Rodar quilômetros por trilhas e trechos alagados, escalar árvores, até 15 metros de altura, pendurados apenas em cordas é a rotina da equipe do Projeto Arara Azul. Formada e liderada pela bióloga Neiva Guedes, ela monitora e protege filhotes de araras azuis no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Cada ninho é registrado e acompanhado assim como cada ave nascida. Estas recebem uma anilha e um microchip que permitem sua identificação e inibem a ação de caçadores ilegais.
Este trabalho inspira e reúne esforços para a proteção não só da espécie foco, mas de todo o ambiente onde ela vive. Um trabalho que completou 20 anos em 2009, com muita luta e persistência, sobrevivendo do amor à camisa, de pessoas que trabalham frequentemente, sem remuneração alguma.
Paixão à primeira vista
Conservar a biodiversidade brasileira não é tarefa fácil, num país ainda em ritmo acelerado de crescimento populacional e urbanização, e onde a própria abundância da Natureza acaba por pesar contra ela. Ao ver tanto “mato e bicho” ao redor delas, muitas pessoas próximas a áreas naturais ainda têm dificuldade em pensar que eles podem desaparecer.
Foi o que descobriu na pele Neiva Guedes quando se apaixonou pelas araras azuis.
Ela conta que não sabia ainda ao certo se desejava mesmo ser bióloga quando, durante uma saída a campo com sua turma, avistou um bando destes pássaros, colorindo o céu pantaneiro. O seu espanto e encanto foi imediato, ao que o professor respondeu com voz triste: "pouco se sabe sobre estas aves e elas estão diminuindo, ano a ano".
Foi o suficiente para ela ser tomada pela determinação de defendê-las. Ela elaborou uma pesquisa para descobrir o seu processo de reprodução e formas de auxiliar sua preservação. Seu projeto foi aceito para o Mestrado na Esalq/USP. Ela se entusiasmou e aprendeu com rapidez as técnicas de escalada para chegar aos ninhos, feitos sempre em alturas de 8 a 15 metros.
No que dependia dela, não havia tempo ruim. Saía cedinho e voltava no fim do dia, pegando sol, chuva e comendo muitas vezes apenas bolachas que levava consigo. Mesmo assim, as dificuldades em executar o estudo ficaram aparentes. Neiva tinha que percorrer grandes distâncias e chegar nos capões nas horas certas para localizar os ninhos. A carona com outros pesquisadores não atendia as suas necessidades.
Sem recurso para ter um carro, ela então, escreveu a montadoras que tinham modelos capazes de rodar por terra e alagados, solicitando o empréstimo de um veículo. Depois de várias recusas, encontrou apoio com a Toyota, quando um de seus engenheiros se sensibilizou durante uma palestra de seu professor orientador, Álvaro Fernando de Almeida. A empresa de origem japonesa lhe cedeu um Toyota Bandeirante e ela passou a contribuir para as melhorias deste modelo, anotando seu rendimento e performance fora das estradas.
"Sem esta parceria, o projeto não poderia ir adiante", relata Guedes.
Moça das araras
Com mais autonomia para circular, Neiva passou a percorrer maiores distâncias, indentificar mais ninhos e mapear melhor a vida das araras. Descobriu que esta espécie demora cerca de oito anos para iniciar sua postura de ovos e só procria a cada dois anos. A cada vez, põe apenas de 1 a 2 ovos e, em geral, só um filhote sobrevive.
Se isto não bastasse, ela precisa de grandes cavidades ocas, a grandes alturas, para formar o ninho e permitir que o filhote cresça por três meses, até ser capaz de voar. Estas cavidades são disputadas por outros animais, como tucanos, gaviões e araras vermelhas e também desaparecem por ação humana, que cortam árvores de grande porte.
A arara azul só come dois tipos de cocos: o acuri e o bocaiuva e assim, só sobrevive onde estes frutos estão presentes. Com muita garra, Neiva foi divulgando este conhecimento entre os fazendeiros do Mato Grosso do Sul e motivando-os a cuidar e proteger as condições necessárias para a sobrevivência da espécie. O que resultou num maior cuidado e proteção de todo o ambiente pantaneiro.
Ela passou a ser conhecida como a "moça das araras" e foi conquistando a confiança e amizade de peões e boiadeiros. Era chamada se alguém quisesse cortar uma árvore com ninho, para dialogar em prol de suas protegidas. Sobreviveu com recursos de bolsa científica e mais quatro meses sem renda alguma, até se tornar professora na Uniderp - Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal, que passou a abrigar sua pesquisa.
Recebeu apoio de entidades nacionais e internacionais, como WWF, O Boticário e o Hyacinth Macaw Fund, criado pelo casal Elly de Vries e Richard Welch de Los Angeles, EUA, especificamente para angariar recursos para este trabalho. Finalmente, em 1998, passou a contar com uma base de campo, oferecida por Roberto Klabin, em seu refúgio ecológico Caiman.
Com a base, o Projeto pôde contratar um assistente de pesquisa para ficar em tempo integral no campo. Esta presença mais próxima e constante trouxe mais proteção e hoje, o projeto já conseguiu aumentar de 1000 para 5000 o número de araras azuis no Estado em que atua. Um recurso de sucesso utilizado foi a colocação de ninhos de madeira em pontos adequados, já que faltam ninhos naturais.
Em 2003, Neiva funda o Instituto Arara Azul e com a colaboração de pesquisadores e voluntários alcança, em 2006, um total de 604 ninhos cadastrados, sendo 386 ninhos naturais e 218 artificiais, mapeados em 57 fazendas em 5 sub-regiões do Pantanal. Hoje é um dos programas de defesa da biodiversidade do Pantanal de maior repercussão internacional. Atrai especialistas e pesquisadores de várias regiões, que também estudam outras espécies locais, inclusive botânicas, como o Manduvi, árvore chave no Pantanal e preferida pelas araras para seus ninhos.
É um inspirador exemplo de cooperação entre empresas, fazendeiros e ambientalistas.
Centro de Referência
Sua existência contribui para que o Brasil desperte para a importância da variedade das espécies nativas que possui. Muitas ainda pouco conhecidas e com propriedades surpreendentes. Para dar-lhe mais visibilidade e difundir todo o conhecimento gerado, a Toyota, através de sua Fundação inaugurada em março passado, decidiu financiar um Centro de Referência do Instituto Arara Azul, em Campo Grande.
O Centro terá capacidade para receber grupos de 20 a 30 pessoas, exporá os resultados das pesquisas de campo e também desenvolverá atividades de educação ambiental para crianças, jovens e adultos. Para saber mais, acesse: http://www.projetoararaazul.org.br/
(Agência Envolverde)