio ambiente ser irreversivelmente degradado e a biodiversidade, destruída? O mundo desenvolvido precisa ser mais eficiente no uso da sua energia. Uma enorme quantidade de calor é desperdiçada por ineficiência das edificações e (especialmente nos Estados Unidos) por conta do excessivo transporte rodoviário, extravagante na utilização de combustível. Temos de embarcar nas novas tecnologias do século 21 e garantir que o resto do mundo evite os erros cometidos pelos Estados Unidos e pela Europa.

Ainda temos tempo para evitar o fim ou devemos nos resignar?

A aplicação prudente da ciência e a distribuição justa dos benefícios da globalização entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento reduziriam o risco de danos à nossa civilização. A crise financeira nos fez lembrar do perigo de acontecimentos imprevisíveis – eles têm baixa probabilidade de acontecer, mas, quando acontecem, as consequências podem ser desastrosas. A ação internacional foi eficaz na prevenção de um colapso financeiro completo. Mas o foco sobre os bancos destacou as injustiças sociais decorrentes das enormes desigualdades em termos de riqueza. A crescente desigualdade, especialmente entre a elite financeira e o resto, é socialmente corrosiva. O prestígio dos banqueiros deve ser reduzido ao dos corretores de imóveis ou dos vendedores de automóveis.

Por que o sr. diz que temos 50% de chance de sobreviver ao século 21?

Eu não digo exatamente isso. Eu acredito que iremos sobreviver, mas há 50% de chance de nossa civilização sofrer um sério revés até lá. É difícil prever em que grau estará a evolução tecnológica 25 anos adiante. Lembre-se que décadas atrás a internet, o iPhone e a navegação por satélite (GPS) pareceriam bruxaria. Precisamos garantir que as inovações tecnológicas que virão sejam usadas para o bem, como essas que citei têm sido. E temos que aceitar que os riscos e os desafios éticos da biologia sintética sejam tratados por um acordo internacional. Acima de tudo há o desafio político para evitar conflitos em um mundo no qual será cada vez mais difícil obter equilíbrio entre o autoritarismo e a anarquia.

Por que o sr. acredita nisso?

Porque pequenos grupos criminosos ou dissidentes (ou mesmo indivíduos) estarão mais habilitados pela tecnologia moderna, podendo causar perturbações muito maiores. Vai ser mais difícil preservar as liberdades tradicionais.

O sr. também diz que, se sobrevivermos, um futuro glorioso nos espera. Que futuro é esse?

Como astrônomo, eu sei que o Sol não está nem sequer na metade de sua existência. Levou 4 bilhões de anos para que nós evoluíssemos desde o primeiro sinal de vida. Mas, tendo em vista o que resta de tempo ao Sol, ainda há pelo menos 5 bilhões de anos pela frente para uma evolução “pós-humana”, sobre ou fora da Terra. Os seres humanos não são o ponto culminante da evolução, assim como não o era o primeiro peixe que rastejou para a terra seca.

O que é evolução pós-humana?


Não há mais tempo pela frente do que o tempo que foi necessário para evoluirmos até aqui, a partir do lodo primitivo. Assim, a vida pós-humana poderia ser diversa e maravilhosa – e tão diferente de nós como nós somos de um inseto.

Quais os três maiores perigos que enfrentaremos neste século?

Primeiro: que os seres humanos, coletivamente, devastem a biosfera, destruam a biodiversidade e mudem o clima de maneira nociva. Segundo: que possa haver uma guerra nuclear entre novas superpotências. Terceiro: que alguma tecnologia nova possa apresentar risco se for usada de modo equivocado ou por terroristas.

Afora as pessoas muito religiosas, gostamos de acreditar que a ciência sempre será a nossa salvação, sempre encontrará maneiras de nos manter aqui, num razoável bem-estar. Quando leio seus textos fico com a sensação de que a ciência, na verdade, possa se tornar o nosso maior algoz. O sr. é um cientista que teme o que a ciência pode fazer?

Eu tenho grandes esperanças, e também grandes medos. Acredito que a resposta para os problemas do mundo não seja parar a ciência, mas prosseguir com ela e conduzi-la melhor. As tecnologias que alimentam o crescimento econômico hoje – miniaturização, tecnologia da informação e medicina – são benéficas no modo como estão poupando energia e matérias-primas e beneficiam tanto os ricos quanto os pobres.

A ciência deve ser controlada? Quem estabeleceria os limites?

Os limites são fixados pela prudência e pela ética. As decisões sobre esses limites não devem ser feitas só por cientistas, mas pelo grande público em geral. É por isso que é importante que todos tenham algum interesse pela ciência. Do contrário não há debate político sério sobre os problemas (e há cada vez mais deles) nos quais a ciência desempenha um papel, como meio ambiente, energia, saúde, segurança.

A humanidade precisava da ovelha Dolly?


Nós não queremos a reprodução humana por clonagem, mas podemos obter reais benefícios médicos e agrícolas a partir da biotecnologia moderna. Na ciência sempre há riscos quando fazemos algo pela primeira vez. Mas, obviamente, devemos aceitar alguns desses riscos. Do contrário não avançamos.

O sr. mantém a aposta de que um evento bioterrorista ou de bioerro fará 1 milhão de vítimas até 2020?

Eu tenho esperança de perder essa aposta. Mas o risco é real.

Os ambientalistas repetem que a Terra não terá recursos suficientes para manter uma população mundial de 8 bilhões de pessoas em 2050. O sr. concorda?

A “capacidade de carga” do mundo depende do nosso estilo de vida. Ela nunca será sustentável se 8 bilhões de pessoas viverem como os americanos. Mas podemos viver de forma civilizada, com base nas novas tecnologias. Certamente seria melhor se, após 2050, a população mundial começasse a diminuir em vez aumentar. Há uma preocupação especial com o crescimento rápido na África, onde será difícil escapar da “armadilha da pobreza” a menos que as taxas de fecundidade caiam para os níveis de outras partes do mundo.

O que o fim da Terra e da raça humana significará para o Universo?

Depende se a vida inteligente é algo raro ou comum. Se é uma exclusividade da Terra, nossa destruição seria uma catástrofe cósmica. Se ela está generalizada no Universo, seria uma catástrofe para a humanidade, mas uma trivialidade em perspectiva cósmica.

Nós devemos pensar em como manter a vida sem uma Terra para viver? Que opções teríamos?

Espero que algumas pessoas que vivem hoje possam caminhar em Marte. Mas acho que isso será alcançado por meio de um programa de alto risco e custo baixo (em vez do estilo atual da Nasa, mais voltado para a questões de segurança e, por isso, caro demais). As primeiras pessoas a irem a Marte poderão ter um bilhete só de ida e nunca mais voltar. Em qualquer lugar no espaço o ambiente é mais inclemente do que na Antártida ou nos picos dos Andes. Só os aventureiros vão querer ir.




Fonte: Roberto Luiz Nadal Mendes / Fantástico .
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