Dias atrás, seu governo ainda patrocinava no Congresso, pelo ministro Reinhold Stephanes, o combustível legal para novos recordes de emissões de CO2, abrindo o Código Florestal às alas das fronteiras agrícolas. E agora até Stephanes enche a boca com as novas metas estratosféricas do combate ao desmatamento. Serão, se cumprirmos a palavra empehada por Lula, 570 milhões de toneladas de CO2 a menos. Entre vírgulas antes reservadas aos conchavos das autoridades monetárias, como as que estimaram as reduções entre “36,1 a 38,9%”.
Parece que a ciência exata enfim está a serviço do oportunismo político, revolvendo um tema que o Brasil custou mais do que o mundo para levar a sério. Mesmo quando hospedou no Rio de Janeiro a Eco-92, os anfitriões mal podiam esperar que estrangeiros virassem as costas para resolver, em família, o futuro que realmente mais interessava aos brasileiros naquele momento: o do governo Collor, já então com um pé no ar, outro no impeachment.
Mudança climática é coisa velha, na política internacional. A primeira lei americana para a proteção de espécies ameaçadas data de 1969, o ano em que aqui Lula se elegia para a presidência do sindicato dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Aquela foi uma fase de avanços ambientais nos Estados Unidos que nós perdemos. Elas levaram o governo Jimmy Carter a baixar leis para a conservação do Alasca, a conter a poluição industrial do ar e da água, a banir o chumbo da gasolina e a perder feio a eleição seguinte.
O Brasil tinha então outras prioridades internas, a começar pela de impedir que Carter, em nome de sua política de direitos humanos, cutucasse os princípios hegemônicos que permitiam aos governos militares fazer o que bem quisessem com seus presos políticos em cafuas secretas. Essas ameaças à vida, do lado de cá, eram naquele tempo tão concretas, que mesmo a esquerda brasileira não tinha cabeça para pensar nos lagos, rios e florestas que, lá fora, as primeiras ongs estavam discutindo.
As coisas no Brasil têm o dom de parecer novidade mesmo quando chegam atrasadas. Talvez porque nossa história começou em 2003, quando o primeiro relatório governamental sobre aquecimento da terra já tinha quase um quarto de século, a conferência de Estocolmo sobre meio ambiente, mais de duas décadas, e o diagnóstico científico de que hiperatividade humana desregulava o clima, 15 anos.
Foi nesse período que o Brasil deu para bater recordes de devastação na Amazônia, primeiro no regime militar, depois no civil, como se não tivesse nada a ver com toda aquela conversa de gringo. Levamos décadas para entender que desenvolvimento não é bem copiar o atraso dos países desenvolvidos. Isso veio a custo de muito protesto e, principalmente, divergência científica.
O custo do desflorestamento na Amazônia ou na Mata Atlântica, com um mínimo de boa fé, qualquer pode ver a olho nu, se quiser. Mas o seu ganho só aparece em avaliações bem mais complexas. Eé irrisório. Através de institutos de pesquisa, como o Imazon, ou de economistas como Carlos Eduardo Young, constatou-se por exemplo que a pirataria madeireira leva em média 16 anos para produzir uma cidade fantasma habitada por miseráveis na Amazônia. Que os índices de desenvolvimento humano são mais baixos nos municípios mais desmatados do país. E que neles a violência é maior.
Foi dessas prerrogativas que o governo brasileiro relutantemente abriu mão esta semana. Mesmo que tenha dado o braço a torcer para fazer bonito em Copenhague, não custa reconhecer que a velha soberania já foi tarde.
Marcos Sá Correa é jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja e de Época, diretor do JB, de O Dia e do site NO.
Fonte: O Eco.