Nas negociações internacionais do clima, a palavra mitigação sempre aparece com mais destaque que ‘adaptação’. Afinal, diante da aceleração das mudanças climáticas previstas por cientistas, aumenta a pressão para que ações para frear as emissões de gases do efeito estufa comecem imediatamente. Porém justamente porque os efeitos do aquecimento global parecem estar acontecendo mais rápido do que o esperado, a adaptação se torna cada dia mais urgente.
“Mitigar e adaptar são termos que se confundem muito. Adaptação significa colocar em prática medidas para vivermos em um mundo com um clima mais quente e um regime diferente de chuvas”, explica José Gustavo Feres, técnico em planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A porta-voz da Organização Mundial pela Migração (IOM, na sigla em inglês), Jemini Pandya, explica que adaptação é o modo como as pessoas lidam com um mundo que está mudando do ponto de vista ambiental e de recursos naturais disponíveis. “No pior cenário, isto pode significar que as pessoas tenham que deixar suas casas ou terras onde vivem, principalmente aquelas que dependem fortemente dos recursos como água e clima”, afirma Jemini.
Ela ressalta que esta migração pode ser tanto de pessoas do campo para cidades, por causa de fenômenos climáticos extremos mais freqüentes, como tempestades e furações ou secas prolongadas, mas também o caminho inverso, pessoas em áreas urbanas costeiras, por exemplo, que tenham que sair por causa do aumento do nível dos oceanos.
Assim, se há risco do nível do mar engolir bairros inteiros em regiões costeiras, será preciso construir diques para frear este movimento ou, como cita Jemini, mover esta população. Se as temperaturas mais altas e a escassez das chuvas ameaçam a produtividade de alimentos, governos e empresas devem investir em melhores sistemas de irrigação ou no melhoramento genético, por exemplo.
Um estudo divulgado na última semana por um grupo de cientistas brasileiros, chamado A Economia da Mudança do Clima no Brasil: custos e oportunidades mostra que o país perderia o equivalente a um ano inteiro de crescimento nos próximos 40 anos por causa dos efeitos do aquecimento global.
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro seria entre R$ 15,3 trilhões (reais de 2008) e R$ 16 trilhões nos dois cenários considerados pela equipe multidisciplinar de pesquisadores, porém as perdas com as mudanças climáticas chegariam a 0,5% e 2,3% respectivamente, ou, R$ 719 bilhões e R$ 3,6 trilhões em 2050. (leia mais sobre o estudo)
Para o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e um dos coordenadores do estudo, Eduardo Assad, não há dúvida do custo beneficio de investimentos hoje em adaptação, com recursos vindos tanto do governo quanto do setor privado. “Na agricultura, os investimentos em melhoramento genético são estimados em R$ 1 milhão por ano”, diz.
Feres, que coordenou o tema mudança do solo no estudo, explica que os três setores que terão mais perdas serão o agrícola, energético e turismo (devido ao aumento do nível dos oceanos nas regiões costeiras).
Agricultura
A agricultura é extremamente dependente das chuvas e temperaturas, por isso qualquer variação já traz grandes implicações. Para adaptar-se nesta área, Assad explica que existem três estratégias: mudança de culturas segundo as novas condições climáticas, melhoramento genético e uso de espécies transgênicas já adaptadas. “No caso do café arábica, hoje cultivado em São Paulo, por exemplo, vimos que poderá se deslocar para o Sul do Brasil. Então a idéia é tentar plantá-lo em estados como Santa Catarina”, cita.
Com o melhoramento genético já é possível desenvolver sementes que produzam raízes mais longas (que seriam capazes de captar água em solos mais profundos) ou reduzir suas características de evapotranspiração. “São medidas para evitar perdas de produtividade”, diz Assad.
Segundo o estudo, no Nordeste, as chuvas tenderiam a diminuir 2 a 2,5 milímetros por dia até 2100, causando perdas agrícolas em todos os estados da região. “A soja e o milho serão bastante atingidos, por isso precisarão de bons sistemas de irrigação”, ressalta Feres.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) no relatório de 2007 chama a atenção especialmente para a água na região latino-americana, que terá condições mais secas em 60% do seu território, exigindo investimentos além dos US$ 17,7 bilhões já necessários para alcançar os objetivos do milênio ligados ao fornecimento de água para 121 milhões de pessoas.
Energia
Com uma matriz energética fortemente dependente das hidroelétricas, a queda nas chuvas trará uma perda de 31,5% a 29,3% da energia firme (produção máxima de energia em situações de seca). Os impactos maiores seriam nas regiões Norte e Nordeste, já que algumas bacias podem ter uma redução de vazões de até 90% entre 2070 e 2100. E mesmo com os impactos no Sul e Sudeste sendo mínimos ou positivos, eles não compensariam as perdas do Norte e do Nordeste.
“Precisaríamos criar alternativas, investindo em nucleares, eólicas e termoelétricas (que entrariam em ação quando não houvesse chuvas)”, cita Feres.
Zonas Costeiras
Para evitar danos econômicos da ordem de R$ 136 bilhões a R$ 207,5 bilhões com a subida do nível dos oceanos na costa brasileira, o país teria que investir em obras de engenharia, como diques.
De um modo geral para todos os países, o IPCC recomenda ações como gerenciamento de zonas costeiras, planos de monitoramento e proteção e controle dos recursos pesqueiros.
“Adaptação está muito ligado à prevenção. O planejamento no crescimento urbano na faixa costeira muitas vezes não leva em conta a própria movimentação natural das marés. Precisamos de bom planejamento urbano que leve em conta os impactos ambientais”, comenta Feres.
Jemini, do IOM, concorda. Ela ressalta que governos pensando em melhorar a infra-estrutura de fornecimento de água no campo, por exemplo, podem evitar que as pessoas mudem para as cidades por não conseguirem sobreviver ali, ou construir casas mais resistentes a tornados e enchentes.
Eventos Climáticos Extremos
Um bom exemplo de medidas para lidar com fenômenos climáticos extremos, que tendem a se tornar mais freqüentes e intensos com a elevação das temperaturas, vem de Bangladesh, país asiático já propenso a alagamentos e que recentemente vem sofrendo ainda mais com tufões e tempestades.
Com a ajuda do Centro para Estudos Avançados de Bangladesh (BCAS, na sigla em inglês) e parceiros locais, algumas vilas em alto risco estão recebendo treinamentos para aprenderem a conhecer suas vulnerabilidades e acharem saída para lidar com tais eventos climáticos.
Pessoas de locais como Manikgang aprendem, por exemplo, melhores práticas para reduzir custos do cultivo de vegetais nas chamadas “camas flutuantes”, já que são plantadas sobre águas, um tipo de conhecimento tradicional.
Os moradores também aprenderam técnicas de criação de patos e caranguejos, como formas de geração de renda, e a desenvolverem sistemas de coleta de água da chuva, já que algumas regiões sofrem com escassez de água doce.
(Envolverde/Carbono Brasil)